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Juiz acusa Cristina Kirchner e ex-ministro da Economia de prejuízo ao Estado

Ex-presidenta é investigada pelo "dólar do futuro", em que Estado vendia moeda para pagar depois

Carlos E. Cué
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Os tribunais de Justiça eram uma das principais preocupações de Cristina Fernández de Kirchner quando deixou o poder, e não se passaram três meses antes do primeiro problema sério. O juiz federal Claudio Bonadío, um dos mais conhecidos da Argentina e há anos em confronto com os kirchneristas, que disseram de tudo sobre ele, decidiu acusar –“convocar para um interrogatório” na terminologia argentina– a ex-presidenta Cristina Kirchner, seu ex-ministro da Economia, Axel Kicillof, e o ex-presidente do Banco Central, Alejandro Vanoli, em um caso que estourou nas últimas semanas da campanha eleitoral: a chamada “venda de dólar futuro”. O juiz acusa esses dirigentes de “fraude contra a administração pública” por terem prejudicado deliberadamente o Estado.

É a primeira vez que a ex-presidenta é chamada para um interrogatório em um caso judicial, apesar dos escândalos que empresas de sua família protagonizaram no passado, especialmente a Hotesur, que engloba os hotéis da família. O próprio Bonadío foi afastado em julho do ano passado do caso Hotesur, uma semana depois de ter expedido um mandado de busca nos hotéis da ex-presidenta. Na ocasião, ela disse que ele era um juiz “pistoleiro e extorsionário”. O juiz, que matou a tiros dois criminosos em 2001 e alegou legítima defesa, disse: “Que ela diga em que eu a extorqui, porque isso é um crime”. Por conseguinte, o problema tem um enorme significado político e simbólico.

Este não é um caso de suposta corrupção ou de lavagem de dinheiro, como o caso Hotesur, mas de prejuízo ao Estado. Segundo os queixosos –o senador macrista Federico Pinedo e o deputado radical Mario Negri–, Kirchner, Kicillof e Vanoli conceberam uma estratégia para o dólar não disparar –um tema central da campanha eleitoral argentina– mas ao custo de deixar uma bomba-relógio para o governo seguinte. O sistema era simples: vendia-se aos investidores o chamado “dólar futuro” por 10 pesos quando todos os economistas sabiam que ganhasse quem fosse as eleições haveria uma desvalorização. Quem comprasse esses “dólares futuro” receberia em março, quando venceriam os títulos, muito mais do que o montante investido. O ganho foi de 50%.

Naquele momento era uma pechincha: para comprar dólares no mercado do chamado contado con liquidación, o mais difundido entre as empresas, era preciso pagar 14 pesos. Na rua, valia mais do que 16. Consegui-lo a 10, com a garantia de que seria paga a cotação oficial alguns meses mais tarde era uma barbada. O pagador e prejudicado é o Estado. De fato, fazer frente a esses pagamentos é um dos principais problemas do Banco Central nos dias de hoje.

“Todos esses prejuízos em contratos futuros de dólar que o BCRA [Banco Central] deve honrar foram produzidos por posições abertas pela entidade entre setembro e novembro de 2015”, diz Bonadío em seu texto. O prejuízo ao Banco Central e, portanto, para o Estado, foi de cerca de 7,5 bilhões de pesos (cerca de 1,9 bilhão de reais) em dezembro e janeiro, mas estima-se que com o que ainda deve ser pago nos próximos meses serão perdidos mais 27 bilhões de pesos.

A ex-presidenta terá de comparecer perante esse tribunal no dia 13 de abril, o que será sem dúvida, um acontecimento midiático. Cristina Kirchner continua dirigindo na sombra a oposição argentina, especialmente os kirchneristas, mas quase não aparece. Continua em seu refúgio em El Calafate, ao lado do glaciar de Perito Moreno, e não participou de nenhum evento público desde a sua despedida, diante de uma multidão, na Praça de Maio no dia 9 de dezembro.

Desde que o kirchnerismo deixou o poder, sete altos dirigentes desse grupo foram processados –agora devem ser acrescentados à lista Cristina Kirchner e Kicillof. Parece claro que alguns juízes estavam esperando que a ex-presidenta deixasse a Casa Rosada para reabrir alguns processos que estavam adormecidos. No entanto, em uma entrevista ao EL PAÍS nesta semana, o presidente da Suprema Corte, Ricardo Lorenzetti, garantiu que mesmo antes de Cristina deixar o cargo havia processos fortes como o que foi feito contra o vice-presidente Amado Boudou por supostos casos de corrupção. Lorenzetti insiste que os juízes devem agir da mesma forma seja quem for que estiver no poder, mas a situação da ex-presidenta Kirchner parece se complicar bastante depois de tê-lo perdido.

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