_
_
_
_
_

O México abre o petróleo ao investimento privado e estrangeiro

O PRI e a direita aprovam no Senado a reforma energética de Enrique Peña Nieto A esquerda os qualifica de “traidores da pátria” A lei deve ser ratificada pelos deputados

Luis Pablo Beauregard
Senadores da esquerda mexicana na contramão da reforma energética.
Senadores da esquerda mexicana na contramão da reforma energética.EFE

O México virou a página de 75 anos de nacionalismo na indústria energética. O senado mexicano aprovou esta madrugada, no global, em uma maratônica sessão que durou mais de 12 horas, a abertura da indústria dos hidrocarbonetos ao investimento de empresas privadas nacionais e estrangeiras. O Partido Revolucionário Institucional (PRI, o partido do governo) junto com o Partido Verde, aliados com a direita, o Partido Ação Nacional (PAN), puseram fim, com 95 votos a favor e 28 contra, à política energética que Lázaro Cardenas inaugurou em 1938 com a expropriação petroleira.

A sessão teve alguns momentos de tensão pelos protestos da esquerda, que inclusive tomou a tribuna ao queixar-se de ser marginalizada da discussão. Os legisladores do Partido da Revolução Democrática (PRD) e do Trabalho (PT) acusaram a iniciativa de ser uma “privatização” da indústria e chamaram de “traidores da pátria” àqueles que aprovaram a chamada reforma energética, a última de grande porte a que se propôs o presidente Enrique Peña Nieto em seu primeiro ano de governo.

A reforma modifica três artigos da Constituição, o que foi uma clara afronta à esquerda, que deixou claro desde o início das negociações, no seio dos acordos do Pacto pelo México, em setembro de 2012, que não apoiaria leis que mexessem nos textos da carta magna que se referem à propriedade e exploração dos recursos energéticos. Com a modificação, se permite a entrada das empresas de capital privado na indústria energética mexicana mediante contratos de serviços, de utilidade e produção compartilhada, assim como de licenças. O Estado, através de uma Comissão Nacional de Hidrocarbonetos, será o encarregado de outorgar os contratos às companhias para exploração e extração. A iniciativa aprovada à meia-noite da terça-feira é muito mais ambiciosa do que a que foi apresentada pelo presidente Peña Nieto em agosto passado, que só contemplava os contratos de partilha dos lucros. Foi a direita que buscou um modelo mais aberto para o investimento privado e o PRI aderiu à proposta.

A reforma não rompe com um dos alicerces da reforma cardenista, promulgada no final dos anos 30 do século passado. O petróleo continuará sendo propriedade da nação. Os senadores de esquerda, entretanto, garantem que isso é um engano. “A licença de contrato é a mesma coisa que concessão. Cede-se a propriedade sobre o petróleo”, disse na noite desta terça-feira o senador Luis Sánchez Jiménez. Os senadores do partido do governo asseguram que as concessões não poderão se celebrar na exploração de petróleo, gás, minerais radioativos nem no sistema de distribuição elétrica do país. As empresas estrangeiras, entretanto, poderão incluir nos seus relatórios contábeis os lucros esperados por explorar e extrair hidrocarbonetos das jazidas.

Durante mais de oito horas, os senadores governistas subiram à tribuna para explicar a queda da produção de petróleo do país nos últimos anos e porque a indústria requer uma intervenção maior. “O estado do Texas produz mais barris de petróleo que nós”, disse Humberto Mayans, do PRI. Os senadores da esquerda, em contrapartida, defendiam a Petróleos Mexicanos (Pemex) como uma empresa próspera, a 14ª a nível mundial, cujo faturamento, em 2012, representou 11% do PIB mexicano. Eles solicitaram, em mais de uma ocasião, que se fizesse um referendo em todo o país para consultar a população sobre a abertura do setor. E criticaram que a reforma não combata a corrupção que se apresenta na empresa. Dois senadores da direita votaram contra a iniciativa, opondo-se ao voto majoritário de sua bancada. Javier Corral, um deles, destacou que “essa reforma necessária só deveria ser aprovada se fosse combatida a corrupção na indústria. Nada propõe erradicá-la. O que se vislumbra não é nada promissor”.

A reforma estabelece uma margem de dois anos para que as empresas públicas descentralizadas – Pemex e Comissão Federal de Eletricidade (CFE) – se convertam em “empresas produtivas do Estado”, um termo ambíguo que as conclama a serem mais competitivas e adotar as melhores “práticas a nível internacional”. O novo esquema desenhado na reforma outorga a Pemex a prioridade no momento de escolher jazidas, com a autorização da Comissão Nacional de Hidrocarbonetos. Dessa maneira, se garante que continue sendo competitiva frente a outras empresas que poderiam começar a trabalhar com maior capacidade e melhor tecnologia.

Um dos requisitos da direita para apoiar a reforma do governo foi a retirada do poderoso sindicato do petróleo do Conselho de Administração da Pemex, do qual participa há mais de 70 anos, ocupando cindo dos 15 assentos que o constituem. Em contrapartida, impulsionado também pelo PAN, comprovou-se a fama de pragmático de Peña Nieto, que apoiou o golpe ao sindicato que representou um bastião do partido tricolor, a ponto de ter enfrentado acusações criminais por milionários desvios de recursos para o PRI em campanhas eleitorais.

A lei aprovada cria também o Fundo Mexicano do Petróleo para a Estabilização e o Desenvolvimento, uma grande bolsa que se encarregará de gerir os lucros da Pemex. O dinheiro será destinado a pagar o gasto corrente, o orçamento de despesas, a financiar projetos de ciência e tecnologia e a cobrir a pensão universal prometida pelo ministro da Fazenda este ano.

A esquerda fez reservas à totalidade da reforma, propondo modificações em cada parágrafo que compõem o texto que, no global, foi aprovado. A sessão durou cerca de 12 horas e não acabou. Ainda existe uma lista suficiente de oradores para que transcorram outras 12 horas da histórica sessão. Quando esta se encerre, o parecer deverá passar para a Câmara dos Deputados, onde o PRI e o PAN, que têm maioria, se puseram de acordo para aprová-la sem passar por comissões, evitando assim que seja congelada. Depois, 17 dos 32 congressos estaduais deverão ratificá-la por se tratar de uma mudança constitucional.

Os trabalhos do senado ocorreram em meio a estritas medidas de segurança. A sede da chamada Câmara Alta, no centro da capital mexicana, foi protegida desde a semana passada por um forte cordão policial. Os simpatizantes do ex-candidato Andrés Manuel López Obrador montaram desde quarta-feira passada um cerco para tentar evitar a votação do projeto de lei. O líder da esquerda não pode estar nos protestos porque sofreu um infarto há oito dias. Embora seus seguidores tenham aparecido nos arredores do recinto do senado, nunca em um número que excedesse muito o milhar, o protesto não conseguiu nada além de obrigar os senadores a pernoitar em hotéis adjacentes à sede. Agora a Câmara dos Deputados se prepara para receber tanto o projeto de lei como os protestos.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_