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A estrada da morte em Portugal

Carros carbonizados de famílias que tentaram fugir das chamas mostram o drama da sobrevivência

Carros carbonizados na estrada entre Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera.
Carros carbonizados na estrada entre Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera.MIGUEL A. LOPES (EFE)

Ficar em casa vendo como o fogo se aproximava era condenar-se à morte, mas a fuga também não salvou a vida de metade dos 63 mortos confirmados até o momento no incêndio de sábado em Portugal. Talvez tenham tomado a decisão tarde demais, ainda que a direção do vento, que mudava drasticamente na tarde de sábado, nunca tenha jogado a favor. Ao ver como as chamas se aproximavam cada vez mais de suas casas, famílias inteiras decidiram entrar no carro e sair à toda velocidade pela Nacional 236, uma estrada estreita, entre desfiladeiros e curvas cerradas que escondia em suas sinuosidades violentas línguas de fogo. Pelo menos 30 pessoas morreram na estrada. No desespero de encontrar uma saída do inferno, se meteram em cheio em uma ratoeira.

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As autoridades portuguesas encontraram no domingo pelo menos uma dúzia de veículos calcinados e vários motoristas carbonizados entre a estrada de Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera. Os legistas começaram a identificar as primeiras vítimas e encontraram um padrão muito claro: carros carbonizados, presos no asfalto e com famílias em seu interior. Guilherme, um garoto de 4 anos de Pedrógão, é um dos primeiros nomes identificados pela polícia. Estava no carro com seu tio, que se encontrava no banco do motorista. Na mesma estrada também foi encontrado o corpo de Bianca, uma garota também de quatro anos, que fugia com sua avó e sua mãe, essa última ainda com um fio de vida quando foram encontradas e levada ao hospital.

Entre as colinas das vilas de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera, cobertas de eucaliptos e pinheiros, uma das regiões mais apreciadas por excursionistas e fãs de esportes aquáticos, a devastação hoje é total. Dos dois lados da estrada, durante pelo menos 20 quilômetros, uma capa de fumaça branca e espessa permanece suspensa por cima das árvores carbonizadas e um asfalto enegrecido. Em frente a casas abandonadas, um carro carbonizado parece, por seu estado, ter sofrido um acidente. Seu ocupante o abandonou às margens de uma estrada e fugiu como pôde. Mais adiante, o corpo de um homem coberto com um lençol branco jaz rodeado de policiais com máscaras.

A imagem da região é desoladora após o infernal incêndio de sábado. Os bombeiros continuavam combatendo as chamas na tarde de domingo, enquanto a poucas centenas de metros algumas pessoas perambulavam desamparadas e desesperadas em vilas arrasadas.

Alguns carros estavam encaixados em outros, como testemunhas silenciosas do pânico que deve ter ocorrido. Uma aposentada que conseguiu escapar de um dos veículos relata como foi sua fuga às câmeras da rede de televisão RTP: “Todos os carros queimaram de repente, o nosso também. Eu e meu marido já havíamos encomendado nossa alma a Deus. Mas de alguma forma conseguimos abrir a porta e sair correndo através de pinheiros caídos”.

Luis Antes, um bancário de 55 anos, olha a si mesmo e ainda não acredita que seja um dos poucos a conseguir contar o inferno pelo qual passou. Foi visitar seu irmão em Vila Facaia, e lá viram o repentino avanço das chamas. Os dois saíram correndo, cada um em seu carro. “Toda a região foi engolida pelo fogo em apenas dez minutos”, conta, desesperado. “Tentamos ir de um lado ao outro, mas as chamas estavam por todas as partes”, lembra. “Por fim deixei meu carro e entrei no do meu irmão e decidimos tentar a sorte e atravessar a escuridão da fumaça e das chamas”, explica. Os dois irmãos conseguiram avançar “um ou dois quilômetros” através do fogo e, milagrosamente, saíram sãos e salvos.

Nessa mesma estrada também continuavam abalados Luisilda Malheiros e seu marido Eduardo Abreu, um agricultor de 62 anos que ainda não acredita no que acabou de vivenciar. Eles estão vivos, mas não sabem nada de seus vizinhos, que viram fugir de sua vila, Pobrais. Abreu explica que a violência das chamas era algo “incompreensível” e que conseguiram entrar em seu trator e sua van e saíram apavorados. “Nossa casa ainda está ali, mas perdemos tudo, além de nossos animais” explica com lágrimas nos olhos. “Conseguimos salvar duas cabras, mas tínhamos galinhas, coelhos, patos... ainda me lembro dos gritos de todos”, conta, ainda em estado de choque.

“Que tragédia! A casa de minha avó ficou arrasada”, lamenta António Pires no povoado de Vila Facaia, de 580 habitantes. Aos seus 40 anos, esse homem precisava engolir em seco antes de conseguir continuar com a voz trêmula: “Quatro de meus conhecidos e vizinhos morreram de noite. Também morreram dezenas de cachorros, cabras, vacas, coelhos e outros animais”, explicou Pires, completamente desolado.

A poucos quilômetros de distância, logo na entrada de Nodeirinho, um policial impede que os jornalistas se aproximem de um carro carbonizado. Está cercado por um bosque de eucaliptos e pinheiros devorados pelas chamas, e ainda é possível ver uma coluna de fumaça cinza intensa. Existem três corpos nos bancos do carro, entre eles o de um garoto, de acordo com alguns depoimentos tomados no local.

Isabel Ferreira, uma mulher de 62 anos moradora de uma vila próxima, Nodeirinho, não consegue conter as lágrimas sentada com um café em suas mãos. “Conhecia várias das vítimas. Um amigo perdeu sua mãe e sua filha de quatro anos porque ela não conseguiu sair da parte de trás do carro”, explica. “Já havíamos visto incêndios nessa região, mas nenhum com mortos. Não lembramos de nada parecido”, lamenta. Enquanto os moradores tentavam compreender como uma tragédia assim se abateu sobre suas vidas, a polícia afirmou no domingo que a origem do incêndio foi “uma tempestade elétrica seca”. “Encontramos a árvore atingida pelo raio”, disse o diretor da polícia nacional, Almeida Rodrigues.

Essa informação não é suficiente para acalmar os moradores. A indignação se juntou à tristeza. Muitos moradores da região afirmam que durante horas não viram um só bombeiro. “Não tínhamos água e eletricidade e fomos abandonados à nossa sorte”, protestava António Pires. De acordo com o especialista florestal Paulo Fernandes, da Universidade de Trás-os-Montes, a catástrofe poderia ter sido evitada. “Ou pelo menos minimizada, se as estradas fossem bloqueadas a tempo. É preciso utilizar melhor os dados meteorológicos”.

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