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O capitão da política argentina

O novo chefe de Gabinete, Jorge Capitanich, chega com a missão de corrigir o rumo da economia e a imagem do Governo

Francisco Peregil
Jorge Capitanich jura o cargo ao lado da presidenta Cristina Kirchner.
Jorge Capitanich jura o cargo ao lado da presidenta Cristina Kirchner.Natacha Pisarenko (AP)

Cristina Fernández de Kirchner nomeou, enfim, um chefe de Gabinete que faz jus ao título do cargo. O superministro Jorge Milton Capitanich conseguiu evitar em uma semana e meia o vazio deixado por uma presidenta argentina que, embora siga firme no comando, reduziu de forma drástica sua presença pública por causa de sua saúde. Desde que se recuperou de sua convalescência, na segunda-feira, 18 de novembro, Cristina Kirchner só foi uma vez à Casa Rosada, e nessa ocasião apenas falou ao vivo ante as câmeras.

Capitanich (pronuncia-se com a última sílaba tônica), por sua vez, aparece toda hora e em todas as partes. Cristina Kirchner deixou ir embora o até então homem mais forte na sombra de seu Governo, o secretário de Estado do Comércio, Guillermo Moreno -o que promoveu as políticas de manipulação dos números de inflação e a restrição de importações- e recebeu com todas as honras o novo ministro da Economia, Axel Kicillof, e o novo chefe de Gabinete. Ambos se conhecem desde a década de noventa, quando Kicillof trabalhava para uma consultoria de Capitanich. Inclusive escreveram um livro de forma conjunta em 1999 sobre federalismo fiscal, no qual defendiam uma maior descentralização na arrecadação de impostos. Kicillof tem 42 anos e Capitanich completou 49 na última quinta-feira. O primeiro se considera de esquerda, enquanto Capitanich conserva sua fama de pragmático. Kicillof tem o apoio do grupo social La Cámpora -leia-se de Máximo Kirchner, filho da presidenta-, e Capitanich do peronismo de toda uma vida. Até o momento, os velhos conhecidos transmitem uma imagem de união.

Capitanich, ou Coqui, como são chamados na Argentina muitos Jorges e como o chefe de gabinete é conhecido no mundo da política, é católico e devoto do papa Francisco. Mas conseguiu que seu catolicismo não lhe tirasse votos nem da esquerda nem da direita. Como governador da província de Chaco (norte), onde exerceu o cargo desde 2007, sempre evitou enfrentar temas como o aborto ou o divórcio rápido.

Após os votos que a oposição conseguiu tirar do governo ao reivindicar mais diálogo e menos soberba, Capitanich vem disposto a cultivar sua fama de homem de consenso. Na última terça-feira aceitou receber na Casa Rosada o prefeito opositor de Buenos Aires, Mauricio Macri, e o governador opositor da província de Santa Fé, o socialista Antonio Bonfatti, em um gesto de mão estendida impróprio deste Governo. Ele anunciou também que irá ao Senado para oferecer seu relatório mensal de gerenciamento ante todos os grupos políticos, algo que quase nunca foi cumprido por seus antecessores.

O lado obscuro

F. PEREGIL, Buenos Aires

O nome do novo chefe de Gabinete da Argentina, Jorge Milton Capitanich, não é alheio às denúncias sobre malversação de dinheiro público. No Natal de 2012 foi com as filhas em férias para o Panamá com o avião oficial da província. Quando saiu a notícia, alegou que aproveitava uma revisão técnica pela qual o avião seria submetido no Panamá.

Livio Gutiérrez, deputado da União Cívica Radical na província de Chaco, também denunciou irregularidades na construção de moradias através da Fundação Mães da Praça de Maio. “Capitanich deu início a um processo por calúnia e tenho ganhado em todas as instâncias”, afirma Gutiérrez.

Livio Gutiérrez é um de seus maiores rivais em Chaco. No entanto, admite que Capitanich "se moveu muito intensamente para conseguir obras públicas" para uma das províncias mais pobres da Argentina. "E gerou emprego -5.000 postos, segundo o próprio Capitanich- para os jovens através de empresas de call center (atendimento ao cliente)", acrescenta Gutiérrez.

