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Do Haiti a Curitiba: 8.000 quilômetros em busca de trabalho

Haitianos vencem distâncias e uma tragédia e ajudam a construir a Arena da Baixada, em Curitiba. Distante dos holofotes da Copa, no entanto, enfrentam seguidos abusos trabalhistas na região

Trabalhador na Arena da Baixada, em Curitiba.
Trabalhador na Arena da Baixada, em Curitiba.Felipe Rosa (Confraria)

Arena da Baixada em obras. Sob uma temperatura de mais de 30 graus, no verão mais quente em Curitiba dos últimos oito anos, um grupo é facilmente identificável, entre dezenas de trabalhadores que caminham usando capacetes coloridos. Aproveitando uma sombra no horário de almoço, eles se reúnem para conversar nos idiomas da terra natal, o francês e o crioulo. São cidadãos haitianos, que venceram distâncias próximas a 8.000 quilômetros e uma grande tragédia, e que encontraram na construção civil uma oportunidade de sustento no Brasil. Mas que, distante dos holofotes das atividades para o Mundial, ainda enfrentam condições de trabalho precárias na região.

O Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil (Sintracon) de Curitiba informa que, semanalmente, 15 trabalhadores haitianos em média procuram a entidade com denúncias de baixos salários, precariedade dos alojamentos e falta de segurança. “Os que levam sorte e são contratados por empresas grandes, com carteira assinada, estão se dando bem. O problema não é na arena, é com as empreiteiras menores espalhadas pela região metropolitana de Curitiba”, afirma ao EL PAÍS o presidente do Sintracon regional, Domingos Davide, que diz realizar um acompanhamento constante das condições de trabalho nas obras do estádio escolhido pela FIFA para servir de palco para a Copa do Mundo.

Ainda de acordo com o presidente do Sintracon Curitiba, a construção civil vive uma “febre” de terceirizações. “Às vezes um empresário, com a ilusão de que vai ficar rico com o crescimento do setor, acaba montando uma pequena empresa de serviços e depois não consegue saldar os seus compromissos com a obra e os funcionários”, completa. “E aí temos que agir.”

Só no canteiro de obras da arena há 65 haitianos, entre os 1.000 profissionais do local. Eles trabalham para empresas diferentes e são oriundos de várias regiões do país caribenho. A função exercida pela maioria é a de ajudante de obras, que habitualmente consiste em carregar materiais, descarregar, preparar a massa, limpar a área, compactar o solo e auxiliar outros funcionários em serviços diversos. Um deles, que prefere não se identificar, conta que está no Brasil há dois anos, após deixar a região norte de sua nação de origem e passar por Lima, no Peru, e pelo Acre (Norte brasileiro).

Desde o forte terremoto de 2010, o fluxo migratório de haitianos para o Brasil, que lidera o comando militar da missão de estabilização das Nações Unidas no país caribenho, se intensificou. Muitos chegam qualificados profissionalmente, mas esbarram até na validação dos diplomas na hora de buscarem oportunidades de trabalho mais bem remuneradas, enxergando na construção civil uma oportunidade de sustento. No geral, os haitianos são expostos à exploração de "coiotes" e a condições subumanas durante o desgastante traslado ao Brasil, sobretudo até a fronteira no Acre.

“Saímos de lá (Haiti) praticamente sozinhos. Aqui vamos recuperando e fazendo novas amizades”, diz um dos trabalhadores residente em Curitiba, que pede para não ter seu nome citado. Além de uma inerente vontade de integração no Brasil, exemplificada no esforço para se falar em português, mas que ainda não afasta o sonho de um retorno bem-sucedido às origens, outro ponto compartilhado pelos operários haitianos é a vontade de auxiliar os que ficaram.

“Estamos aqui para trabalhar e poder ajudar financeiramente os que estão lá, para a reconstrução do país”, acrescenta outro operário. O envio de remessas do exterior desempenha um papel importante no desenvolvimento da nação caribenha, correspondendo a mais de 20% do seu Produto Interno Bruto (PIB), segundo agências internacionais de desenvolvimento.

Nem todas as histórias, no entanto, são bem-sucedidas no canteiro do estádio, embora os operários haitianos não façam comentários sobre o trabalho. Paralisações registradas nas obras, devido principalmente a atrasos nos salários dos operários, já exigiram acordos para a regularização da situação. Houve uma reclamação geral e coletiva, que também contou com cidadãos do país caribenho em suas fileiras, segundo representantes do setor. O problema se deveu em parte a dificuldades dos responsáveis na obtenção de financiamentos.

Há quatro anos, um terremoto provocou a morte de pelo menos 220 mil pessoas no Haiti, deixando ainda 1,5 milhão de deslocados. O forte sismo, de sete graus na escala Richter, foi registrado próximo à capital Porto Príncipe, seguido de duas réplicas. Além de destruir hospitais, escolas, postos da ONU e a sede do Governo nacional, a tragédia provocou epidemias de cólera, aprofundando uma crise humanitária no país que é considerado o mais pobre das Américas. O Brasil registrou 21 vítimas fatais em decorrência do sismo.

As obras na Arena da Baixada, que são as mais atrasadas entre os cinco estádios que faltam ser concluídos para o Mundial, demandam um novo planejamento de trabalho no canteiro. A FIFA e autoridades públicas brasileiras já afirmaram que caso o ritmo do fim do ano passado fosse mantido, o estádio não ficaria pronto a tempo. Por isso, novos turnos ou contratações serão indispensáveis para que Curitiba seja confirmada neste mês como palco do torneio, o que talvez possa representar mais oportunidades de trabalho para os haitianos regularizados na cidade.

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