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Sob pressão, Eduardo Cunha articula mais uma vez para se manter no cargo

Membros do Conselho de Ética recorrem ao STF e prolongam a novela que envolve o presidente

Cunha, nesta terça-feira, em Brasília.
Cunha, nesta terça-feira, em Brasília.Lula Marques (Ag. PT)

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), conseguiu quase tudo o que quis no Conselho de Ética que analisa seu processo. A interferência do parlamentar no órgão foi tanta que, agora, a ação de todos os lados contribui para protelar a análise da representação contra ele por suspeita de quebra de decoro. Com isso, o trâmite já se arrasta por 49 dias úteis desde a primeira sessão, um tempo longo, se comparado com o que ocorreu com outros dois investigados da própria operação Lava Jato, os deputados Luiz Argôlo e André Vargas, que acabaram cassados após processos que levaram 19 e 20 dias para serem abertos, respectivamente.

Desde o início dos trabalhos do Conselho, no ano passado, os aliados do deputado entram com um recurso atrás do outro em todas as instâncias possíveis. Seus adversários também apresentam documentos que serviriam para embasar ainda mais a denúncia contra ele e, com o excesso de zelo para tentar bloquear novas manobras do deputado, acabam prolongando o tempo de análise da peça acusatória. Para aumentar o imbróglio, a cúpula do Conselho de Ética decidiu entrar com um mandado de segurança nesta terça para tentar impedir a ação da tropa de choque do peemedebista, o que pode prolongar ainda mais o processo.

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As manobras de Cunha e de seus aliados foram tantas que chamaram a atenção do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Em uma manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre uma ação que tramita no órgão, ele disse que o deputado sempre se mostrou “extremamente agressivo e dado a retaliações a todos aqueles que se colocam em seu caminho a contrariar seus interesses”. No documento, o procurador disse também que há robustos elementos de que o presidente da Câmara recebeu propina no esquema que desviou bilhões de reais da Petrobras. Janot pediu o afastamento de Cunha do cargo. O parlamentar foi notificado nesta segunda e tem dez dias para se defender das acusações. Ele nega as irregularidades. A representação contra Cunha no Conselho de Ética ocorreu porque ele afirmou, na CPI que avalia as irregularidades na estatal, não ter contas no exterior, o que poderia ser um indicativo de que ele escondia dinheiro de propina. Depois, contas ligadas a ele foram descobertas na Suíça.

Em mais um capítulo da trama, nesta terça-feira a defesa de Cunha entrou com dois mandados de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) que, em suma, se acatados, dariam pelo menos mais dez dias úteis para o deputado apresentar sua defesa prévia. Ou seja, um tempo de quase mais um mês nas contas da Câmara, onde apenas terça, quarta e quinta são considerados dias úteis, pois são os dias em que há sessão no Plenário. “Pedir que haja o direito de defesa não é uma manobra para adiar nada. Só queremos que o regimento seja seguido corretamente”, ponderou Marcelo Nobre, advogado do peemedebista.

O comando do Conselho de Ética também decidiu recorrer ao Supremo nesta terça. José Carlos Araújo (PSD-BA), presidente do colegiado, refuta uma decisão que cancelou, no ano passado, a votação do relatório que abriria o processo contra Cunha porque a considerou ilegal. “Não podemos nos calar diante de um recurso irregular”, afirmou, referindo-se à canetada dada pelo vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), que praticamente devolveu o processo à estaca zero. O relator do processo contra Cunha, Marcos Rogério (PDT-RO), disse que seu relatório está pronto, mas não o colocou em votação nesta terça-feira porque gostaria de aguardar qualquer decisão do STF.

Em meio a pedidos de vista, recursos à Mesa Diretora da Câmara (controlada pelo denunciado) e ao Judiciário e claros erros formais em procedimentos adotados pelo presidente do Conselho, já se vão 14 sessões em que os deputados tentam votar o processo de admissibilidade da representação contra Cunha. Mas, até agora, absolutamente nada avançou. “O que estamos vendo aqui é um escárnio”, reclamou o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), um dos representantes do partido que representou contra o parlamentar no colegiado. Enquanto ele bradava sua indignação, os deputados Carlos Marun (PMDB-MS) e Manoel Júnior (PMDB-PB) , aliados de Cunha, apresentavam novas questões de ordem que, se aceitas, poderiam adiar ainda mais a avaliação do caso.

Do outro lado, o deputado Nelson Marchezan Júnior (PSDB-RS) pedia celeridade aos colegas e acusava vários deles de votarem conforme seus interesses financeiros. “Vamos ler o relatório e votar. Que cada um vote conforme seus interesses. Conforme sua consciência, sua condição técnica, seu bolso ou seu eleitorado. Mas vamos votar”. Inquirido por colegas se não achava melhor mudar seu argumento, Marchezan respondeu: “Não retiro o que disse por demagogia. É claro que há vários deputados corruptos aqui que representam parte da sociedade corrupta. Se não fosse assim, não teríamos julgado colegas que são suspeitos de receberem propina”.

Trocas incomuns

Além dos apelos ao Judiciário, um incomum movimento ocorreu nesta semana no colegiado criado para avaliar se os parlamentares estão agindo com “brio, dignidade moral, honradez e nobreza”. O PTB, liderado pelo deputado Jovair Arantes, um aliado de Cunha, trocou seu representante no Conselho. Retirou Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), um experiente deputado com oito mandatos seguidos e ex-companheiro de Cunha, e colocou Nilton Capixaba (PTB-RO), um parlamentar que já foi investigado pela Polícia Federal e pelo próprio Conselho no caso de corrupção que ficou conhecido como a Máfia das Sanguessugas.

Menos de um dia após aceitar a troca, Capixaba também renunciou e a vaga caiu no colo de Jozi Araújo (PTB-AP), uma deputada em primeiro mandato que fez campanha para o Cunha ser eleito presidente da Câmara. A saída de Faria de Sá só ocorreu depois de ele se manifestar favorável ao prosseguimento da investigação contra Cunha em uma votação, no final do ano passado, que terminou em 11 votos a favor e 9 contrários, mas acabou anulada por mais uma manobra de Cunha. Se Jozi Araújo mudar o voto, o placar ficará em 10 a 10 e dependerá do desempate feito pelo presidente do Conselho.

Longe de chegar ao fim, a novela Cunha deve ter três novos capítulos nesta semana. O STF analisará os pedidos de liminares apresentados nesta terça-feira. Começa também a  correr o prazo de dez dias que o peemedebista tem para apresentar sua defesa no caso em que Ministério Público pede o seu afastamento do cargo. E o Conselho de Ética volta a se reunir para, talvez, ler o relatório que pedirá que o processo contra ele seja aceito.

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