Apesar disso, Capitanich sempre havia perdido em sua cidade natal, Presidencia Roque Sáenz Peña, a segunda mais povoada de Chaco, com 77.000 habitantes. Nas eleições primárias de agosto último perdeu no local. Capitanich ameaçou deixar todos os altos cargos do Governo de seu povo se voltasse a perder ali. E em 27 de outubro conseguiu reverter o resultado. Como o conseguiu? “Com muito dinheiro”, assinala Livio Gutiérrez. “Vivemos em uma província com um milhão de eleitores, dos quais 40% dependem de pensões, bolsas e subvenções como a dada a pais que têm filhos menores de 18 anos. Ele tinha muito claro que se ganhasse em Chaco podia sonhar com a Casa Rosada. Nós achávamos que estava brigando conosco. Mas ele já sabia que o kirchnerismo perdia em cinco dos distritos mais importantes da Argentina. E se ganhasse aqui seria o rei do universo."

Prometeu que daria coletiva de imprensa todas as manhãs. E todas as manhãs, às oito, fica de pé em um corredor da Casa Rosada rodeado de microfones e gravadores. Em 12 dias no cargo respondeu mais perguntas de jornalistas do que a presidenta em seis anos. É verdade que o faz com habilidade suficiente para não dizer nunca nada relevante. Mas consegue reunir as fotos e as manchetes da manhã.

Capitanich é o primeiro a chegar à Casa Rosada –às sete da manhã- e o último a sair –com frequência, às onze da noite-. Trabalhou no sábado, no domingo e na segunda-feira passada, que era feriado na Argentina. E no sábado se reuniu na Casa Rosada com os ministros da Economia, da Indústria e do Planejamento. No domingo convocou o ministro da Educação. Não havia nenhuma reforma educativa de imperiosa urgência. Mas se reuniu com o titular da pasta no domingo e difundiu a foto correspondente de ambos no gabinete.

No dia seguinte, quando o ministro da Indústria espanhol, José Manuel Soria, e vários representantes da Repsol, se reuniram na sede da YPF com Kicillof, Capitanich não perdeu a oportunidade de ir à YPF para cumprimentar na hora do almoço os espanhóis. Neste sábado disparou seu primeiro tweet do dia às 8h45. Uma hora depois já percorria os Museus Nacionais de Buenos Aires junto com o secretário da Cultura.

Como bom peronista soube ser menemista com Carlos Menem (1989-1999), duhaldista com Eduardo Duhalde (2002-2003) - quando chegou a ser chefe de Gabinete por quatro meses -, e senador e amigo da senadora Cristina Kirchner com Néstor Kirchner (2003-2007). Algumas das pessoas que o conhecem asseguram que não é cínico, que sempre acreditou no que fazia, fosse no liberalismo de Menem ou no kirchnerismo de Cristina.

Estudou contabilidade e se graduou em vários cursos econômicos de pós-graduação. É apaixonado por futebol e matemática. E até criou várias fórmulas para melhorar o rendimento dos jogadores da seleção argentina. Descendente de imigrantes montenegrinos, casou-se com Sandra Mendoza, a filha de um dirigente peronista de Chaco com a qual teve duas filhas e a qual nomeou secretária de Saúde local. Divorciou-se dela há quatro anos e a tirou do Governo.

Coqui chega à Casa Rosada com o mérito de ter ganhado em 27 de outubro o comando da província de Chaco com quase 60% dos votos, enquanto seus colegas de partido foram derrotados nos cinco principais núcleos eleitorais do país. Chega também de olho nas presidenciais de 2015. Se conseguir –o que é muito- corrigir o rumo da economia seria um grande candidato a suceder Cristina Fernández. Não será fácil em um Governo acossado pela insegurança, por uma inflação em torno de 25% e uma queda nas reservas de dólares de seu Banco Central de 28% em relação ao ano passado. Mas Capitanich tem dois anos pela frente, acaba de receber a faixa de capitão e não para de pedir jogo.

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