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Revisão de fatos históricos é caminho para resgatar a cidadania

As razões da morte do ex-presidente João Goulart, deposto em 1964 pelos militares, também estão sendo investigadas. Ele foi enterrado, por segunda vez, na semana passada, com honras de chefe de Estado

Carla Jiménez
Cortejo dos restos mortais de Jango, no dia 6 de dezembro
Cortejo dos restos mortais de Jango, no dia 6 de dezembroInstituto JGoulart

Ao mesmo tempo em que uma Comissão da Verdade admite a possibilidade de que o acidente do ex-presidente Juscelino Kubitcheck tenha sido proposital, os restos mortais de outro ex-presidente, João Goulart, que governou o país entre 1961 e 1964, foram enterrados, por segunda vez, no último dia 6, em sua cidade natal, São Borja, mas desta vez com honras de chefe de Estado.

Jango, como era conhecido Goulart, foi deposto pelo golpe militar de 1964, e conseguiu fugir para o Uruguai, onde se exilou, e depois seguiu para a Argentina. Morreu de infarto, segundo informações oficiais, no dia 6 de dezembro de 1976, no município de Mercedes, quase quatro meses depois do acidente fatal de JK. A coincidência não reside somente no ano da morte dos dois ex-presidentes. Ambos integravam a Frente Ampla, um movimento que articulava a restauração da democracia no Brasil.

Há suspeitas de que Jango tenha sido envenenado, numa ação da Operação Condor, articulação internacional de militares que tomaram o poder nos anos 1970 no Chile, na Argentina, no Uruguai, na Bolívia e no Brasil, com o apoio dos Estados Unidos. O corpo de Jango foi exumado em novembro, por orientação da Comissão Nacional da Verdade, para investigar se a sua morte foi realmente consequência de um ataque cardíaco, ou se foi envenenado. “É um fato muito importante para a memória histórica, para que se tome conhecimento sobre os resultados desastrosos de um golpe militar”, diz o sociólogo Roberto Romano.

Para a historiadora Aurea Curti de Mello, tanto a revisão do papel de Jango, como a retomada das investigações sobre a morte de JK, são fundamentais para que as novas gerações tenham mais de um ponto de vista sobre a sociedade brasileira. “Houve 30 anos de silêncio sobre diversas passagens da história brasileira e agora o Estado começa a trabalhar para levantar os fatos verdadeiros, o que representa um ganho para a cidadania”, afirma Mello. “Quem vibra hoje com a prisão dos mensaleiros, como José Genoino (ex-presidente do PT, que lutou contra a ditadura), talvez não perceba que diversas mentiras lhe foram contadas na escola e contribuíram para sua formação”, completa.

O Brasil é um dos últimos países a reverem seus crimes cometidos durante a ditadura, diferentemente da Argentina ou do Chile, que montaram suas comissões da verdade logo no início do processo de redemocratização pós ditadura, o que levou muitos algozes para a prisão nesses países.

Civil e Militar

A Comissão Nacional da Verdade, instituída com apoio da Presidência da República, em 2012, vem trabalhando para rever ao menos um ponto sobre a ditadura brasileira. Ela não foi meramente militar, mas também civil, ou seja, teve apoio das elites, tanto moral como financeiro. “É muito importante que se saiba que foi uma ditadura não só militar, e que contou com a cumplicidade plena, da elite da época. Em muitos casos, os militares serviram de instrumento para essa elite”, avalia Romano.

O sociólogo, entretanto, lamenta que não tenha havido mais prudência por parte da Comissão da Verdade Vladimir Herzog, da Câmara Municipal de São Paulo, ou seja, em tese, restrita à cidade. “Faltou trabalhar dentro da hierarquia das comissões, pois estamos falando da revisão da morte de um chefe de Estado do país, e não de um prefeito da cidade”. Desde a instauração da Comissão Nacional da Verdade, outras comissões foram criadas para levantar documentos que venham a enriquecer a apuração dos fatos relativos ao período militar. Inúmeros depoimentos foram colhidos, principalmente das vítimas de tortura durante a ditadura.

As conclusões definitivas, entretanto, ainda não são conhecidas, o que levou parentes das vítimas da ditadura a reclamarem abertamente sobre a morosidade dos trabalhos. A posição da comissão municipal foi vista, por alguns observadores, como uma manobra para que a CNV comece a se posicionar.

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