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As críticas de Gates reforçam as dúvidas sobre a política externa de Obama

O ex-secretário de Defesa acusa a Casa Branca de colocar seus interesses políticos à frente dos nacionais

Antonio Caño
O ex-secretário de Defesa Robert Gates ao lado do presidente Obama, em junho de 2011.
O ex-secretário de Defesa Robert Gates ao lado do presidente Obama, em junho de 2011.REUTERS

Contestado pelo desconcerto de sua política no Oriente Médio e pela debilidade da sua liderança internacional, Barack Obama foi agora posto contra a parede foi um de seus mais próximos colaboradores no passado, o ex-secretário de Defesa Robert Gates, que criticou abertamente a forma como o presidente lidou com a guerra do Afeganistão e a tendência constante da Casa Branca de colocar seus interesses políticos à frente das necessidades nacionais.

Em um livro de memórias recém-publicado, Gates afirma que Obama “nunca confiou em seus chefes militares” no Afeganistão, “nunca acreditou em sua própria estratégia, nem considerou que essa guerra fosse sua”. Assegura que “sua única preocupação era sair”.

Essa denúncia é parte de uma análise em que o ex-secretário de Defesa descreve uma Administração interessada unicamente em buscar benefícios políticos para o presidente, voltada obsessivamente para a condução direta dos mínimos detalhes e desconfiada das cúpulas militares e de todos os que não fizessem parte do círculo íntimo. Especialmente duro é o julgamento que cabe ao vice-presidente Joe Biden, acusado por Gates de ter se equivocado “em quase todas as decisões de política externa e de segurança que tomou nas últimas quatro décadas”.

As declarações de Gates tiveram um grande impacto pelo fato incomum de um chefe do Pentágono criticar o comandante-em-chefe das Forças Armadas, e por sua fama de homem independente e respeitado. Foram essas qualidades que Obama levou em conta quando o incluiu em sua primeira equipe de Governo, no mesmo cargo que tinha ocupado com George W. Bush, cuja política externa Gates também havia criticado.

Mas, apesar de toda a credibilidade da fonte, as opiniões de Gates não teriam alcançado tal dimensão se não chegassem em um momento no qual parecem corresponder à realidade dos fatos. A publicação de autobiografias críticas costuma ser um preço a pagar por fazer política nos EUA, onde é sabido que muitos dos que hoje participam de discussões secretas de alto nível revelarão todos os detalhes em um livro quando abandonarem seus cargos no Governo.

Essas são as regras da política norte-americana, e todos se submetem a elas com mais ou menos restrições. O dano maior que as memórias de Gates representam para Obama é que o ex-secretário de Defesa se manifesta num momento em que provavelmente muitos outros em Washington compartilham da sua opinião.

É possível inclusive que, se a popularidade de Obama fosse de 60% e seu reconhecimento como líder internacional estivesse universalmente assegurado, o conteúdo e o tom das memórias de Gates tivesse sido diferente. Gates, por exemplo, só tem palavras de elogio e admiração para Hillary Clinton, uma figura em alta, tida como a próxima candidata à presidência.

Mas o certo é que a autobiografia de Gates sai quando a popularidade do presidente mal se sustenta acima de 40% e uma série de reveses no Oriente Próximo veio a demonstrar a grave perda de influência dos EUA nessa região vital para sua segurança.

Obama não é diretamente responsável pelo caos no Egito, pela trágica evolução da guerra civil na Síria, pelo reaparecimento da Al Qaeda no Iraque, pelo conflito no Sudão do Sul nem pela retomada da violência no Líbano. Mas fica uma enorme dúvida de se não ele poderia ter feito muito mais, ou pelo menos algo diferente, em todos esses casos. No que diz respeito ao Afeganistão, onde se centram as críticas de Gates, a esta altura parece pouco discutível que Obama, com efeito, perdeu qualquer esperança de deixar um país amigo e estável quando as tropas norte-americanas se retirarem, no final deste ano.

A Administração norte-americana, enquanto isso, continua obsessivamente implicada no reatamento do diálogo entre palestinos e israelenses, sem grandes perspectivas de que isso se encaminhe para um final positivo. E, sobretudo, fez a grande aposta das negociações com o Irã para tentar controlar seu programa nuclear e transformar esse velho inimigo em um país com o qual tratar e colaborar.

Inclusive este último objetivo, que se prosperar poderia compensar outros equívocos, tem o inconveniente de ter desatado a ira da Arábia Saudita e, consequentemente, modificado bruscamente o equilíbrio no Oriente Próximo.

Gates reconhece alguns méritos de Obama, como sua valentia na decisão de atacar o imóvel onde se encontrava Osama bin Laden, mas com estas memórias o reputado político republicano emitiu uma sentença adversa sobre a política externa do presidente, a qual, por enquanto, está sendo acolhida como justa e imparcial.

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