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Os protestos salariais dos policiais se estendem a várias províncias da Argentina

O Governo de Cristina Kirchner permanece em alerta perante possíveis saques após as greves dos agentes

Francisco Peregil
Policiais em greve entram no edifício do governo em Catamarca (noroeste da Argentina).
Policiais em greve entram no edifício do governo em Catamarca (noroeste da Argentina).REUTERS

Argentina viveu na madrugada da sexta-feira para sábado momentos de tensão em cinco das suas 23 províncias. A “greve branca” organizada por cerca de 2.000 policiais do município de Córdoba entre terça e quarta-feira desta semana – quando eles se recolheram aos seus quartéis e deixaram de prestar serviços mínimos – contagiou outras zonas do país. Em Córdoba ocorreram centenas de saques em pequenos comércios e grandes lojas. Uma pessoa morreu, mais de 100 ficaram feridas, e mais de 50 foram detidas.

O governador José Manuel de la Sota – peronista, embora de oposição ao Governo da Cristina Kirchner – denunciou que a Casa Rosada não enviou reforços policiais. Diante da conjuntura de uma cidade sem lei, na quarta-feira de manhã o governador cedeu à chantagem e elevou os salários dos policiais, sem punir nenhum grevista. Dois dias depois dos protestos, a Casa Rosada enviou a Córdoba 2.000 agentes da Guarda Nacional com a missão de restaurar a ordem. Mas o problema já não estava em Córdoba, e sim em outras cinco províncias do país, onde outros policiais também exigiam aumentos salariais.

Na província de San Juan, a greve de policiais provocou saques e a suspensão do transporte público no entardecer da sexta-feira. O Governo provincial pediu a intervenção da Guarda Nacional à Casa Rosada. E, diferentemente do que havia acontecido na madrugada de quarta-feira em Córdoba, desta vez o Governo nacional não hesitou em enviar reforços. No caso de Córdoba, porém, o Governo de Cristina Kirchner reteve a ajuda à província sob o pretexto de que o Governador De la Sota não a havia solicitado pelos canais oficiais competentes.

Na sexta-feira, policiais das províncias da Catamarca, San Juan, Neuquén e Río Negro começaram a também exigir aumentos no seu salário-base. À medida que avançava a madrugada, alguns Governos regionais conseguiram aplacar o conflito cedendo às reivindicações, mas em outros locais as tensões prosseguiam.

Na sexta-feira à tarde, em Catamarca, os agentes chegaram a tomar o saguão da sede do Governo, e depois se concentraram em frente ao palácio governamental. A governadora solicitou à Casa Rosada que enviasse reforços de guardas civis para dissolver o piquete policial. Os guardas tentaram desalojá-los com gás lacrimogêneo, mas vários agentes responderam com suas armas regulamentares, e houve quatro feridos. Mais tarde, durante a madrugada, o Governo provincial e os agentes chegaram a um acordo. Mas os protestos policiais continuavam nas províncias de Neuquén, San Juan, Santa Fé e Rio Negro.

Na província da Santa Fé, governada pelo opositor socialista Antonio Bonfatti, cerca de 300 policiais se manifestaram na sexta-feira exigindo aumento salarial. Às onze da manhã, surgiu na internet a especulação sobre um possível aquartelamento dos policiais, ou seja, outra greve branca. Diante dessa possibilidade, dezenas de comerciantes fecharam seus estabelecimentos no sábado. O governador Bonfatti solicitou à Casa Rosada o envio de guardas civis, e o Chefe de Gabinete da presidência, Jorge Capitanich, autorizou ao envio de 1.500 deles.

Na província de Buenos Aires, a mais povoada do país e onde se encontram as maiores aglomerações de moradias precárias, o Governador kirchnerista Daniel Scioli optou por antecipar o pagamento do abono natalino aos 550.000 funcionários públicos, para evitar perturbações sociais. O secretário de Segurança da província, Alejandro Granados, indicou na sexta-feira que “há grupos nas redes convocando saques de fim de ano”.

A Argentina já viveu uma época terrível de saques na crise de 2001, quando a classe política alcançou seu pior nível de desprestígio social. Essa convulsão social tinha desaparecido até que, em dezembro do ano passado, em pleno furor consumista natalino, ocorreram saques na cidade do Bariloche, os quais se propagaram por vários pontos do país. Naquela ocasião, duas pessoas morreram.

O problema de fundo dos protestos policiais é a alta dos preços. A inflação real na Argentina ronda os 25%. A oficial fica em 10%, mas ninguém acredita nela, nem sequer o Governo. Os acordos salariais costumam ser assinados no primeiro semestre, e os sindicatos geralmente obtêm aumentos acima de 20%. Mas, com a chegada de dezembro, em meio aos habituais gastos das festas e folgas natalinas, os salários vão ficando muito defasados em relação à inflação. Isso explica uma parte dos desordens sociais. Mas só uma parte.

O diretor do jornal cordobês La Voz del Interior, Carlos Jornet, observa que, além da inflação, o país está vivendo uma “degradação moral”. “Há gente que chega com muita dificuldade ao fim de mês, que não acredita nos partidos políticos, que considera que os subsídios não são distribuídos de forma equitativa. E por isso saqueia sem consciência de culpa e com a cara descoberta”, diz Jornet.

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