Ocupação Zuzu Angel: quando a moda e a política se encontraram na passarela
A estilista, que perdeu o filho para a ditadura e lutou até o fim da vida contra o regime militar, tem suas criações expostas em São Paulo
Na semana passada, o universo da moda estava às voltas com a São Paulo Fashion Week, a semana de moda mais importante do Brasil. Mas o desfile mais relevante, do ponto de vista histórico e político, ocorreu fora das dependências do evento.
A Ocupação Zuzu, aberta propositalmente no dia 1º de abril, aniversário de 50 anos do golpe militar, homenageia a estilista brasileira Zuzu Angel, nome importante não só para a moda, mas também para a luta política contra a ditadura militar, que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985.
Zuzu Angel, ou Zuleika de Souza Netto, nasceu em Curvelo, em Minas Gerais, em 1921 e cedo começou a estudar moda. A trajetória da mulher que, ao se casar com o norte-americano Norman Angel Jones se tornou Zuzu Angel Jones, poderia se limitar ao mundo da moda. E, ainda assim, ela seria um importante ícone da criação brasileira, cuja marca própria trabalhava materiais mais nobres, como a renda e a seda, com fitas e chita, para dar um toque regionalista e único às suas roupas.
Porém, a partir de 1971, Zuzu Angel deixou de ser somente uma estilista para se transformar em uma militante contra a ditadura. Foi quando seu filho, o estudante de economia Stuart Angel Jones, que era membro do grupo de extrema esquerda Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8), foi vítima da repressão do regime aos 25 anos. Preso e torturado por membros do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA), no Rio de Janeiro, Stuart foi registrado como desaparecido político e seu corpo nunca foi encontrado.
O desaparecimento do filho influenciou diretamente nas criações de Zuzu Angel, que passou os últimos cinco anos de sua vida lutando em busca do corpo de Stuart. Em paralelo à luta, Zuzu continuo criando. Suas peças passaram a ter estampas com motivos bélicos, como bordados de canhões e armas, pássaros presos em gaiolas, manchas vermelhas em alusão ao sangue derramado pelos militares, e a figura de um anjo, que representava o filho desaparecido.
Essas figuras marcam a exposição, que apresenta 400 itens, entre vestidos, croquis, documentos, objetos, fotos e muitas cartas, que Zuzu escrevia para autoridades no Brasil e nos Estados Unidos, em busca de alguma pista de seu filho desaparecido. A curadoria da mostra é da jornalista Hildegard Angel, filha de Zuzu e fundadora do Instituto Angel. “Minha mãe peregrinou de quartel em quartel e depois do assassinato do meu irmão passou a reivindicar o corpo dele”, disse Hildegard na abertura da mostra.
“Muita gente jovem não conhece a Zuzu Angel, assim como não conhece a nossa história”, diz o criador da São Paulo Fashion Week, Paulo Borges. “Por isso reafirmar e relembrar é tão importante”, contou, sobre a relevância da mostra, durante a abertura da exposição.
Zuzu Angel morreu ao capotar o carro no dia 14 de abril de 1976, em um acidente que nunca foi bem explicado. Hoje o local, no Rio de Janeiro, leva seu nome: Túnel Zuzu Angel. Uma semana antes de morrer, Zuzu deixou uma carta na casa do cantor Chico Buarque para ser publicada caso algo acontecesse com ela. O documento dizia: “Se eu aparecer morta, por acidente ou por outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho”. Em 1998, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos julgou o caso que culminou no reconhecimento do regime militar como responsável pela morte da estilista.
No ano passado, o Wikileaks publicou um telegrama que havia sido enviado em 10 de maio de 1976 pelo governo norte-americano para o governo brasileiro mostrando a preocupação da repercussão do acidente de Zuzu Angel no Brasil e no exterior.
“Eu não tenho coragem. Coragem tinha meu filho. Eu tenho legitimidade”, disse Zuzu Angel certa vez.
A Ocupação Zuzu Angel acontece até o dia 11 de maio, no Itaú Cultural, na Avenida Paulista, 149, São Paulo. A entrada é gratuita. Aqui, a programação completa da mostra, que inclui exibições de filmes, bate-papos e desfiles.
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