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A monumental delação da Odebrecht cerca Brasília por todos os lados

Mais de 50 acordos, entre eles o de Marcelo Odebrecht, devem ser fechados até o início de 2017 Começam a surgir especulações sobre nomes de implicados, como o do presidente Michel Temer

Otavio Azevedo e Marcelo Odebrecht, detidos em junho de 2015.
Otavio Azevedo e Marcelo Odebrecht, detidos em junho de 2015.RODOLFO BUHRER (REUTERS)

Saiu o Governo Dilma Rousseff, entrou o Governo Michel Temer, e as delações premiadas de Marcelo Odebrecht e de mais de 50 executivos de sua empreiteira seguem assombrando Brasília. De um hotel na capital federal, que virou QG da empreiteira – sob o comando de Emílio Odebrecht, pai de Marcelo Odebrecht, preso em Curitiba desde 14 de novembro de 2014 – foram debatidas as estratégias de defesa para atenuar a pena de quase 20 anos a que o empresário já foi condenado em primeira instância. A julgar por reportagem publicada pelo jornal O Globo nesta terça-feira, as delações estão próximas da assinatura final. Não é a primeira vez que se divulga, sempre de forma extraoficial, que a colaboração dos responsáveis pela maior empreiteira do Brasil está fechada. Desta vez, contudo, começam a aparecer nomes de possíveis implicados no Governo atual, como o do próprio presidente da República, Michel Temer, e os de ministros como Eliseu Padilha, da Casa Civil, José Serra, das Relações Exteriores, e Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo.

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É dado como certo que as colaborações dos executivos da Odebrecht vão trazer novos nomes e novos partidos para o coração da Lava Jato. Devem reforçar, ainda, as acusações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já está indiciado em três processos, e de ex-ministros petistas como Antonio Palocci (Fazenda no Governo Lula e Casa Civil no Governo Dilma Rousseff) e Guido Mantega (Fazenda no Governo Dilma). Mas as negociações do acordo com executivos da empresa envolveriam a identificação de 130 deputados, senadores e ministros, além de 20 governadores e ex-governadores de diversos partidos, segundo a reportagem de O Globo. Poderia esclarecer, enfim, o papel que a tal “lista da Odebrecht”, descoberta em maio, tem para a Lava Jato. Documentos apreendidos na casa de um dos diretores da empresa guardava planilha com o nome de 240 políticos de 22 partidos, atrelado a valores que poderiam ser doações ilegais. Mas nada se confirmou até o momento.

Por estar no comando do país, a cúpula do Governo Temer é quem mais teria a perder no momento por denúncias de ilícitos no âmbito da Operação Lava Jato. E, não por acaso, especulações sobre uma possível sucessão indireta em 2017 começaram a circular pela capital federal nos últimos dias. Ainda não é possível medir com precisão o impacto que as denúncias e acusações provenientes da maior empreiteira do país podem causar a Temer, mas já começam a entrar numa bolsa de apostas possíveis sucessores numa eventual queda.

Até o nome do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já povoa rodas de debate político que cogitam a necessidade de uma eleição presidencial antes de 2018 — caso Temer tenha de deixar o Planalto a partir de janeiro, seu sucessor seria escolhido pelo Congresso Nacional. Outro nome que já apareceu é o de Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e ex-ministro do Governo Lula, como relata a jornalista Mônica Bergamo, na Folha de São Paulo desta quarta. As especulações sobre políticos que não frequentam a burocracia de Brasília há mais de cinco anos, no caso de Jobim, e há mais de 13, no caso de FHC, é sintomático.

O pacote de delações da Odebrecht chega como uma espécie de penúltimo capítulo da Lava Jato. A expectativa para os acordos dos executivos da empreiteira só rivaliza atualmente com a possível delação do deputado cassado Eduardo Cunha, preso na semana passada.

Enquanto os investigados e condenados na operação negociam seus acordos, o mundo político aguarda com ansiedade os efeitos das revelações e traça cenários sobre os impactos que, há alguns meses, dificultariam a situação do cambaleante Governo Dilma e, agora, provavelmente vão prejudicar o improvisado Governo Temer. Se por um lado a saída da ex-presidenta parece ter aliviado a crise de expectativas na economia, por outro, a Lava Jato e suas eventuais delações continuam fornecendo combustível para manter a crise política e alimentar a tensão com o poder Judiciário. A temperatura sobe a cada nova operação, como a Métis, que deteve agentes do Senado e despertou a ira do presidente da Casa, Renan Calheiros, ou vazamento de informações para a imprensa sobre o andamento do processo.

A proximidade do fechamento desses acordos ajudaria a entender, também, a pressa do Governo em lidar com questões espinhosas, como a PEC do teto de gastos e a reforma da Previdência. Segundo essa tese aventada no mundo político, seria uma forma de garantir que qualquer Governo que esteja no poder manterá as contas públicas 'a salvo' com a PEC 241, que inibe despesas maiores que a arrecadação.

Por conter autoridades com foro privilegiado, as delações deverão ser homologadas pelo Supremo Tribunal Federal, mais precisamente pelo ministro Teori Zavascki, responsável pelo caso. Isso significa, levando em conta o andamento da Lava Jato até agora, que esses acordos de colaboração devem levar mais tempo do que aqueles fechados em Curitiba pelo juiz Sérgio Moro — os procuradores de Curitiba preservaram muitas das delações por lá ao evitar que autoridades com foro fossem mencionadas nos acordos.

Apesar da quantidade de nomes implicados, as informações apresentadas pelos colaboradores da empreiteira não estariam à altura das expectativas dos investigadores — o que não quer dizer que lhes falte potencial para abalar o Governo Temer. Na falta de confirmação oficial sobre o andamento da negociação dos acordos, os despachos do juiz Sérgio Moro se prestam pelo menos a comprovar sua existência. Em agosto, o juiz suspendeu por duas semanas — como já havia feito antes — a ação penal contra executivos da Odebrecht após "notícia de que acusados" estariam "negociando alguma espécie de acordo de colaboração".

O suspense segue sendo, enfim, a única certeza de uma Brasília que perdeu a autonomia — para o bem ou para o mal, a depender do ponto de vista — desde que Curitiba ousou interferir em seus assuntos mais obscuros, em 2014.

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