Operadoras 1 X 0 Internautas
Polêmica pela ausência do conceito de neutralidade no documento final da NetMundial, a conferência sobre a Internet realizada em São Paulo
Com três horas de atraso em relação à hora prevista por causa das divergências, a NetMundial, reunião global sobre governança da Internet realizada em São Paulo com 800 participantes de 85 países durante dois dias, terminou na quinta-feira com um documento final apresentando resultados bastante mornos. Houve a condenação, já esperada, da chamada “vigilância em massa” na Internet e um chamado para que essa atividade seja enquadrada na lei internacional, em referência ao escândalo Snowden, mas o documento não fez uma única menção à Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, responsável por espionar governos aliados, empresas privadas e cidadãos comuns, incluindo a própria presidente Dilma Rousseff.
Ao mesmo tempo, várias organizações da sociedade civil realizaram um evento alternativo, a Arena NetMundial, em um local da capital paulista onde os participantes puderam conversar via Skype com Julian Assange, o fundador do WikiLeaks, atualmente refugiado na embaixada do Equador em Londres.
A inclusão ou não do conceito de neutralidade (na prática, que os internautas tenham acesso a diferentes conteúdos de acordo com um preço) atrasou o consenso em torno da chamada Declaração de São Paulo. O documento, de apenas 10 páginas, é um frágil reflexo daquela que, para muitos, era uma cúpula histórica realizada em um país que acabou de aprovar o Marco Civil da Internet, no qual a neutralidade era, especificamente, um dos temas prioritários do Governo brasileiro.
Essa conferência ocorreu apenas 24 horas depois que a Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês), o órgão independente responsável pela regulação da Internet nos Estados Unidos, anunciou que iria rever a normativa em vigor para facilitar que os provedores de Internet ofereçam serviços com velocidades diferentes.
As diferenças de opinião entre Brasília, os Estados Unidos e a União Europeia impediram a redação de um texto mais ambicioso.
Em declarações à imprensa, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, reconheceu essas diferenças e disse que estava confiante em alcançar mais adiante o direito para que todos tenham acesso aos mesmos conteúdos e com a mesma velocidade. “Há países que não querem isso. Os Estados Unidos, nem a União Europeia”, disse ele, citando a reunião do Fórum Global de Internet (GIF) que será realizada em Istambul (Turquia). “Há diferentes pontos de vista”, disse a vice-presidente da Comissão Europeia, Neelie Kroes.
Para alguns especialistas, como Sergio Amadeu, sociólogo e que participou da elaboração do Marco Civil, o que ocorreu é uma grande vitória para as grandes operadoras de telecomunicações contra Google ou Facebook. “Tudo isso é um absurdo”, garantiu Amadeus. “Os lobbies das empresas de telecomunicações dominaram e pressionaram durante os debates finais e conseguiram enfraquecer o texto e tirar a palavra neutralidade da redação. Também não estão incluídos os meios para combater essa espionagem maciça já que as grandes empresas continuarão dominando o tráfego”.
A União Europeia é partidária da neutralidade na Internet, mas a sua vontade não foi cumprida no Brasil, embora vários de seus países tenham apontado claramente a favor desse conceito.
A comissária da Agência Digital, Neelie Kroes, sempre se mostrou uma "forte defensora" da neutralidade. "Mas entende que em dois dias não é possível chegar a um consenso sobre o tema", explicou seu porta-voz. Kroes comemora que o assunto tenha surgido no encontro, embora reconhece que o documento "não é o comunicado exato que alguns queriam", informa Lucía Abellán. Ante a polêmica que se gerou, os representantes dos Estados Unidos na cimeira, Michael Daniel e Lawrence Strickling, coordenador de Segurança Cibernética da Casa Branca e secretário-adjunto de Comércio respectivamente, justificaram ontem na Folha de S. Pauloa postura de Washington na reunião, assegurando que a “neutralidade significa coisas diferentes em locais diferentes”.
Os representantes de Cuba, Índia e Rússia (cujo presidente, Vladimir Putin, acaba de comparar a Internet como um instrumento da CIA) mostraram a sua insatisfação com o acordo. “As decisões foram tomadas por uma comissão já determinada e não conseguimos entender os critérios para a elaboração do documento. Nossas contribuições foram ignoradas e a única coisa que vai acontecer é que vai promover a desigualdade entre os países”.
Apesar disso, muitos dos participantes, incluindo um dos pais da Internet, Vinton Cerf, consideraram a conferência “uma grande conquista e um passo adiante na governança global da Internet”. A reunião de São Paulo tentava conseguir o que a última reunião da ITU, organização internacional de telecomunicações, não conseguiu: um acordo entre Estados partidários para manter o status quo e emergentes como China, Rússia, Índia e outros, como a Turquia, que preferem ter o controle e o domínio na governança da Internet.
O Brasil assinou no início de 2012 um acordo com Pequim e Moscou neste sentido, mas agora parece ter se aliado a Washington, aproveitando o mea culpa da Administração Obama que anunciou a sua disposição de renunciar à prerrogativa que exercem sobre a atribuição de domínios de Internet através do ICANN, uma organização sem fins lucrativos com sede em Londres, e uma reestruturação da NSA. Essa boa disposição foi elogiada no documento.
O compromisso com o multilateralismo ficou patente no texto final que defende uma Internet aberta, participativa, transparente, inclusiva e para fechar o fosso digital entre os que têm acesso à rede e aqueles que não têm. Para muitos, esses pontos, incluindo o último, são os que tornam vencedoras as grandes corporações de Internet, cujos representantes dominaram as atenções na sala do hotel de luxo onde o evento foi realizado porque, como disse Ross Lajeunesse, diretor de Relações Públicas do Google, “o nosso negócio é que a Internet se expanda cada vez mais e para mais pessoas”.
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