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Dilma tenta reduzir as incertezas sobre as negociações entre União Europeia e Mercosul

Em Bruxelas, a presidenta pode aliviar as tensões com os questionamentos dos europeus na OMC, e cobrar uma resposta do bloco à proposta de livre comércio

Carla Jiménez

Um fio de esperança de que se abriam os caminhos para uma política externa mais ousada para o Brasil estava ganhando força no ano passado. O consenso no Governo e no setor privado brasileiro em torno de um acordo de livre comércio com a União Europeia dava a impressão de que finalmente o gigante sul-americano se uniria a um bloco comercial ambicioso, à altura da dimensão do país. Mas, os europeus criaram uma saia justa em dezembro do ano passado, ao pedir consulta na Organização Mundial do Comércio sobre as regras adotadas em dois projetos brasileiros: o programa de atração de investimentos do setor automotivo, conhecido como InovarAuto, e a Zona Franca de Manaus, uma área que goza de incentivos fiscais para indústrias eletroeletrônicas e montadoras de motos desde os anos 60, na capital do Amazonas.

Seria essa a razão pela qual a presidenta Dilma Rousseff se apressou em confirmar sua presença no encontro da sétima Cúpula da União Europeia, que acontece nesta segunda, 24, em Bruxelas. “É a oportunidade de impulsionar as negociações com o bloco europeu. E é importante que Dilma se mostre na ofensiva, para medir a disposição da UE”, diz Ingo Plöger, presidente do Conselho Empresarial da América Latina (Ceal), que tem acompanhado desde o início as negociações entre o Brasil – junto com seus parceiros do Mercosul – e os europeus. “Ela precisa mostrar os dentes, pois estamos fazendo uma política industrial absolutamente adequada”, afirma Plöger, que considera injustificados os questionamentos feitos pelos europeus na OMC.

O InovarAuto, anunciado em 2011, garante um desconto de até 30 pontos porcentuais no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para as companhias que fabriquem bens automotores in loco, ou seja, com montadoras instaladas no país, utilizando parte das peças produzidas no país. Mais do que isso, firmou acordos com as empresas signatárias do acordo de um percentual para investimento em pesquisa e desenvolvimento, de modo a incentivar a inovação, principalmente para redução de emissões de gás dos veículos, e de itens de segurança. Quando foi anunciado criou polêmica no país entre as importadoras de veículos que se sentiram pressionadas a estabelecer linhas de produção locais e se viram obrigadas a reajustar preços diante das novas diretrizes anunciadas pelo Governo.

Por outro lado, o Inovarauto foi amplamente celebrado por empresas que vinham aproveitando da expansão do mercado de veículos, que cresce em média 6% ao ano. No ano passado, foram produzidos 3,4 milhões de veículos, o que coloca o país entre quarto e quinto mercado mundial de veículos. Indústrias chinesas, como Chery e JAC Motors, e europeias, como a alemã BMW e a britânica Land Rover, anunciaram o início das operações fabris no Brasil depois que as novas regras entraram em vigor, de olho na expectativa de o setor crescer para um volume de 6 milhões de unidades produzidas em 2020. “Nós já queríamos vir para cá antes mesmo do programa ser anunciado, e assim, acertamos a vinda”, conta Gleide Souza, diretora de relações governamentais da BMW, que está erguendo uma fábrica em Araquari, no Estado de Santa Catarina, ao sul do país. A empresa teve uma salto de vendas de 2010 a 2012, e a decisão de se instalar por aqui parecia mais do que natural. A montadora alemã está investindo o equivalente a 200 milhões de euros, ou mais de 600 milhões de reais, em uma unidade que será inaugurada no segundo semestre deste ano e deve produzir 32.000 unidades de veículos.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento, já foram anunciados investimentos de cerca de 8 bilhões de reais em novos projetos de montadoras. Para o especialista em política industrial, David Kupfer, ele tem um objetivo claro de apoiar o desenvolvimento tecnológico brasileiro e não tem nada de protecionista. “Ele visa a modernização da indústria para a questão ambiental. O objetivo é muito claro” diz Kupfer, lembrando que não se trata de um programa que restringe a atividade das empresas do setor para que se tornem meras linhas de montagem, como aconteceu com as maquiladoras no México, por exemplo. Plöger, da Ceal, vai além. “A pressão por um programa como o InovarAuto surgiu das próprias montadoras multinacionais já instaladas aqui, preocupadas com o avanço das vendas de carros chineses importados”, diz ele.

Já a Zona Franca de Manaus foi criada durante o Governo do regime militar, nos anos 60, para desenvolver um polo tecnológico numa região onde, até então, predominava a atividade rural. No ano passado, as empresas que recebem isenções de impostos no Polo Industrial de Manaus (PIM) fecharam o ano com faturamento de 83,28 bilhões de reais, ou 38,5 bilhões de dólares, 2,63% a mais que no ano anterior, na comparação sobre a receita em moeda americana. Na comparação em real, a alta foi de 13,31%. Empresas como Flextronics, Multibras, fabricante dos eletrodomésticos das marcas Brastemp e Cônsul, e as asiáticas Samsung, de eletroeletrônica, e Honda, de motocicletas, estão instaladas nesse polo. A região emprega mais de 150.000 pessoas. Em 2013, a venda de itens tecnológicos na região, por exemplo, cresceu mais de 50%.

Num trecho da consulta feita à OMC , a União Europeia questiona benefícios recebidos pelas empresas instaladas ali, e a cobrança de impostos para os importados, assim como regras dos processos produtivos básicos (PPBs) e de outros programas de incentivos a semicondutores, por exemplo. “É estranho que se levantem essas questões agora. Dá quase a impressão de que eles nao estão efetivamente interessados numa negociação para valer com o Brasil. O momento escolhido não poderia ser mais complicado”, diz o diplomata Rubens Ricupero, que foi ministro da Fazenda no Governo Fernando Henrique Cardoso, e foi secretario geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

Duas dúvidas surgem no horizonte: seria esta uma estratégia da UE para criar elementos de barganha numa eventual negociação de livre comércio, ou mesmo uma sinalização da falta de confiança no Brasil, que precisa negociar, na verdade, junto com o Mercosul? Leia-se aqui a combalida Argentina, e ainda, carregar um sócio problema como a Venezuela, a qual vive um conflito social desproporcional. É fato que os venezuelanos não participam desta negociação de livre comércio. Mas, o posicionamento brando do Brasil diante das atitudes intempestivas de Nicolás Maduro alimentam as especulações sobre as reais motivações dos europeus no trato com o Brasil.

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