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Aversão às elites castiga dinastias na campanha eleitoral dos EUA

Jeb Bush e Hillary Clinton enfrentam dificuldades em um país viciado em clãs políticos

Amanda Mars
Manchester (New Hampshire) -
A candidata democrata Hillary Clinton em uma escola em Concord, no sábado.
A candidata democrata Hillary Clinton em uma escola em Concord, no sábado.ADREES LATIF (REUTERS)

Jeb Bush e Hillary Clinton enfrentam dificuldades em uma corrida rumo à Casa Branca que parecia ser fácil. O pré-candidato republicano, filho e irmão de ex-presidentes, obteve um resultado lamentável nas primárias de Iowa e pode ser eliminado da disputa em Nova Hampshire, na terça-feira.

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Já a ex-primeira-dama continua sendo a favorita entre os democratas, mas a batalha contra um socialista, em um país onde essa ideologia não é muito apreciada, será mais dura do que se pensava. Os clãs superpoderosos sofrem com o fato de a sociedade estar farta de suas elites e do sistema. E existe outro exemplo de establishment melhor do que as dinastias políticas?

Bush se gaba de solidez e sobrenome

A. MARS

No dia 5 de fevereiro teria sido o aniversário do falecido Ronald Reagan, e Jeb Bush não deixou de relembrar a data. “Tanto ele quanto o meu pai tiveram que lidar com momentos muito difíceis, como a inflação e uma taxa de desemprego de dois dígitos”, disse ao iniciar seu discurso em uma escola primária em Bedford, nos arredores de Manchester (Nova Hampshire), diante de centenas de pessoas de todos os tipos e condições. Bush sempre destaca sua experiência (em comparação com rivais como Rubio) e sua solidez (contrastando com as aventuras populistas de Cruz e Trump), mas também se utiliza de sua família e da história.

Dan Genese, de 48 anos, foi a Bedford para conhecer o homem, conservador apesar de ser mais liberal que seus rivais sobre a questão da imigração. “Gostava de seu pai e de seu irmão pelo que fizeram, pelos seus valores, mas quero saber como ele é”, afirmou. Tipos como Trump “dizem o que as pessoas querem escutar, não têm substância”.

E essa é, justamente, a mensagem que o terceiro Bush, que se dirige ao público com um tom presidencial, busca transmitir: a de ser confiável, um mandatário. Durante o evento, ele pediu a seus potenciais eleitores que se questionassem sobre qual dos candidatos é “um verdadeiro comandante-chefe” ao ver os debates.

Marienne Pernold prefere usar imagens, em vez de palavras, para expressar o que vê. Dessa forma, quando perguntada sobre o que está acontecendo com Clinton, porque acredita que essa disputa entre os democratas vai ser mais difícil do que o previsto, ela pede papel e caneta para desenhar. A ex-secretária de Estado aparece retratada como o personagem da mitologia grega Sísifo, tentando escalar uma montanha carregando, na versão de Pernold, uma mochila pesada, em vez de uma rocha. Na parte de cima, aparece 2016, ano das eleições presidenciais. E entre os obstáculos pelo caminho estão várias palavras: finanças, e-mail, Benghazi e, acima de todas, marido.

Os Estados Unidos se orgulham de terem sido fundados com base em uma rebelião contra a nobreza e a aristocracia (ainda que não contra as elites), mas têm sua história infestada de clãs políticos. Agora, não acreditam em 'Camelot'
"Não importa quem ganhe, a dinastia Bush não terminará sob nenhum conceito, os filhos de Jeb também estão fazendo carreira política”, ressalta Hess.

Pernold é uma fotógrafa de 71 anos de idade, devoradora de informações políticas e, entre outras coisas, a mulher que fez Hillary Clinton chorar em Nova Hampshire há oito anos, quando perguntou à pré-candidata, durante as primárias, como ela planejava tudo, como faria para concretizar as coisas, dar conta de tudo que fazia e, ao mesmo tempo, ter vida própria.

A reação angustiada de Clinton, que pareceu forçada para muitos, foi considerada chave para humanizá-la e ganhar a disputa no estado, apesar de, no final, ela ter perdido as primárias para Barack Obama. Agora, a democrata continua parecendo, muitas vezes, pouco natural. “É verdade que ela não parece próxima, apesar de tentar. Eu a vejo mais cálida agora”, opina Pernold no Café Expresso, local de Portsmouth onde conheceu Clinton.

No entanto, para a fotógrafa, seu verdadeiro problema é “a mochila que ela carrega e as pessoas ricas com as quais se relaciona”, e afirma que, inclusive, tem gente que acredita que ela continuou com seu marido depois do escândalo de traição, na década de 1990, “por motivos políticos”.

