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Delação da Odebrecht faz primeira baixa no Governo Temer

O assessor especial da Presidência José Yunes foi citado por ex-diretor da empreiteira, e entregou sua carta de renúncia

A delação do ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht Cláudio Melo Filho, divulgada na semana passada, fez sua primeira baixa no Governo de Michel Temer (PMDB). O assessor especial da Presidência, o advogado José Yunes, entregou nesta quarta-feira sua carta de demissão. De acordo com o delator da Operação Lava Jato, parte dos 10 milhões de reais repassados durante a campanha de 2014 ao PMDB teriam sido pagos em espécie no escritório de Yunes em um bairro nobre da capital paulista – fato que ele nega.

José Yunes e Michel Temer.
José Yunes e Michel Temer.Z. Fraissat (Folhapress)

Em sua delação, Melo afirma que "um dos endereços de entrega [dos 10 milhões] foi o escritório de advocacia do sr. José Yunes, hoje assessor especial da Presidência da República". De acordo com o delator, o pedido dos 10 milhões de reais teria sido feito pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, durante reunião realizada em maio de 2014 no Palácio do Jaburu, residência oficial de Michel Temer, então vice-presidente. Parte do dinheiro teria sido depois repassado para a campanha de Paulo Skaf (PMDB) ao Governo de São Paulo. Os pagamentos feitos pela empreiteira compraram, segundo o Ministério Público Federal, o apoio de parlamentares a projetos de lei do interesse da empresa e facilidades em contratos com o Governo. A delação de Melo ainda precisa ser homologada pelo Supremo Tribunal Federal para que possa ser incorporada como prova nos processos da Lava Jato.

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Na carta o advogado afirma que Nos últimos dias (...) vi meu nome jogado no lamaçal de uma abjeta delação (...) pela qual teria eu recebido parcela de recursos financeiros em espécie de uma doação destinada ao PMDB. Repilo com a força de minha indignação essa ignominiosa versão”. É o terceiro homem de confiança de Temer que se vê pressionado a deixar o Governo em meio a denúncias e escândalos. O primeiro foi Romero Jucá (PMDB-RR), que deixou a pasta do Planejamento em maio após gravações nas quais sugeria um “pacto” para barrar a Lava Jato, e depois foi a vez de Geddel Vieira Lima sair da Secretaria de Governo em novembro, após acusações de ter feito pressão para a provação de um empreendimento imobiliário. No total, foi a sétima baixa do Planalto.

Em seu pedido de demissão Yunes faz questão de lembrar a profunda amizade com Temer, que viria desde "os heroicos tempos nas Arcadas do Largo de São Francisco", faculdade onde eles cursaram Direito em São Paulo. Mais à frente, ele afirma que o presidente tem nele "o leal amigo que o acompanha há décadas e que o admira por suas incomparáveis qualidades", dentre as quais "a sapiência, o respeito pelo outro, a determinação de fazer as grandes reformas que o país exige e a vontade férrea de pacificar a Nação". Yunes atuou como coordenador da campanha de Marta Suplicy à prefeitura de São Paulo este ano - ele é presidente do diretório municipal do PMDB.

A menção à cúpula do Governo acendeu o alerta vermelho no Planalto, e fez com que Temer enviasse uma carta ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, criticando o vazamento e pedindo "agilidade" na apuração dos fatos. Especula-se que outros integrantes do primeiro escalão citados na delação também possam pedir demissão para preservar o presidente, que patina com ameaças de defecção em sua base aliada e sofre com uma rejeição de 51% da população, segundo levantamento do Instituto Datafolha.

A delação de Melo é a primeira de 77 acordos firmados pelo Ministério Público Federal com executivos e diretores da Odebrecht - incluindo do herdeiro do grupo, Marcelo Odebrecht. Além de citar pagamentos feitos a pedido de Temer, Melo também menciona propinas repassadas para Jucá, Geddel, o petista Jacques Wagner, e dezenas de outros parlamentares.

Leia abaixo a íntegra da carta de Yunes:

"Caro Presidente,

Movido pelo alto interesse em dedicar meu tempo à causa da Nação, depois de ter vivido fértil passagem pela vida político-partidária, nas jornadas cívicas das décadas de 70/80, aceitei convite de Vossa Excelência para assessorá-lo no Planalto, oportunidade em que passei a conviver com experientes e altos quadros do seu Governo.

Seria uma honra ajudar o amigo de 50 anos a colocar o país nos trilhos, após a hecatombe que arrasou a economia, proporcionando a maior recessão de toda a nossa história, jogando milhões de pessoas nas ondas perversas do desemprego, minando a confiança de brasileiras e brasileiros de todas as classes em governantes e instituições.

Nos últimos dias, Senhor Presidente, vi meu nome jogado no lamaçal de uma abjeta delação, feita por uma pessoa que não conheço, com quem nunca travei o mínimo relacionamento e cuja existência passei a tomar conhecimento, nos meios de comunicação, baseada em fantasiosa alegação, pela qual teria eu recebido parcela de recursos financeiros em espécie de uma doação destinada ao PMDB.

Repilo com a força de minha indignação essa ignominiosa versão.

Como advogado e pai de família, que zela pelo dever de agir como cidadão sob os valores da honra e do zelo pela expressão da verdade, em respeito à minha família, aos amigos e aos concidadãos, não posso ver meu nome enxovalhado por irresponsáveis denúncias de figurantes com quem nunca tive qualquer contato direto ou por terceiros.

Para preservar minha dignidade e manter acesa a chama cívica que me faz acreditar nos imensos potenciais de meu país, declino, Senhor Presidente, do honroso cargo de assessor da Presidência, sem, porém, abdicar da admiração e da amizade que nos une desde os heróicos tempos nas Arcadas do Largo de São Francisco.

Tenha em mim o leal amigo que o acompanha há décadas e que o admira por suas incomparáveis qualidades, entre as quais, o equilíbrio, a capacidade de harmonizar os contrários, a sapiência, o respeito pelo outro, a determinação de fazer as grandes reformas que o país exige e a vontade férrea de pacificar a Nação.

São Paulo, 14 de dezembro de 2016.

José Yunes

Advogado"

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