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Tênis | Aberto da Austrália
Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

‘SuperNadal’ volta a voar

O problema que teve ao longo dos últimos dois anos foi se vestir de branco e continuar sendo Clark Kent

Rafael Nadal, durante a partida em que derrotou Grigor Dimitrov.
Rafael Nadal, durante a partida em que derrotou Grigor Dimitrov.PAUL CROCK (AFP)

“Não há nada a temer, a não ser o próprio medo”. Franklin Delano Roosevelt

Rafa Nadal tem medo dos cachorros. Deve ter os maiores culhões da história, como comentou um bom amigo seu depois de sua vitória na sexta-feira na semifinal do Aberto da Austrália, mas, se um cachorro se aproxima dele, sai correndo.

Durante a maior parte de uma carreira em que Nadal ganhou tudo no tênis, começando pelos quatro Grande Slams, o que sempre chamou a atenção de seus familiares e conhecidos foi a discrepância entre sua vulnerabilidade fora da quadra e sua audácia dentro. O Clark Kent de Maiorca se vestia de branco e se transformava em Superman.

O problema que teve ao longo dos últimos dois anos foi que se vestia de branco e continuava sendo Clark Kent. Hoje SuperNadal, que parecia enterrado, emergiu das cinzas. Nós o vemos não só nas estatísticas das vitórias que o levaram à sonhada final de Melbourne contra Roger Federer, mas também em sua linguagem corporal. Já não rasteja pela quadra, como amargurado, maldizendo seu triste destino. Uma vez mais transmite a sensação de que se sente o macho alfa da manada.

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Teve problemas físicos nos anos horríveis de 2015 e 2016, mas o mais grave foi que perdera a furiosa fé competitiva que sempre havia feito a diferença contra rivais que muitas vezes tinham o mesmo talento natural que ele tem.

O que se passou para que tudo mudasse? Não pode ser um acaso que recentemente, em dezembro, se incorporou à sua equipe técnica seu velho amigo, rival e companheiro de Copa Davis Carlos Moyá. Nunca o tenista tinha recebido presente tão grande de Natal.

John McEnroe, o grande ex-tenista norte-americano e agora grande comentarista de televisão, exclamou, quando Nadal caiu fundo e perdeu contra o desconhecido Dustin Brown em Wimbledon em 2015, que havia chegado a hora de arranjar “um novo maldito treinador”. A ideia era que substituísse seu tio Toni, o que forjou seu espírito de guerreiro desde a infância, por alguém capaz de ajudá-lo a recuperar a faísca perdida.

Nadal nunca teria feito semelhante coisa. A lealdade familiar é mais importante para ele que a vitória no tênis. Demorou tempo demais, mas, no final, deu com a solução salomônica: não despedir Toni, mas pedir a Moyá que trabalhasse com ele.

Moyá o conhece como se fosse seu irmão mais velho. Sabe, por exemplo, que quando Nadal o visita em sua casa a primeira coisa que tem de fazer é trancar seu cachorro em um quarto. Como grande tenista que foi, finalista na Austrália em 1997, Moyá conhece as virtudes e as fraquezas de seu jogo tanto no aspecto técnico como no psicológico.

A nova química que Moyá traz funcionou melhor do que qualquer um poderia ter imaginado. Toni foi quem ensinou o sobrinho desde uma tenra idade a aguentar e nunca se render; Toni foi quem convenceu o sobrinho que podia conseguir a missão impossível em janeiro de 2009 de ganhar de Federer na final de Melbourne 2009. Nadal estava fisicamente destroçado depois de vencer seu compatriota Fernando Verdasco na semifinal, a partida mais longa na história do Aberto da Austrália em um dia em que fez um calor brutal. Um dia e meio depois, na manhã do domingo da final, Nadal mal podia levantar-se da cama. “Não posso”, disse ele ao tio.

Toni respondeu bruscamente que podia, sim. “Imagine”, disse a ele, “que no estádio há um sujeito atrás de você te apontando uma pistola dizendo que se você não correr sem parar ele apertará o gatilho. Aposto o que for que você começa a correr”. Nadal correu e, em cinco sets, ganhou.

As palavras do tio Toni não foram suficientes, porém, durante a seca dos dois últimos anos. Moyá acrescentou o fator X, o antídoto à kriptonita que enfraqueceu Superman. Em que consiste a fórmula ainda não sabemos. Talvez lhe tenha dito que em vez de um homem com uma pistola há um cachorro atrás dele. Seja o que for, a fantástica notícia para todos os que amam o esporte, não só o tênis, é que Nadal volta a voar.

John Carlin escreveu, com Rafael Nadal, “Rafa – Minha História".

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