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“Pelo anunciado por Temer, a crise penitenciária não vai se resolver nem a longo prazo”

Renato Sérgio de Lima, do Fórum de Segurança, diz que violência entre facções já transbordou

Famílias de presos esperam por informações em frente ao IML de Boa Vista.
Famílias de presos esperam por informações em frente ao IML de Boa Vista.M. Bergamo (Folhapress)

Cético. É assim que o sociólogo Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, se define com relação ao plano de segurança pública anunciado pelo Governo Michel Temer (PMDB). Em entrevista ao EL PAÍS, o especialista diz que os dois massacres prisionais deste início de ano eram tragédias esperadas e que a violência já transbordou as penitenciárias, quando o país registra quase 60.000 homicídios em um ano.

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Pergunta. Como você viu esses primeiros massacres do ano nos presídios de Manaus e Roraima, onde em torno de 90 presos foram assassinados?

Resposta. Não há nenhuma novidade. Afinal de contas temos uma crise atrás da outra. Essa tragédia era só uma questão de tempo. A questão penitenciária está distante de ser melhorada. E, pelo que está sendo anunciado no novo Plano de Segurança Pública, não vai se resolver nem a longo prazo.

P. Qual é a sua opinião sobre a esse plano que foi detalhado hoje pela gestão Michel Temer?

R. É um plano repaginado há 20 anos. É uma cópia de tudo o que se fez anteriormente. Os centros de inteligência do Temer são os gabinetes de gestão integrada do Lula e os centros integrados de operação e controle da Dilma. Propostas que não foram completamente para frente. O atual plano é detalhado demais em alguns aspectos e incompleto em vários outros.

P. Qual é a principal falha dessa proposta?

R. Ele deixa de lado quase 8.000 pessoas. Foram esquecidas pelo plano as vítimas dos latrocínios, das lesões seguidas de morte, assim como as pessoas que foram mortas por intervenção policial e os próprios policiais que foram assassinados. Não está claro por qual critério o Governo decidiu abordar apenas o homicídio doloso. Se ele quisesse ser mais correto, deveria usar os dados da saúde para identificar um homicídio, e não o da segurança pública. Além disso, ele esquece que a maior parte das vítimas e autores dos homicídios são jovens e negros, o que será feito com essa população? Vai só colocá-los na prisão?

P. E a participação de outros órgãos na elaboração do plano, como avalia isso?

R. A proposta apresentada é muito genérica nesse sentido. Não deixa claro onde quanto recurso será alocado em cada ação nem quem vai fazer o quê. O que cabe ao Exército, o que cabe à Polícia Federal, o que cabe ao Banco Central, ao Ministério da Justiça, aos Estados? Não se sabe nem quanto ele custará efetivamente. Outra falha do plano é que ele não tocou no assunto da valorização policial. Os agentes prisionais estão reféns da violência, a população e os policiais também. E esses profissionais precisam ser valorizados.

P. O Governo anunciou ainda que vai construir mais cinco prisões federais. Elas são necessárias?

R. De onde o Governo tirou esse número? A lógica deles não faz sentido. Se facção não é problema, não precisa ter uma penitenciária só para suas lideranças. Sem contar que as quatro prisões federais que já existem tem ociosidade de vagas.

P. Quando vemos o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, dizer que a facção não é problema, parece que ele está repetindo um discurso dos Governos de São Paulo, do qual ele fez parte.

R. Sim. É uma repetição. É como se não falar sobre ele [fizesse] não existir. Ele também fica numa encruzilhada: se ele reconhece a existência de uma guerra de facções, ele reconhece que o crime organizado se organizou nas prisões. Algo que os governos sempre negam. É claro que se tem a dinâmica do crime de disputa dos territórios, de disputa por rotas do tráfico, mas os escritórios das facções são as prisões. E isso é culpa dos Estados. A violência já transbordou pra fora das prisões quando registramos quase 60.000 mortes por ano.

P. Você acha que essa violência fora das prisões tem relação direta com as facções?

R. O que acontece é que ela não é tão visível. Em certa medida ela tem relação, sim. Quando se tem o tráfico de armas, o domínio territorial das facções isso é o transbordamento. A causa final de alguns homicídios ainda é muita violência doméstica, violência contra mulher, mas não se pode ignorar a interferência do crime organizado. O ambiente das periferias brasileiras, onde estão essas facções, é extremamente violento. Nesses lugares, quando se tem algum tipo de mediação, é a face violenta da polícia.

P. Em que medida o Governo Temer tem razão ao dizer que segurança pública é uma responsabilidade dos Estados?

R. Essa é uma fala reducionista que foi e, ainda é, cômoda para a União. As polícias militares são reguladas pelo Exército. É ele quem autoriza compra de armamento, farda, coletes balísticos. A Polícia Federal é quem controla as empresas de segurança e, junto com a Rodoviária Federal, é quem cuida das fronteiras. Mas é cômodo agir assim.

P. Não vê nada positivo nesse plano de segurança?

R. Ao longo de 20 anos, planos como esses estão sendo pensados, são repaginados. Mas cada instituição fica muito ciosa do seu quadrado e elas não conseguem articular. Assim ficamos à espera de uma nova crise. Mas existir o plano é bastante positivo. Se a gente olhá-lo a fundo, não tem como não ser cético. No Brasil temos um enorme problema de implementação e de prioridade política, mas temos de torcer para dar certo. Só para lembrar. O Fernando Henrique Cardoso lançou um plano no ano 2000. O Lula lançou dois, um em 2003 e outro em 2006. A Dilma, prometeu um pacto, mas não conseguiu colocá-lo em pé. Essa discussão sobre planos está aí há duas décadas. O que vai fazer a diferença para que esse plano genérico, do Governo Temer, seja colocado em prática eu não sei.

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