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“Bandido que mexe com polícia acaba assim”

José Guilherme da Silva morreu com um tiro na cabeça logo após ser preso e algemado em um camburão da PM. Sua morte foi registrada como suicídio, mas sua família contesta a versão oficial

“Antes ver a senhora chorando do que ver a minha mãe. Bandido que mexe com polícia acaba assim”. A senhora, aqui no caso, é a dona-de-casa Cláudia Bertaioli da Silva, de 42 anos, que se deparou com o corpo de seu filho com um tiro na cabeça logo após ele ser preso, algemado e trancado em um camburão da PM na cidade de Limeira, no interior de São Paulo. A frase que ela ouviu no dia 14 de setembro do ano passado foi dita por um dos policiais que prendeu o servente de pedreiro José Guilherme da Silva, de 20 anos.

A morte de Silva foi registrada como suicídio, mas seus familiares questionam a informação oficial e dizem que foi executado pelos policiais que o prenderam.

O jovem foi detido ao entrar na contramão de uma rua com sua motocicleta, na qual estava com um amigo. Policiais do batalhão de trânsito o pararam e pediram seus documentos. Quando estavam fazendo a abordagem, chegou uma mensagem por meio da central da polícia informando que dois rapazes tinham acabado de cometer um assalto a um mercado e balear uma pessoa. Ao ouvirem o relato, os policiais perceberam que Silva e seu companheiro poderiam ser esses assaltantes. Passaram a revistá-los, algemaram os dois e começaram, segundo testemunhas, uma sessão de espancamento. Ambos foram jogados ao chão e receberam vários chutes no tórax e na cabeça.

Quando a mãe de Silva chegou ao local da prisão, ela viu a cena e pediu para pararem de bater no rapaz. Os policiais o revistaram novamente e o colocaram no camburão. O amigo dele foi posto em outro carro e ambos seriam levados até uma delegacia, onde ficariam detidos. “O tempo passou e não vi meu filho chegar na delegacia. O amigo dele chegou, mas ele não. Foi quando me disseram que ele tinha sido levado para o hospital. Fui para lá correndo”, afirmou Cláudia Bertaioli.

No hospital, a informação dada a ela foi que, mesmo trancado no camburão, algemado com as mãos para trás, o rapaz tinha se matado com um tiro na cabeça. “Era impossível ele ter se matado. Ele foi revistado várias vezes e não estava armado. Eu vi quando os policiais retiraram uma arma do banco de trás da viatura”, disse a mãe, desolada.

Como a Polícia Civil se negou a registrar a morte como homicídio, a própria família começou a investigar o caso. Desde então, os familiares se depararam com ao menos quatro pontos que podem esclarecer a morte do servente de pedreiro.

O primeiro ponto foi levantado pelo vereador Wilson Nunes Cerqueira, da Comissão de Direitos Humanos de Limeira, que está acompanhando o caso. “O tiro entrou do lado direito da cabeça e o Guilherme era destro. Seria impossível que a bala percorresse essa trajetória, já que ele estava algemado, com as mãos cruzadas para trás”, disse ele ao blog do jornalista Bruno Paes Manso.

A segunda questão foi o cômico laudo do perito que analisou o suposto suicídio de um homem algemado. Afirma o especialista no documento: “isso envolve um estudo personalíssimo da habilidade do agente que encontra-se algemado. E é sabido nos meios policiais tanto sobre a habilidade de movimento de alguns detidos, bem como sua condição pessoal de burlar a revista”.

A outra dúvida levantada foram os cinco meses de demora da entrega do projétil que teria atingido a vítima do supermercado. Essa bala pode provar se o tiro que atingiu a vítima de assalto partiu da mesma arma que matou Silva.

Por último, e não menos intrigante, foi o sumiço de trecho da gravação da conversa entre a central da PM e os policiais que estavam na viatura que transportava o rapaz. A maioria dos diálogos entre policiais com sua central é gravada e acaba sendo usada como prova no Judiciário. Neste caso, o arquivo entregue aos investigadores foi editado, conforme a família de Silva, e omite um dos trechos que poderia esclarecer se o rapaz conseguiu se matar algemado ou se foi cruelmente assassinado.

Desde que o caso foi revelado, pouco se avançou na apuração. Questionada sobre o assunto, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo enviou uma nota na qual diz que a Polícia Civil e a Corregedoria da PM farão uma investigação rigorosa sobre o episódio. A falha que resultou na morte de Silva, segundo o documento da secretaria, foi no procedimento adotado pelos policiais, que revistaram de maneira errada o jovem e não notaram que ele ainda teria uma arma. A nota diz ainda que um novo laudo de perícia deve ser elaborado e, de qualquer maneira, já é possível constatar que o tiro teria partido de uma distância aproximada de 50 centímetros, de baixo para cima. Ou seja, isso poderia, sim, configurar um suicídio.

“Não estou defendendo meu filho à toa. Ao que parece foi ele mesmo quem cometeu o assalto no mercado. Mas se ele já estava algemado, se já tinha sido preso, por qual razão ele seria assassinado? Ele deveria enfrentar um julgamento e pagar pelo seu erro na cadeia. Não pelas mãos de policiais dentro de um camburão”, desabafou Cláudia.

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