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Discurso sobre o estado da União

Obama em busca da credibilidade perdida

Com seu discurso do Estado da União, o presidente tenta retomar a iniciativa para não se tornar irrelevante antes da hora

Antonio Caño
Barack Obama durante o discurso do Estado da União.
Barack Obama durante o discurso do Estado da União.Larry Downing (Bloomberg)

Em um momento crítico da sua gestão, quando põe em jogo sua relevância como presidente e sua influência dentro do seu partido, Barack Obama apresentou no discurso do Estado da União novas ideias e novos métodos com os quais tentará recuperar a credibilidade perdida. Hoje mesmo ele respaldou suas palavras com uma viagem na qual insiste em que está disposto a atuar por decreto para restabelecer a igualdade de oportunidades e uma maior justiça distributiva.

Seu pronunciamento na terça-feira à noite, diante do plenário de ambas as Casas do Congresso e de representantes de todos os poderes da nação – a tradicional demonstração anual de unidade e vigor do sistema político dos Estados Unidos –, foi convincente e brilhante, talvez o melhor dos cinco discursos do Estado da União que Obama proferiu até agora. Mas a firmeza de suas promessas não corresponde à sua capacidade atual de cumpri-las, e o presidente corre um grande risco de que suas palavras sejam, de novo, levadas pelo vento.

“Estou disposto a trabalhar com todos vocês”, disse o presidente aos congressistas, “mas os Estados Unidos não estão parados, nem eu ficarei. Assim, onde e quando eu puder dar passos sem legislação para ampliar oportunidades a mais famílias norte-americanas, é isso que eu farei”.

As palavras de Obama refletem sua compreensível frustração com o comportamento da oposição no Congresso, que tem barrado durante esses últimos cinco anos muitas das iniciativas da Casa Branca

Um dos passos que ele dará sem legislação é o de aumentar o salário mínimo para os empregados do Governo federal. Pouco mais se sabe do que ele fará – algumas sugestões vagas sobre a proteção do meio ambiente ou a reforma educativa –, e pouco mais ele pode fazer.

As palavras da Obama refletem a sua compreensível frustração com o comportamento da oposição no Congresso, que nestes últimos cinco anos entorpeceu muitas das principais iniciativas da Casa Branca, do fechamento de Guantánamo à reforma migratória, e buscam satisfazer a ansiedade de seus seguidores, que constantemente lhe pedem mais arrojo.

Entretanto, além desse desabafo emocional, na verdade há pouco que se possa esperar que Obama faça sem o respaldo do Congresso, especialmente no que tange à política nacional, onde suas mãos estão constitucionalmente muito atadas. A própria decisão de aumentar o salário mínimo terá de ser limitada aos funcionários federais, porque para estendê-la a todos os trabalhadores seria necessária uma lei que os republicanos rejeitam.

Os republicanos se negam também a aprovar na Câmara dos Deputados a legalização dos imigrantes indocumentados, que já passou no Senado, e paralisaram outras propostas da Casa Branca para o desenvolvimento de energias alternativas ou alguns aumentos de impostos para os ricos, em busca de um maior equilíbrio fiscal.

O respaldo a Obama não chega a 40%, com menos de 30% da população otimista sobre o rumo do país

Esse obstrucionismo, que não chegou a impedir a reforma da saúde, embora tenha atrapalhado sua entrada em vigor, em termos gerais ofuscou o mandato de Obama, ameaçando agora tornar irrelevantes os três anos que ainda lhe restam. O presidente pode antever poucas concessões neste tempo – a menos que os republicanos sofram uma derrota estrepitosa, mas improvável, nas eleições legislativas do próximo novembro –, e poucos movimentos políticos podem ser esperados.

Não se pode descartar que a oposição acabe pagando um preço nas urnas por sua atitude de hoje. Mas o que é certeza é que Obama já está sofrendo uma forte perda de credibilidade por causa dessa situação. Se as coisas não avançarem, o responsável máximo aos olhos dos cidadãos é o presidente, que foi incapaz de encontrar os mecanismos para fazê-las avançar.

A aprovação a Obama já está quase caindo abaixo de 40%, e menos de 30% da população se diz otimista sobre os rumos do país. Embora ainda não se possa dizer que seu nome começou a ser tóxico, é chamativa a falta de interesse de muitos candidatos democratas em contar com a presença do presidente em suas campanhas eleitorais.

Este que o presidente descreveu no discurso da terça-feira como “um ano de ação” pode ser também sua última oportunidade de fortalecer seu legado. Restam poucos meses para que Obama consiga levar adiante projetos relevantes. Depois das eleições legislativas, ambos os partidos se concentrarão em extrair as lições adequadas com vistas ao pleito presidencial de 2016. Dentro da precipitação diabólica com a qual se vivem os ciclos políticos na atualidade, Obama poderia se tornar um “pato manco” já no final de 2014, dois anos antes de a sua presidência terminar. Nos meios de comunicação, a imagem de Hillary Clinton já vende mais.

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