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O coletivo de presos do ETA reconhece o dano causado e aceita a lei

Decisão do grupo, chamado EPPK, abre caminho para que os detentos possam ganhar a liberdade e voltar para suas casas

Luis R. Aizpeolea

O coletivo dos presos do ETA, organização que representa os mais de 500 detentos do grupo terrorista e que apresenta forte resistência ao fim da luta armada, admitiu neste sábado a legalidade penitenciária, anunciou sua disposição para a reinserção individual dos presos e rejeitou a violência e o “sofrimento e dano multilateral gerado” no conflito, em um comunicado por vídeo enviado ao jornal Berria. Com a aceitação da legalidade penitenciária, da reinserção individual, da rejeição à violência e do reconhecimento do dano causado, o ETA dá um passo importante em seu processo de dissolução, dois anos depois do anúncio de que se afastaria definitivamente do terrorismo, e apenas dois meses depois da anulação da aplicação retroativa da doutrina Parot, o que levou à libertação de 10% dos "etarras" (integrantes do grupo) presos.

O comunicado do coletivo EPPK, infestado em sua primeira parte com a retórica habitual do ETA, atende à solicitação feita há sete meses pelo Fórum Social (a organização pacifista basca Lokarri e várias organizações internacionais de resolução de conflitos) para que aceitasse a legalidade penitenciária, desbloqueando assim a libertação dos detentos, já que o Governo de Mariano Rajoy não estava disposto a dar nenhum passo – nem a transferência dos presos para prisões mais próximas do País Basco, nem melhoras no grau penitenciário – enquanto o ETA não aceitasse a legalidade dessas penas nem avançasse na sua autodissolução.

Depois do Fórum Social, em junho e julho passados, o advogado Iñigo Iruin e o dirigente da esquerda nacionalista basca Fernando Barrena também propuseram ao EPPK que assumisse a legalidade das penas. Assim, do mesmo modo que a esquerda nacionalista basca obteve sua legalização ao rejeitar o terrorismo, os presos do ETA poderiam obter benefícios penitenciários e sair antecipadamente da prisão ao assumirem que suas penas são legítimas.

O comunicado do EPPK, divulgado neste sábado, responde às pautas definidas pelo Fórum Social e pela esquerda basca. Em seu terceiro ponto ele reconhece o dano causado às vítimas do terrorismo. “Reconhecemos com toda sinceridade o sofrimento e dano multilateral gerado”, diz o grupo. No quarto ponto é assumida a rejeição ao terrorismo: “Na sequência, aceitamos o novo cenário depois do afastamento definitivo” da violência. E “rechaçamos o emprego do método utilizado no passado”.

No sexto e sétimo ponto os presos aceitam a legalidade das penas e a reinserção individual de seus presos. “Podemos aceitar [...] que se efetuem utilizando os canais legais, mesmo que isso implicitamente acarrete para nós a aceitação de nossa condenação. Concordamos que tanto a lei quanto a sua aplicação cumprem uma função essencial para o futuro, já que precisam ser utilizadas para fortalecer os passos que for necessário dar”. E acrescenta: “Estamos dispostos a estudar e tratar a possibilidade de que o processo que culmine com nossa volta para casa se efetue de maneira escalonada, mediante compromissos individuais e em um tempo prudencial”.

Com a rejeição à violência, o reconhecimento do dano causado e a aceitação da legalidade penitenciária e da reinserção individual de seus presos, o coletivo do ETA assume os requisitos exigidos pela chamada Via Nancares, sem citá-la, para que os detentos tenham acesso aos benefícios penitenciários. Essa via, da qual já se beneficiaram várias dezenas de presos, foi adotada pelo Governo de Rodríguez Zapatero depois do fracasso do processo de diálogo de 2006. Fontes próximas a Zapatero avaliavam neste sábado como “muito significativo” o passo dado pelo coletivo de presos do ETA, acrescentando que ele “ressalta o cesse definitivo do ETA, anunciado em 20 de outubro de 2011”, um mês antes das eleições gerais.

Para chegar a esse ponto, o EPPK precisou digerir o fato de que o Governo Rajoy não estava disposto a negociar uma solução com o grupo terrorista, e que não haveria um acordo de paz envolvendo os presos. Também estava consciente do forte rechaço da opinião pública à libertação dos 60 presos etarras beneficiados pela anulação da aplicação retroativa da doutrina Parot, 10% do coletivo, e de que, ao mesmo tempo, isso só foi possível graças à aplicação da lei.

De fato, no começo do ano passado o coletivo dos presos do ETA promoveu um debate sobre a possibilidade de aceitar a legalidade das penas e a reinserção individual dos detentos, mas acabou preponderando a exigência de uma anistia, o que tornou o debate irrelevante. Um ano e meio depois, o realismo afinal se impôs, inclusive no setor mais duro do ETA – os seus presos –, enterrando assim a ilusória reivindicação de anistia.

Os partidos se manifestaram no sábado com prudência após conhecerem a decisão do EPPK. Já neste domingo, o Governo vasco se pronunciou por meio de seu porta-voz Josu Erkoreka, afirmando apreciar o fato de o grupo ter assumido a legalidade penitenciária, a reinserção individualizada e o dano causado, "embora este último teve um reconhecimento muito limitado e parcial", segundo disse Erkoreka, em Bilbau.

A partir daí, o Governo vasco considera imprescindível que os presos transformem suas palavras em ações "com atuações concretas que demonstrem a credibilidade de seu compromisso". Dessa forma, esse reconhecimento deve se converter "no primeiro de uma série de passos unilaterais" que o ETA terá que dar, incluindo o desarmamento e sua própria dissolução. "Isso não pode ficar em uma declaração isolada", disse Erkorka.

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