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crise na ucrânia

Putin afrouxa o pulso na Ucrânia

O líder russo insiste com os pró-russos do leste para que adiem o referendo separatista

O presidente Vladimir Putin, nesta quarta-feira.Foto: reuters_live
Pilar Bonet

O presidente russo, Vladimir Putin, declarou ontem que as eleições presidenciais de 25 de maio na Ucrânia são “um passo na direção correta”, apoiando pela primeira vez uma votação crucial para estabilizar a grave situação desse país. Além disso, Putin pediu aos federalistas e separatistas das regiões do leste, atualmente confrontados com Kiev e de armas na mão, que adiem o referendo de autodeterminação previsto para 11 de maio, até que “sejam criadas as condições de diálogo”.

As eleições “não resolvem nada se os cidadãos da Ucrânia não compreendem como seus direitos serão garantidos depois de realizá-las”, disse Putin, segundo quem “o diálogo direto entre as autoridades de Kiev e os representantes do sudeste da Ucrânia é um elemento chave para a regularização” do conflito. “A condição obrigatória” para o começo desse diálogo, opinou ele, é o “afastamento de toda a violência”.

As declarações de Putin e seu apelo às “autoridades de Kiev” foram feitas após ele se reunir em Moscou com Didieer Burkhalter, presidente da Suíça, país que dirige atualmente a Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). No fim de semana passado, o assessor de imprensa do presidente, Dmitri Peskov, qualificou de “absurda” a eleição presidencial na Ucrânia.

O referendo é problemático, por causa dos conflitos entre os federalistas e os separatistas contra as tropas ucranianas

Quaisquer que sejam os cálculos e razões que inspiram Putin, suas palavras implicam a primeira freada (pelo menos verbal) em uma contínua escalada de tensão internacional, sem precedentes desde o fim da Guerra Fria. Essa escalada começou com o conflito em torno do rumo estratégico da Ucrânia (para a União Europeia, mediante o acordo de Associação, ou para a Eurásia, mediante o ingresso na União Alfandegária) em novembro passado; prosseguiu com as manifestações na praça da Independência, em Kiev (o Euromaidan); complicou-se com dezenas de mortos e a organização das forças “antimaidan”, e se precipitou, finalmente, há dois meses e meio, ao serem descumpridos os acordos alcançados em 21 de fevereiro pelo então presidente Viktor Yanukovich e os líderes da oposição parlamentar, com o aval de vários países europeus e a presença de um representante russo.

Os líderes da oposição da Ucrânia, hoje os dirigentes provisórios do país até as próximas eleições, foram tratados como “Junta” e como “autoproclamadas autoridades” pelo Kremlin, que utilizou o argumento de sua falta de legitimidade para anexar a península da Crimeia, violando os acordos internacionais assinados com a Ucrânia.

Insistiu o presidente russo em que os líderes interinos da Ucrânia são culpados pela crise e organizadores de um “golpe de Estado”, e que “não se preocuparam em desarmar os elementos radicais de direita e nacionalistas”. Entretanto, Putin disse estar interessado em encontrar “uma saída para a situação que se criou neste momento”.

Na Crimeia, os “homens verdes” (soldados russos) não encontraram resistência

O líder do Kremlin se dirigiu às autoridades do Kiev para que interrompam todas as “operações militares de castigo no sudeste da Ucrânia”, e observou que “esse método” não é o caminho adequado para “resolver um conflito interno” e “não faz senão aprofundar o cisma”. Até recentemente, Putin insistia em afirmar o direito da Rússia na defesa dos interesses dos russófonos da Ucrânia. Agora, ao se referir a um conflito interno, o líder russo parece se distanciar daquelas posições e também de quem espera que Moscou os ajude e proteja, se for preciso com armas e com apoio bélico.

Putin disse acolher “positivamente” a libertação do Pavel Gubarev da prisão em Kiev, mas insistiu em que devem ser postos em liberdade “todos os presos políticos”. Gubarev, que aparentemente foi trocado por um oficial do Serviço de Segurança da Ucrânia, é o líder mais carismático da chamada República Popular de Donetsk, a entidade organizadora do referendo previsto para 11 de maio.

Já antes dos comentários do líder russo, a celebração do referendo parecia problemática, dada as escaramuças entre federalistas e separatistas contra as tropas governamentais que atuam no marco de uma operação que o governo provisório ucraniano qualifica de “antiterrorista”. Os confrontos já causaram um grande número de vítimas e uma reação em cadeia que envolve novos elementos na luta. Os combatentes da RPD são um conjunto de forças heterogêneas, entre as quais há cossacos chegados da Rússia, oriundos da Crimeia e também veteranos do Exército russo, com diferentes passaportes. Entretanto, por enquanto, não são unidades militares regulares da Rússia.

Putin manifestou também que as tropas russas se retiraram da fronteira com a Ucrânia em resposta às “preocupações” que sua mobilização causa. O contingente, afirmou, encontra-se em “seus lugares de treinamento regular”.

O mandatário se manifestou disposto a “procurar vias para sair da crise” e advertiu que, para que as votações tenham sentido, deve haver proteção aos direitos de “todos os cidadãos”.

Não ficaram claros quais foram os argumentos-chave que motivaram a mudança de retórica de Putin, que há poucas semanas insistia no direito do seu país a defender os russófonos da Ucrânia, independentemente do seu passaporte, se é que este grupo se via ameaçado. Agora, o modo de se expressar do presidente aponta para uma mudança de conceitos, para pôr em primeiro plano um conflito interno da Ucrânia. Na origem da mudança de retórica pode haver uma combinação de diferentes raciocínios, tais como as sanções ocidentais e, sobretudo, a perspectiva de futuras sanções que dentro de vários anos podem reduzir ao mínimo a clientela europeia dos hidrocarbonetos russos. Com as cifras na mão, especialistas econômicos russos reservadamente confrontaram Putin com os enormes custos que a “absorção” da Crimeia significa para a Rússia, e advertiram-no de que a economia russa não está em condições de enfrentar os custos muito mais elevados que significaria assumir a manutenção da região mineira e industrial de Donetsk, sobretudo agora que a Rússia já entrou em recessão.

Aos argumentos econômicos se somam os argumentos bélicos. Na Crimeia, onde a maioria da população simpatizava com a Rússia, os “homens verdes” (soldados russos) não encontraram resistência. No resto da Ucrânia não seria assim, porque os ucranianos reagiram e estão dispostos a lutar por sua terra, qualquer que seja seu grau de organização e capacidade bélica, afirmava em Odessa o político Alexei Goncharenko, uma das promessas das novas gerações ucranianas.

Qualquer que seja sua eficácia econômica, as sanções produziram certo isolamento da Rússia, como se reflete na próxima sessão do Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, ao qual comparecerão neste ano figuras secundárias, e não os altos executivos que recentemente gostavam de se sentar à mesma mesa que Putin. No plano psicológico, a presença do presidente nos festejos de aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, nesta sexta-feira em Sebastopol, na Crimeia, certamente entusiasmará os habitantes daquela cidade. Entretanto, sobre o pano de fundo dos conflitos e combates e o medo de uma intervenção russa no Leste da Ucrânia, alguns associam a imagem da Rússia, a herdeira do país vencedor em 1945, com a imagem do país e do líder que foram vencidos naquela ocasião.

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