Justiça Interamericana monta ‘supercaso’ contra presídios brasileiros
Corte da OEA decide unificar quatro casos de violações de direitos humanos em presídios do país em um só, e cobra explicações
A precária situação do sistema carcerário brasileiro, que no primeiro mês do ano viveu três massacres que deixaram mais de uma centena de mortos, está na mira da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Corte, que faz parte da Organização dos Estados Americanos, tomou uma decisão inédita e juntou quatro casos de violações nos presídios brasileiros em um único supercaso. Os episódios, que já eram alvo de análise do colegiado, dizem respeito aos complexos penitenciários do Curado, em Pernambuco, e Pedrinhas, no Maranhão, ao Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Rio de Janeiro, e à Unidade de Internação Socioeducativa no Espírito Santo - este último para jovens infratores com menos de 18 anos.
O caso de Pedrinhas é o mais famoso dos quatro: o presídio foi palco, entre novembro e dezembro de 2013, de uma série de rebeliões que deixaram 22 presos mortos, muitos deles decapitados. A decisão de unir os quatro casos que tramitam aproximadamente desde 2014 na Corte em um se justifica, segundo o documento assinado pelo presidente do órgão, Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, porque “a distância geográfica entre os estabelecimentos penitenciários cujas condições são objetos de medidas provisórias e seu pertencimento a diferentes regiões do país indicaria que se trata de um fenômeno de maior extensão do que os quatro casos trazidos a esta Corte”. Mais à frente, o texto fala que existe no Brasil um “indício de eventual generalização de um problema estrutural de âmbito nacional do sistema penitenciário”.
Os juízes da Corte afirmam ainda que as condições nos presídios brasileiros “configurariam possíveis penas cruéis, desumanas e degradantes, violadoras da Convenção Americana de Direitos Humanos”, da qual o país é signatário. “É uma decisão inédita da Corte [de juntar os casos], que demonstra que o que acontece no sistema prisional não pode ser considerado uma crise, é uma falência crônica”, afirma Henrique Apolinario, advogado do programa de justiça da ONG Conectas, uma das entidades que levaram o caso de Pedrinhas à Corte.
A Corte intima o Brasil a responder 52 perguntas sobre a situação dentro dos cárceres, que vão desde dados estatísticos sobre mortes dentro das unidades até informações sobre corrupção de agentes penitenciários e proteção aos presos LGBTs. O Governo tem até o dia 31 de março para responder os questionamentos.
Além disso, o documento cobra que o Estado brasileiro adote sete medidas para desafogar o sistema e garantir condições dignas para os detentos. Entre elas estão políticas para “limitar ou reduzir o número de presos em detenção preventiva [que não foram condenados ainda]”. Dados do Departamento Penitenciário Nacional apontam que 40% dos 622.202 detentos brasileiros são provisórios. A Corte também cobra medidas urgentes para “reduzir a superpopulação carcerária”: a taxa de ocupação das vagas no sistema no Brasil é de 167%.
Caso o Governo não dê respostas adequadas aos questionamentos ou não aja para melhorar as condições do sistema, a Corte pode aplicar multas e sanções, além de obrigar o Estado a indenizar os presos destas unidades. Este mês o Supremo Tribunal Federal teve um entendimento semelhante, e determinou que Anderson Nunes da Silva, 41 anos, fosse indenizado em 2.000 reais pelas condições degradantes nas quais cumpriu pena por sete no Mato Grosso do Sul. A decisão abriu um precedente para que milhares de detentos e ex-detentos acionem o Estado na Justiça.
Os juízes que integram o colegiado devem vir ao país nas próximas semanas para visitar os estabelecimentos citados no supercaso e coletar informações para uma audiência com o Governo e as entidades que acionaram a Corte em maio.
No início deste ano o rompimento entre as facções criminosas Primeiro Comando da Capital e Comando Vermelho, originárias de São Paulo e do Rio de Janeiro, respectivamente, levou o caos aos presídios do Norte do país. O primeiro e mais violento episódio ocorreu no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, e deixou ao menos 56 mortos, a maioria deles ligados ao PCC. Foi o segundo maior massacre do sistema prisional desde a chacina do Carandiru, ocorrida em São Paulo em 1992, que deixou um saldo de 111 mortos. A crise no Compaj foi seguida por episódios de violência na penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Roraima, e em Alcaçuz, no Rio Grande do Norte.
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