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Poemas para aliviar doenças e a internet como viveiro de poetas

A internet se converteu num viveiro de poetas e poesia. Uma explosão de projetos e páginas web de todo tipo Um poema por semana, versos para aliviar o Alzheimer ou para esquecer a guerra são exemplos da natureza poética da internet

Ilustração de Fernando Vicente para 'De los álamos el viento'.
Ilustração de Fernando Vicente para 'De los álamos el viento'.

Versos para superar a guerra. Versos para aliviar o Alzheimer. Versos que só chegam às terças-feiras. Versos com cinco palavras. Numa época crítica para os escritores profissionais -- nem falemos para os que se dedicam à lírica --, a internet é um viveiro crescente para a poesia. As partes em que se divide esse viveiro são múltiplas. Há aquelas com pretensões generalistas, como Poetry Foundation, web da revista Poetry de Chicago, com quase 100.000 fãs no Facebook, onde pode-se procurar poemas por tema, por data comemorativa e até por países (embora, por enquanto, haja alguns sub-representados, como a Espanha, que só tem dois). E há aquelas tão específicas como uma seção da web da editora digital bartebly.com, que acolhe 151 poemas de 101 autores que viveram, de todas as frentes, a I Guerra Mundial, cujo centenário se comemora neste 2014.

Mas o que mais prolifera são sites em que os internautas se transmutam em poetas. Para Charles Olsen e Lilián Pallarés, webmasters de Palavras Emprestadas, em Madri, tudo começou num aeroporto da Sardenha com cinco palavras: algas, poeta, vinho, clínica e metafórico. “Como estávamos entediados no aeroporto, pedi a Charles cinco palavras para fazer um poema. Ele se entusiasmou tanto que me pediu outras cinco”. As cinco palavras que Pallarés deu a Olsen se transformaram nesse poema:

Na clínica de San José um poeta espirra versos metafóricos… frases como vinho tinto com corpo de algas infinitas. Charles Olsen, Palabras prestadas

Dali a fundar uma web que propõe a qualquer poeta, profissional ou amador, o desafio das cinco palavras, com a possibilidade de logo sair publicado em papel na antologia anual que reúne os poemas da página web e que em sua primeira edição contou com 15 poemas. Lilián Pallarés não disfarça seu entusiasmo pelo crescente projeto: “Nos atrevemos a dizer que Palavras Emprestadas é um aeroporto de ideias, de palavras, de poemas, uma metáfora aérea”.

A poesia pode ser também bálsamo para doenças terríveis. Gary Glazner, poeta norte-americano de 57 anos, sabe muito bem disso. Ele leva quase 30 anos, desde 1997, lutando contra o Alzheimer com o lirismo através da fundação Alzheimer’s Poetry Project, que compila em sua web poemas criados pelos pacientes numa tentativa de salvar versos do esquecimento. Glazner não se esquece de uma anedota da primeira sessão em que experimentou o método de, recitar versos clássicos com os enfermos e logo animá-los a criarem os seus próprios: “Um homem estava de cabeça baixa, sem participar, parecendo totalmente a margem de tudo o que acontecia a sua volta. Eu estava recitando um verso de Longfellow: ‘Lancei uma flecha ao ar’. Seus olhos se abriram e ele disse: ‘Caiu na terra, não sei onde’. De repente ele estava outra vez conosco e era capaz de participar. Fique assombrado. Isso me mostrou o quão poderosos podiam ser os poetas clássicos. Quão útil pode ser a poesia para ajudar essa comunidade”. Dos muitos poemas que os pacientes escreveram, Glazner escolhe um em castelhano com o título Besos (Beijos).

'Beijos' desde o Alzheimer

Beijos. Nem carinho nem beijos. Quando eu era criança, pedia pão e queijo aos meus pais. Não podiam me dá-los. Mas podiam me dar amor. Meu primeiro namorado me pegou a mão. O amor é maior que pão e queijo. Quando fui ao mercado, não houve pão nem queijo. Mas havia uma moça para beijar. Eu esperava ao lado do rio. Minha namorada vinha pegar água para a sua família, e ali nos beijávamos. As moças não me beijam. Elas me rejeitam. Ninguém nunca me amou, nunca. Só mamãe me amava um pouco. Mamãe me dizia: “Eu te dou pão e queijo e se tu não comeres, não te beijo.” Isso significa que se tens um namorado ou namorada que queres beijar, tampouco recebes pão. Eu disse a ele, podes me beijar aqui (aponta com o dedo a bochecha). Podes me beijar aqui (aponta com o dedo os lábios). Mas, abaixo daqui não podes me beijar. (Desenha uma linha através do pescoço). Quando se é jovem, aos 14, 15, 16 anos, sonhas muito, mas aos 18 já sabes dizer sim ou não e podes comer a sobremesa.

Por que essa necessidade de experimentar com a lírica na web? O poeta Manuel Vilas – Resurrección (Visor, 2005), Gran Vilas (Visor, 2012) – explica que é porque as webs cobrem o nicho mais independente. “A internet é o novo underground. E só pode crescer mais e mais. É um lugar de liberdade absoluta onde a pessoa pode pirar. É uma ferramenta ideal para experimentar com poesia”. O próprio Vilas somou-se aos versos online. Colabora com a revista malaguenha online Obituario, que dedica cada número a alguma celebridade morta, de Francis Scott Fitzgerald a Johnny Cashy. E em seu livro Listen to me (La Bella Varsovia, 2013), ele misturou seu Facebook e seu blog num diário online que pretendia chegar ainda mais longe: “Queríamos incluir todos os comentários dos usuários. Mas era uma confusão porque seria preciso pedir autorização a cada pessoa. Mas para mim o ideal era isso”.

Os versos online partem dos cinco continentes. Toda terça-feira, Mary McCallum e Claire Beynon fazem, desde a Nova Zelândia, o upload de versos novos de 30 poetas de todo o mundo em Tuesday Poem. A iniciativa começou com uma ideia de McCallum que pretendia simplesmente se obrigar a escrever: “Fiz isso para me concentrar na minha escrita, de verdade: para me lembrar que na terça-feira eu tinha que postar poemas e como uma forma de construir uma comunidade lírica. Achei que ter o título seria uma boa maneira de me lembrar desse dia da poesia, especialmente quando a vida te oprime”. Quatro anos mais tarde, poetas da França, Estados Unidos, Nova Zelândia, Lesoto e da África do Sul se animam para a poesia a cada terça-feira.

   Todas essas palavras, dentes afiados cravando-se no ventre cheio de vida – Aí está! ‘Mãe’. Uma e outra vez. Mary McCallum, Tuesday Poem

O porquê de existir a poesia gratuita tem múltiplas respostas. O prazer para Lillián Pallarés e Charles Olsen. A solidariedade para Gary Glazner. O experimentalismo e a tertúlia para Manuel Vilas. O amor pela poesia em todos os casos. Mas também a reivindicação da situação pela qual as letras e as pessoas estão passando: “Em um mundo cada vez mais adoecido por estruturas econômicas falidas, pelo colapso político, o separatismo ecológico e a destruição do meio ambiente, as artes continuam sendo um lugar onde é possível um intercâmbio autêntico e sem complicações”, afirma Mary McCallum. “A poesia tem o poder de dissolver barreiras entre as pessoas, propiciar a mudanças, oferecer prazer e humor, ser voz de protesto, de luta pela paz, pela educação, a saúde e a conexão entre as pessoas”.

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