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Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Insegurança até quando?

Não é possível se sentir vivendo em uma democracia amedrontado pela violência cotidiana

Juan Arias

Junto às deficiências da saúde pública, o que os brasileiros mais rejeitam nas pesquisas é a insegurança. Estão com um medo visível. Isso é notável nas conversas, nas redes sociais e nas cartas de leitores enviadas aos jornais. Até do exterior chegam recomendações aos estrangeiros que visitam o Brasil sobre como se comportarem para evitar ser vítima de violência, especialmente com a proximidade da Copa do Mundo.

Até quando os brasileiros aceitarão viver na ansiedade de poderem ser assaltados?

Aqueles que viajam para fora do país notam a diferença de poder passear tranquilamente por ruas e praças quando vão, por exemplo, para a Europa. Lá, nem pensam que vão ser vítimas da violência. Não que lá também não haja alguns casos pontuais de violência, sobretudo roubos em algumas cidades mais turísticas, mas, mesmo nesses casos, não costumam ter a truculência da violência brasileira.

Lembro-me de uma tarde em Veneza. Estavam fechando algumas lojas de produtos de luxo. Tudo ficava exposto nas vitrines durante a noite. Perguntei ao proprietário de uma dessas lojas se não tinha medo de ser roubado. Ele olhou para mim intrigado: “Não, aqui ninguém toca em nada”, disse ele, acrescentando que a vigilância noturna policial impedia qualquer surpresa.

Por que matar um cidadão para poder roubar o seu telefone celular, carteira ou até mesmo o carro? Na verdade, o apelo dolorido do brasileiro agredido na rua ou em casa é sempre o mesmo: “Por favor, não atirem, não me mate. Eu vou entregar tudo”. Os bandidos não escutam e muitas vezes matam a vítima ou esfaqueiam. E quando a vítima despojada de tudo o que tinha sai ilesa, é como uma festa. Alguns até acendem uma vela em agradecimento ao seu santo favorito. O brasileiro se conforta apenas por sair vivo de um assalto.

Se ontem essa violência de rua e doméstica era uma praga especialmente nas grandes cidades, vemos hoje que está se espalhando como uma mancha de óleo inclusive em pequenas cidades do interior, onde o crime quase não existia.

Vivo há doze anos na pequena e preciosa Região dos Lagos, no Estado do Rio de Janeiro, onde se podia passear de carro à noite sem preocupações; onde assaltos contra, por exemplo, pequenos bancos locais ou um restaurante, uma loja, um posto de gasolina ou a agência dos correios eram impensáveis.

Hoje, ao contrário, apesar de a região contar com uma polícia forte e severa, todos esses lugares já foram alvo de alguma ação violenta. “Acabou a tranquilidade de outrora”, dizem meus amigos, resignados e irritados. E as pessoas também estão começando a se blindar.

E esse verbo “blindar” é algo que deveria fazer os responsáveis de um país refletir, aqueles que se vangloriam e com razão de comandar o destino de um país “democrático”. O que acontece é que a palavra democracia se prostituiu como tantas outras e é bem sabido que não existe democracia em um país com uma educação deficiente ou problemas de saúde, e que tampouco é possível se sentir vivendo em uma democracia tomada pela violência diária da insegurança pública.

Impressiona-me o uso que se faz nos jornais ou nas redes sociais da “blindagem” dos cidadãos. Dias atrás, em uma reportagem do jornal O Globo sobre a onda de roubos e assaltos no belo bairro de Santa Teresa, no Rio, que os portugueses ergueram para lembrar a famosa Alfama, de Lisboa, Celia Costa escreveu: “Os moradores de Santa Teresa estão aterrorizados com a onda de assaltos residenciais nas últimas semanas”. Outro jornal paulistano lembrava que já haviam sido assaltadas “todas as casas de uma mesma rua” em São Paulo, e algumas várias vezes. E aceitando implicitamente que as pessoas já não confiam na polícia para protegê-las, porque até ela às vezes age em conjunto com os assaltantes, diz a jornalista do jornal carioca: “Com medo, as pessoas estão organizando a segurança com suas próprias forças, instalando cercas elétricas, sistemas de alarmes, portas duplas e colocação de pedaços de vidro nos muros”. Ou seja, estão se blindando.

O diretor da associação de moradores da comunidade de Santa Teresa (AMAST), Jacques Schwarzestein, confessou que preferia perder o carnaval para ficar em casa “organizando a sua blindagem contra os assaltantes”.

É sintomático que nenhum dos que vivem com medo de serem vítimas de assalto, roubo ou sequestro faça um chamado às forças políticas ou policiais. Já não confia nelas e na maioria das vezes nem denuncia a violência. Cada um se ajeita e blinda como pode. Até quando?

O primeiro fruto envenenado desta impotência sentida pelos cidadãos perante a autoridade pública incapaz de defendê-las é o ato de fazer justiça com as próprias mãos, quando um desses ladrões é pego com a mão na massa. São as tristes e dramáticas ações que temos visto nos últimos meses em um país cada vez mais nervoso.

Ontem, pela primeira vez nesta pacata cidade onde moro, eu testemunhei uma cena que teria preferido não ter visto, não por sua truculência, mas pelo nervosismo que começa aflorar até nos mais sensíveis e então pacíficos cidadãos anônimos.

Cerca de 40 pessoas e eu estávamos em uma agência bancária esperando em uma fila rigorosa para sermos atendidos. Alguém que estava na primeira quis passar na frente. Era um homem velho e magro, com aspecto de um trabalhador da construção civil, que talvez tinha pressa. Ao seu lado, outro senhor idoso, porém mais jovem, mais forte e melhor vestido, ficou indignado na fila e em vez de reclamar ao caixa do banco, deu um soco no homem, que caiu no chão. Ainda assim continuou batendo.

As pessoas gritavam pedindo ao policial armado do banco que interviesse, mas ninguém se movia e a briga continuava. E o policial tampouco parecia ter pressa em agir.

O que mais me impressionou é que, terminado o confronto, ninguém comentou. Para muitos pode ter parecido normal que o senhor que teve sua vez na fila desrespeitada fizesse justiça com as próprias mãos, dando um soco no homem e derrubando-o ao chão. Alguns até riam.

Casos assim e mais graves aumentam diariamente. “É que as pessoas estão chateadas e nervosas”, disse uma professora que estava ao meu lado. “Nervosos por que se vocês são famosos por suportar tudo sem nunca protestar?”, respondi. Ela disse: “De nada e de tudo, ou de muitas coisas juntas, mas o fato é que as pessoas estão se tornando mais violentas até nas pequenas coisas”.

Esse nervosismo e insatisfação difusa estão presentes nas principais preocupações dos políticos? Ou continuam achando que uma democracia suporta tudo, inclusive que os cidadãos vivam no sobressalto diário de não saber se vão ou não serem vítimas da falta de segurança pública cada vez mais grave, mais dramática e generalizada?

E isso, até quando?

As eleições estão à porta e as pessoas, quando se sentem enganadas, se tornam imprevisíveis.

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