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Trono do narcotráfico sofre duro golpe no México

Uma operação do governo mexicano confisca máquinas e toneladas de minerais em Michoacán, no sudoeste do país

Carros da patrulha em Lázaro Cárdenas.
Carros da patrulha em Lázaro Cárdenas.Saúl Ruiz

Toneladas de minerais e mais de 100 máquinas pesadas recuperadas são até agora os destaques de uma das operações mais importantes que o Governo mexicano já realizou desde o início de sua estratégia de segurança em Michoacán, no sudoeste do país. A mineração ilegal é um dos principais pulmões econômicos do cartel dos chamados Cavaleiros Templários, a máfia que domina a região e até pouco tempo atrás (4 de novembro, quando o Exército assumiu o controle da cidade) também mandava no porto michoacano de Lázaro Cárdenas, o mais importante em transporte de cargas do México.

O enviado Alfredo Castelo, designado pelo presidente Enrique Peña Nieto para gerir sua estratégia de segurança em Michoacán, detalhou na semana passada que a mineração ilegal gerou lucros equivalentes a 65 milhões de reais somente em 2013 para os narcotraficantes. A máfia cobrava o equivalente a 16 reais como imposto para cada tonelada extraída ilegalmente. O mineral e as máquinas pesadas que as autoridades confiscaram há alguns dias valem cerca de 35 milhões de reais, segundo dados oficiais. A operação, assegurou Castelo, conseguiu recuperar 44% da produção total do ferro extraído nas zonas próximas a Lázaro Cárdenas desde o início deste ano. “É preciso ser muito inteligente e golpear [os narcotraficantes] onde mais dói”, afirmou. Seis homens chineses foram detidos temporariamente e depois, liberados.

Um empresário de mineração comenta em Lázaro Cárdenas: “Estamos sentados em uma mina de ouro. Ou melhor, de ferro. Por sua localização e recursos naturais, este porto tem um potencial tremendo. E isso faz que atraia o desejo de todos.”

“Todos” é como ele se refere às máfias, que até muito recentemente provocaram uma escalada de violência na cidade. Os assassinatos eram cotidianos, e a oposição às operações do crime organizado se castigava com a morte. Outro empresário, em um restaurante vazio, comenta: “Era um problema de todos os dias, nunca nos deixavam esquecer que estavam presentes. Aqui mesmo [indica a rua] lançavam granadas. Não para matar, só para assustar.”

O terminal do aeroporto de Lázaro Cárdenas deixa entrever que este não é um lugar qualquer. Dois cidadãos chineses falam enquanto tomam café, um homem com sotaque indiano conversa em inglês por telefone, e um homem de aspecto anglo-saxão examina seu computador em um sofá. Minutos mais tarde, a intuição ganha força. Uma bandeira da China repousa numa mesa da recepção de um anódino hotel para viajantes executivos. As pessoas vão a Lázaro Cárdenas para fazer negócios. E isso fica claro desde a chegada.

Os soldados que patrulham as ruas em caminhonetes que dizem “Polícia Municipal” contrastam com uma intensa atividade comercial: as exportações se calculam em quase 25 bilhões de reais ao ano. Faz quatro meses que o Exército mexicano assumiu o controle de Lázaro Cárdenas. A Marinha armada substituiu a mercante nas operações do porto e os militares substituíram os agentes locais, que agora se limitam a cumprir, desarmados, funções civis.

Os Cavaleiros Templários administravam numerosas minas clandestinas (as reservas de ferro da região são as mais abundantes do país). Os transportadores da região reconhecem que controlavam frotas de até 200 caminhões para trasladar o mineral, e empregavam milhares de pessoas. Em outros casos, obrigavam aos mineiros empregados em empresas legais a entregar-lhes uma parte. O encarregado de comandar as operações é Servando Gómez, La Tuta. Trata-se de um dos sete líderes dos Cavaleiros Templários identificados pelas forças de autodefesa, natural de Arteaga, um município serrano que limita ao norte com Lázaro Cárdenas.

O crescimento da mineração ilegal de Michoacán, o Estado que tem as maiores reservas de ferro do país, praticamente triplicou as exportações do mineral em apenas seis anos: de 1,5 milhão (em 2006) para 4 milhões de toneladas (em 2012).

O domínio da máfia no porto prejudicou sua intensa atividade comercial. Alonso Ancira, presidente da Câmara Nacional do Ferro e do Aço (Canacero), declarou ao periódico Reforma que a violência gerava um sobrecusto de pelo menos 6% para as empresas. “Tiraram-nos das minas. Há lugares onde não podemos estar nem mandar gente lá”, comentou. O Governo mexicano tem indícios de que as operações ilegais no porto remontam, pelo menos, até 2008.

Os seis chineses detidos pelas autoridades mexicanas ficaram livres sem que se apresentassem acusações, e sua embaixada desmentiu com firmeza que estejam envolvidos em atividades ilegais. Mas o ocorrido alimentou as suspeitas de que alguns grupos ilegais do país asiático atuem em Michoacán e paguem quantias substanciais aos narcotraficantes para obter o ferro, uma suspeita que é repetida privadamente por vários funcionários michoacanos.

Fontes do Governo de Michoacán descrevem que as máfias mexicanas trocam ferro por químicos necessários para produzir metanfetamina. Em Lázaro Cárdenas há lojas com letreiros em chinês e os habitantes afirmam que os chineses compraram propriedades para instalar suas casas. “Olhe, tudo isso é dos chineses”, diz um homem, apontando para um terreno baldio. A cidade é “irmã” do Ningbo, China, o maior porto da província oriental de Zheijiang, unido por uma ponte com Xangai.

As autodefesas civis armadas que desde fevereiro de 2013 declararam guerra aos Cavaleiros Templários tomaram o controle de alguns municípios que também têm abundantes reservas minerais: é o caso de Aguililla. O Comandante Cinco, um dos estrategistas militares das tropas, afirma que “daí provêm muitos apoios” para suas finanças. Os empresários reconhecem que os civis armados lhes pedem uma “cooperação” ou “apoio”, mas insistem que o pagamento é “voluntário” e assinalam que é muito menos do que lhes exigiam os Cavaleiros Templários.

O porto de Lázaro Cárdenas, que tem a mais intensa atividade de transporte de carga do México, é também o mais jovem. Tem apenas 83 anos de fundação e se chama assim há 35. Seu nome é uma homenagem ao michoacano que ocupou a presidência mexicana entre 1934 e 1940: Lázaro Cárdenas assumiu a cidade como a intenção de tirar proveito das abundantes reservas de ferro de Michoacán. Faz apenas 40 anos que começaram a aparecer as siderúrgicas. Mas sua riqueza e sua localização estratégica (Lázaro Cárdenas fica a meio caminho entre a América Central e os EUA, e está numa posição privilegiada para comercializar com a Ásia) se converteram em sua maldição.

Agora, pelo menos, vários moradores da cidade afirmam que está tudo mais tranquilo. O presidente do Conselho Coordenador Empresarial do porto, Benjamín Rodríguez Álvarez, assegura que Lázaro Cárdenas tem um potencial que “ainda não foi aproveitado”. Ele espera que as obras anunciadas como parte do plano apresentado por Penha Neto em janeiro (que preveem que o porto duplique sua atividade até 2015) tragam “mais trabalho” à cidade. “Essa é a solução para os problemas que enfrenta Michoacán: que se crie mais emprego”, afirma. O porto, insiste ele, tem capacidade para situar-se como o mais importante do país e um dos principais do continente. Um trono de ferro que os cidadãos de Lázaro Cárdenas esperam recuperar.

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