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A ferida racial persiste na reta final da presidência de Obama

Os casos coincidem com uma campanha eleitoral na qual o republicano Donald Trump agita a xenofobia

Protesto contra violência racial em Charlotte, na Carolina do Norte, deixa ao menos uma pessoa ferida, na noite de quarta-feira.
Protesto contra violência racial em Charlotte, na Carolina do Norte, deixa ao menos uma pessoa ferida, na noite de quarta-feira.JASON MICZEK (REUTERS)
Marc Bassets

Barack Obama, o primeiro presidente negro no país da escravidão e da segregação, chega ao fim de seu mandato com as feridas raciais abertas nos Estados Unidos. Os casos de violência policial contra negros e a tensão racial se repetem. Os últimos ocorreram esta semana em Charlotte (Carolina do Norte), onde a morte de um homem por tiros da polícia provocou protestos violentos, e em Tulsa (Oklahoma), onde um homem desarmado foi alvejado por uma agente branca. Os novos casos coincidem com uma campanha eleitoral na qual o republicano Donald Trump agita a xenofobia. Na noite de quarta-feira (dia 21), segundo dia de protestos no país, um homem ficou gravemente ferido a bala, mas as autoridades locais informou que ele foi alvejado por um civil, não pela polícia.

Desde o início do ano, 702 pessoas morreram por tiros da polícia nos Estados Unidos, segundo a contagem do The Washington Post. Desses, 321 eram brancos, 172 negros e 111 hispânicos. Os brancos são, em termos absolutos, as principais vítimas de uma Polícia às vezes mal treinada e talvez medrosa, em um país em que as armas circulam em toda parte e qualquer suspeito pode ter uma pistola.

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Apesar da predominância branca entre as vítimas, os negros proporcionalmente são em número maior. Cerca de 24% das vítimas são negros, enquanto representam 13% da população. E 45% das vítimas são brancas, apesar de representarem 63% da população civil.

Em Charlotte, Keith L. Scott, um homem negro de 43 anos, morreu na terça-feira à tarde quando a Polícia entrou no edifício em que morava em busca de outra pessoa. Scott tinha uma pistola e representava uma ameaça iminente, segundo a Polícia. Sua família afirma que ele só tinha um livro na mão. O agente que disparou era negro. Alguns veem esse fato, que não é insólito, como uma prova de que as mortes por tiros da polícia não têm nada a ver com a discriminação nem com o racismo. Outros, que independentemente da cor da pele dos agentes as forças policiais exercem uma violência estrutural que atiça as minorias.

Dezesseis agentes e vários manifestantes ficaram feridos em uma noite de distúrbios em Charlotte. Segundo a mídia local, um grupo tentou sem sucesso saquear um supermercado Wal-Mart. Outro interrompeu o trânsito na estrada interestadual 85 e queimou o conteúdo de caminhões de mercadorias.

Um dia antes, a Polícia de Tulsa divulgou um vídeo sobre outro episódio, ocorrido na sexta-feira passada. No vídeo, veem-se quatro policiais apontando para Terence Crutcher, um homem de 40 anos, em uma estrada ao lado de seu carro parado em meio à calçada. Crutcher tem as mãos levantadas e caminha no sentido da janela do carro. Alguém, identificado como a agente Betty Shelby, dispara e ele cai. Shelby está de licença remunerada. As autoridades locais e federais abriram investigações paralelas.

Tulsa e Charlotte serão dois episódios mais em um ciclo que estourou há dois anos com a morte de um jovem negro por disparos da polícia em Ferguson, um subúrbio de Saint Louis (Missouri), com posteriores protestos violentos. Às denúncias de discriminação racial, vistas com simpatia pela Administração Obama, alguns conservadores respondem acusando o presidente de legitimar a demonização das forças da ordem.

A campanha para as eleições presidenciais de novembro complica tudo. O republicano Donald Trump aparece como o candidato dos brancos frente à democrata Hillary Clinton, que apoia a diversidade.

Grupos neonazistas, antigos líderes da Ku Klux Klan, ativistas da extrema direita e nostálgicos da supremacia branca apoiam Trump. Em seus comícios, o candidato republicano criticou o movimento Black Lives Matter (as vidas negras importam) e se apresentou como defensor da Polícia diante do suposto assédio aos ativistas. Ao mesmo tempo, tentou seduzir os votantes afro-americanos —fieis ao Partido Democrata— com visitas a igrejas negras.

Não achou o tom. Na terça-feira disse que os bairros negros estão “piores do que nunca. Honestamente, lugares como o Afeganistão são mais seguros do que os centros de algumas cidades”, acrescentou.

PRINCIPAIS INCIDENTES DESDE JULHO

15 de setembro. Em Tulsa (Oklahoma), a Polícia dispara contra Terence Crutcher, que estava desarmado.

14 de setembro. Um agente de Columbus (Ohio) dispara contra Tyree King, 13 anos, que carregava uma arma de ar comprimido.

13 de agosto. A polícia mata Sylville K. Smith em Milwaukee (Wisconsin).

17 de julho. Três policiais mortos em um tiroteio em Baton Rouge (Louisianna).

7 de julho. Um franco-atirador mata cinco policiais em Dallas (Texas) em protesto.

6 de julho. Um policial de Saint Paul (Minnesota) dispara contra Philando Castile, que estava dentro de seu carro. Sua namorada exibe o vídeo no Facebook.

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