Paraguai volta atrás e aprova a entrada da Venezuela no Mercosul
A decisão do Parlamento paraguaio normaliza as relações de seu país com o bloco comercial sul-americano
Com sete anos de atraso, o Parlamento paraguaio aprovou nesta quarta-feira a adesão da Venezuela ao Mercosul. Um ano depois de o Senado de Assunção tê-la rejeitado. Dessa forma, se normalizam as relações dentro do bloco sul-americano, uma vez que até agora a Venezuela havia entrado com o apoio apenas da Argentina, do Brasil e do Uruguai.
A história é assim. Em 2006, os então chefes de Estado dos quatro países que fundaram o Mercosul em 1991, o argentino Néstor Kirchner, o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, o paraguaio Nicanor Duarte (do conservador e hegemônico Partido Colorado) e o uruguaio Tabaré Vázquez, se puderam de acordo para a entrada da Venezuela de Hugo Chávez no maior bloco latino-americano, maior que a posteriormente criada Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Chile e Peru) em população e Produto Interno Bruto (PIB). A partir de então os parlamentos argentino, brasileiro e uruguaio cumpriram com os trâmites necessários para a ratificação das decisões presidenciais, mas o paraguaio não. Em seus quatro anos como presidente do Paraguai (2008-2012), o ex-bispo socialista Fernando Lugo enfrentou a resistência do Senado para aprovar a entrada porque os colorados, que dominavam a Câmara, criticavam supostas falhas democráticas da Venezuela chavista.
Quando em junho de 2012 colorados e liberais, antigos aliados de Lugo, se puseram de acordo para destituir em um julgamento sumaríssimo o então presidente por suposto mal desempenho de suas funções, os outros três países membros do Mercosul consideraram que o Paraguai havia violado a cláusula democrática do bloco e suspenderam seus direitos políticos, embora não os econômicos. Ou seja, o país deixou de participar das reuniões e, portanto, das decisões. Além disso, os presidentes da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, do Brasil, Dilma Rousseff, e do Uruguai, José Mujica, aproveitaram a ausência paraguaia para formalizar a entrada da Venezuela no Mercosul. Então o Senado de Assunção rejeitou a suspensão de seu país na união aduaneira e a decisão de seus sócios de incorporar o território então governado por Chávez. A Câmara dos Deputados do Paraguai, por sua vez, declarou persona non grata o então ministro das Relações Exteriores e atual presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, o qual acusava de ter viajado a Assunção em pleno julgamento político de Lugo para supostamente interpelar a cúpula militar paraguaia em defesa do chefe de Estado que no fim foi deposto.
No início, as longas negociações por um acordo de associação entre o Mercosul e a União Europeia, que começaram em 1999, ficaram paralisadas outra vez pelo conflito com o Paraguai. Entretanto, este ano foram retomadas e, apesar da ausência paraguaia nas conversações, está previsto que no início de 2014 haja uma troca de propostas para a liberalização comercial. A aprovação do Parlamento paraguaio à entrada da Venezuela permitirá que os diplomatas de Assunção também participem das negociações e não sejam apenas representados por seus colegas argentinos, brasileiros, uruguaios e venezuelanos.
O caminho do retorno do Paraguai ao Mercosul começou quando, em abril passado, houve eleições presidenciais. Ganhou então o colorado Horacio Cartes. Antes de assumir a chefia do Estado, ele escreveu a Kirchner, Rousseff e Mujica dizendo que "a mera passagem do tempo ou decisões políticas posteriores não restabelecem, por si, o império do direito" no bloco. Em agosto, assumiu o cargo e automaticamente o Mercosul levantou as sanções políticas ao Paraguai. Entretanto, Cartes se negou em princípio a participar das reuniões do bloco. Dizia que o Mercosul deveria lhe oferecer uma solução jurídica que mantivesse a "soberania" e a "dignidade" de seu país.
Com o passar do tempo, o governo de Cartes mudou de ideia. Em outubro passado restabeleceu relações diplomáticas com o governo de Maduro e, duas semanas depois, aprovou o protocolo de adesão do país caribenho ao bloco. Na semana passada, o Senado aprovou a entrada e nessa quarta-feira a Câmara dos Deputados também o fez, com 48 votos a favor, a maioria colorada, mas também com o apoio da Frente Guasú de Lugo, ante apenas um voto contrário, de uma independente, e com 31 legisladores, sobretudo do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), que se retiraram do plenário para mostrar sua rejeição à mudança de postura de Cartes.
"Podemos permanecer no limbo, estar (no Mercosul) mas não estar", disse na sessão o deputado colorado José María Ibáñez. "Fomos surpreendidos de maneira ilegal, injusta e ilegítima. A causa paraguaia ganhou espaço e prestígio em todo o mundo. Hoje estamos em um novo cenário, uma nova conjuntura e situação. Qualquer processo de integração regional tem uma tendência inexorável que não se pode evitar", disse Ibáñez, que reconheceu que a união alfandegária representou experiências "formidáveis" para o seu país, assim como "frustrações", mas que lhe serve para atrair investimentos. "O Paraguai dará o selo da legalidade ao Mercosul, aprovando finalmente a entrada da Venezuela no bloco, que não está funcionando plenamente e por isso não pode avançar nas negociações com a União Europeia", especulou Ibánez. Seu colega liberal Amado Florentín disse que o Paraguai "fica sem ressarcimento, cede e retrocede em sua dignidade" pela ratificação da entrada da Venezuela. A única que votou contra, Olga Ferreira, perguntou onde estavam as desculpas de Maduro e disse que Cartes se ajoelhou. O senador Hugo Richer, da Frente Guasú, declarou à agência EFE que a aprovação do Congresso foi uma "mera formalidade porque a Venezuela já estava dentro do Mercosul".
Os deputados também revogaram nesta quarta-feira as declarações de persona non grata contra Maduro, que não havia sido votada no Senado, razão pela qual tampouco tinha de se retratar por ela. Dessa forma, foram normalizadas definitivamente as relações do Paraguai com a Venezuela e com o Mercosul. Cartes viajará no próximo dia 17 de janeiro a Caracas para participar da cúpula do bloco. Além disso, seus negociadores se integrarão ao diálogo com a UE, que na semana passada atrasou de forma unilateral e por um mês, até janeiro, a data prevista para a troca de propostas. "Se queremos participar (do acordo com a UE), tínhamos que tomar essa decisão (a ratificação parlamentar), disse o ministro das Relações Exteriores paraguaio, Eladio Loizaga.
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