As doações vindas de Wall Street e as palestras de Goldman Sachs, pagas a preço de ouro, são alguns dos problemas que a ex-primeira-dama carrega consigo na disputa contra Bernie Sanders, senador de Vermont que tem como mote de campanha a luta contra a injustiça social e fator do qual a acusa de ser cúmplice indireta.

Clinton também sofre com as críticas relacionadas ao período em que desempenhou a função de secretária de Estado, sobretudo no que diz respeito a sua postura diante do atentado terrorista contra o consulado dos Estados Unidos em Benghazi (Líbia), em 2012.

Além disso, quando ela começou a se preparar para sua segunda corrida presidencial, em 2015, estourou o caso dos e-mails: se soube que ela tinha utilizado sua conta privada para assuntos de interesse nacional e foi confirmado, há pouco tempo, que algumas das mensagens enviadas continham informações “altamente sigilosas”.

Mas, colocando de lado essas crises concretas, há um elemento ambiental que paira sobre as candidaturas de Clinton e Bush. A população não está no clima para ser governada por dinastias. “Existe, agora mesmo, nos Estados Unidos, um sentimento que vai contra o que está estabelecido e contra quem tende a ostentar o poder. Um filho e irmão de ex-presidentes e uma ex-primeira-dama encarnam muito bem essa figura”, explica o analista da Brooks Institution e autor do livro America’s Political Dynasties (As dinastias políticas da América), Stephen Hess.

Uma história de rebelião

Os Estados Unidos se orgulham de terem sido fundados com base em uma rebelião contra a nobreza e a aristocracia (embora não tenha sido uma luta contra as elites), mas têm sua história infestada de clãs políticos, desde os Adams até os Roosevelt, passando pelos Kennedy e, agora, pelos Bush e pelos Clinton. Mas, os EUA não acreditam, atualmente, em Camelot, como era popularmente conhecido o mítico período kennediano.

Segundo Hess, a “marca Bush” conta com dois aspectos positivos do pai de Jeb (George H. W. Bush, presidente de 1989 a 1993), mas inclui também os negativos do mandato de seu irmão (George W. Bush, presidente de 2001 a 2009). Um exemplo disso é que, na sexta-feira, o Pentágono divulgou 198 fotos que comprovam que os soldados norte-americanos torturavam seus presos no Afeganistão e no Iraque durante o último governo Bush.

A universidade de Brown calculou, há alguns anos, que quase 9% dos membros do Congresso tinham algum parente que já havia feito parte da Câmara anteriormente. Para alguns, isso é um ativo. Por isso, na semana passada, uma mulher, que provavelmente também fez Jeb Bush chorar em algumas ocasiões, apareceu para ajudar. Barbara Bush, de 90 anos, participou de um ato de campanha para lembrar ao público quem ela e seu filho são.

Ela, inclusive, brincou, dizendo que a Casa Branca já tinha sido ocupada por Bush demais. “Eu não tinha planejado isso, mas Jeb é o mais inteligente, carinhoso e disciplinado... não por mim!”, disse Barbara aos eleitores de Nova Hampshire. E o pré-candidato republicano também aproveitou a ocasião para exibir seu escudo heráldico: “Tenho muito orgulho de ser um Bush”.

O ex-governador da Flórida, que quando formalizou sua candidatura parecia um aspirante de livro, foi atropelado pelo turbilhão causado pelo senador texano Ted Cruz e pelo magnata Donald Trump. Em Iowa, Bush conseguiu apenas 2,8% dos votos. No entanto, Hess adverte: “Talvez os meios considerem que ele está quase acabado, mas, se ele tiver um desempenho um pouco melhor em Nova Hampshire, pode se recuperar. Jeb Bush, em comparação com os outros republicanos, tem dinheiro suficiente para continuar a financiar sua campanha”.

Apesar de Clinton ter empatado com Sanders em Iowa, e estar por baixo de seu rival nas pesquisas de intenção de voto em Nova Hampshire, continua sendo a favorita para ganhar as primárias entre os democratas.

“Não importa quem ganhe, agora e nas eleições presidenciais de novembro. A dinastia Bush não terminará sob nenhum conceito. Os filhos de Jeb também estão fazendo carreira política”, ressalta Hess.

John Bush está ajudando o pai na campanha, e seu irmão, George, que faz parte do governo do Texas, foi o encarregado de apresentar o candidato republicano aos eleitores em um comício em Bedford, na sexta-feira, a três dias das primárias de Nova Hampshire.

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