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Brasil tenta explicar a morte de Teori com mais teorias do que fatos

País se transformou numa usina de informações questionáveis, que sugerem que o juiz do STF foi assassinado numa sofisticada conspiração

Tom C. Avendaño
Presidente Michel Temer fala com Francisco Zavascki, filho do juiz do STF Teori Zavascki no velorio dele
Presidente Michel Temer fala com Francisco Zavascki, filho do juiz do STF Teori Zavascki no velorio deleDIEGO VARA (REUTERS)

Ainda nem se sabia ao certo se o juiz do STF Teori Zavascki estava ou não a bordo de um avião que havia caído em Paraty, na quinta-feira passada, e as redes sociais brasileiras já tinham começado a compartilhar uma mensagem: “É infantil pensar que criminosos do pior tipo simplesmente resolvam se submeter à lei (...). Se algo acontecer com alguém da minha família, vocês já sabem onde procurar! Fica o recado.” O texto havia sido escrito no Facebook em 2016 por Francisco Zavascki, filho do magistrado morto, e fazia referência às ameaças que seu pai supostamente recebia, na condição de relator da Operação Lava Jato no STF, que há anos revela a maiúscula corrupção da elite política e empresarial brasileira. Não falava de ameaças físicas – e, de fato, Francisco já afirmou que duvida que a morte do pai tenha sido um atentado. Mas dava no mesmo. O juiz do único tribunal com poder e documentação para processar políticos com foro privilegiado do país (isto é, a elite) havia morrido num súbito e, para muitos, misterioso acidente. De repente, no Brasil as suspeitas valem mais que qualquer fato demonstrável.

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As redes sociais começaram a manejar seus próprios dados. Fala-se que Zavascki levava no avião documentos fundamentais para a Lava Jato e que foram perdidos para sempre (não se sabe). Viralizou também o trecho de uma conversa, gravada pela Justiça em 2016, em que dois senadores se queixam de que Zavascki estava distante demais da esfera política para que eles pudessem impedir a sangria de processos que provoca entre os partidos (Zavascki era famoso por se afastar de qualquer ingerência). Outros argumentam que, em 3 de janeiro, num site com fotos de aviões, houve 1.885 consultas à imagem de uma aeronave semelhante à do acidente (a causa é desconhecida). Uma teoria mais sofisticada diz ainda que, uma vez mais, tudo foi obra do ex-presidente Lula, que esconde um segredo tão nefasto que o impediria de ser candidato na eleição de 2018 (Lula não tem foro privilegiado e, portanto, não era competência de Zavascki).

A obsessão nacional com esses dados, de origem e confiabilidade questionáveis, não nasce de um desejo de encontrar algo em que acreditar. Ao contrário: quando tais informações são compartilhadas, sempre chegam acompanhadas de mensagens recordando que não se pode acreditar em nada. Se não vêm das instituições do país, são ruins. E se vêm delas, também são. Mesmo sabendo que todo acidente mortal com um juiz que investigava as altas esferas políticas sempre motivará a paranoia, o debate nacional brasileiro parece ter se entregado ao niilismo mais profundo. “Neste país de burros, ninguém engole nada, e depois todos engolimos tudo”, dizia Rogério, um taxista de meia idade que passava por um bairro residencial de São Paulo na noite de sexta. “Sabemos que os que mandam roubam, que os que roubam manipulam tudo. E nem nos importamos com os que saem ganhando com tudo isso. Então, em quem vamos confiar? Em ninguém, amigo. Que vergonha esse país”, afirmava, repetindo as palavras que já viraram um mantra nacional.

No entanto, essa desconfiança não nasceu nos cidadãos. É justamente a política que há meses semeia dúvidas sobre quem é responsável por isso ou aquilo, e que intenções oculta. Durante o julgamento político que culminou com seu impeachment, a ex-presidenta Dilma denunciou repetidas vezes “um movimento conspiratório” para afastá-la do poder. O substituto, Michel Temer, precisou ver como seu homem forte, Romero Jucá, afastava-se do cargo de ministro do Planejamento acusado de conspirar contra a Lava Jato. O Ministério Público, por sua vez, acusou dias antes Lula de ser o “comandante máximo do esquema” nada concreto, com o qual realizou ações que não são conhecidas. E Lula, após cada nova denúncia (tem mais de meia dúzia), costuma dizer que tudo é uma “conspiração” feita por “eles”. Em outubro, Renan Calheiros, presidente do Senado, teve de responder às acusações de que conspirava contra a investigação. Não faltaram também postagens que circularam amplamente  defendendo que a morte de Zavascki foi parte de um plano que conduziu Temer ao poder.

Esse gotejamento contínuo de desconfianças parece ter inundado as ruas. Tem gente já dizendo que os investigadores da caixa-preta do avião poderiam ser primos de fulano ou cúmplices de beltrano. No Brasil dos cegos, quem desconfia é rei.

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