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As ideias que definiram 2015

Para que serviu 2015?

Dez ideias que poderiam ser recordadas pelos historiadores do futuro com a perspectiva do tempo

Moisés Naím
Policiais diante dos imigrantes que acabavam de cruzar a fronteira entre a Croácia e a Eslovênia, em outubro de 2015
Policiais diante dos imigrantes que acabavam de cruzar a fronteira entre a Croácia e a Eslovênia, em outubro de 2015JURE MAKOVEC (AFP)

2015 foi um ano tumultuado, cheio de acontecimentos noticiosos. Quais deles cairão no esquecimento e quais serão recordados pelos historiadores do futuro?

É difícil saber. Situações que hoje nos parecem determinantes podem acabar sendo irrelevantes. Mas também pode ocorrer que os eventos de 2015 que hoje parecem importantes tenham, efetivamente, imensas consequências e se transformem em fatos históricos. Um bom exemplo disso é a reunião das Nações Unidas sobre o meio ambiente – a chamada COP21 – celebrada em Paris há algumas semanas. Ali, mais de 200 nações se comprometeram a fazer esforços para reduzir as emissões de CO2 que contribuem para o aquecimento global. Se esses acordos forem cumpridos, a COP21 terá sido um marco histórico para a humanidade. Do contrário, será mais uma das muitas reuniões cúpula que geram mais barulho que resultados.

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Mas nem todas as notícias são tão difíceis de calibrar. Neste ano também vivemos acontecimentos cuja importância suscita poucas dúvidas. Um deles ocorreu em nosso sistema solar e outro, em nosso planeta.

A seguir, minha muito idiossincrática e arbitrária lista dos eventos que poderiam passar para a história.

1. A Nasa, seguindo os rastros de água em Marte. No fim de setembro, a agência espacial norte-americana anunciou que seus cientistas tinham encontrado os indícios mais fortes até agora da existência de água líquida em Marte (água líquida em oposição a água congelada ou vapor de água). As implicações disso são enormes. Vão do fato de poder haver áreas habitáveis em Marte até a possibilidade de existirem certas formas de vida ali. Logo veremos.

A existência de água líquida em Marte tem implicações enormes

2. Este foi o ano mais quente da história desde que começaram a ser feitos os registros estatísticos.E 2015 quebrou o recorde de 2014. O problema é que essa marca histórica também pode ser efêmera. Os especialistas preveem que, em 2016, a temperatura média do planeta será ainda mais alta que a deste ano. Precisamos de mais sinais de que é urgente fazer algo a respeito?

3. Mais de 200 países concordam em reduzir suas emissões de CO2. E esta é uma boa notícia de 2015, desde que os países cumpram de maneira contínua e disciplinada os compromissos assumidos em Paris. Ainda assim, há quem acredite que estamos fazendo pouco e tarde. Outros pensam que, por fim, começou em Paris um processo histórico muito importante. Tomara que seja assim. O que está em jogo é a civilização como a conhecemos até agora.

4. A economia chinesa está crescendo menos. O que acontece na China afeta a todos nós, em qualquer lugar que estejamos. E neste ano se manifestaram múltiplas doenças econômicas do gigante asiático. Entre outros problemas, sua economia está crescendo menos. Quanto menos? Não se sabe. Os especialistas duvidam dos números oficiais (crescimento de 7% neste ano) e acreditam que são muito piores. A pergunta é se se trata simplesmente de uma desaceleração de alguns anos ou de um descarrilamento e, portanto, a economia vai demorar muito mais a retomar seu caminho de rápido crescimento. Ainda veremos. Mas neste ano ficou claro que a China é mais frágil do que parecia.

5. Caem drasticamente os preços internacionais das matérias-primas – especialmente o do petróleo – e muitos países emergentes entram em crise como resultado disso. A diminuição da demanda de matérias-primas por parte da China e uma inesperada abundância de petróleo provocaram uma queda de 34% nos preços das commodities neste ano (estão 80% abaixo de seu preço mais alto). O petróleo custa agora 30 dólares por barril, frente aos quase 100 de apenas dois anos atrás. Da Rússia à Venezuela e da Argentina à Indonésia, os países cujas economias dependem de vender matérias-primas ao resto do mundo não estão nada bem. Virão ajustes econômicos importantes que, em muitos casos, terão consequências políticas ainda mais importantes.

6. Chegam à Europa um milhão de imigrantes. A cifra é cinco vezes maior que a do ano passado e, segundo a Organização Internacional para as Migrações, constitui o maior movimento de pessoas no continente desde a Segunda Guerra Mundial. A crise da imigração não só é uma dolorosa tragédia humanitária, como também suscita um grave dilema institucional. A Europa responderá à avalanche de imigrantes integrando-se mais e trabalhando coletivamente ou o fará fragmentando-se e erigindo novas barreiras, fronteiras e obstáculos entre os países?

7. Termina na América Latina a hegemonia de governos que estiveram no poder durante todo este século. Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua tiveram o mesmo governante ou a mesma elite política no poder desde o início do século 21. Esses países se beneficiaram dos altos preços de suas matérias-primas e os governantes expandiram enormemente o gasto público, o que lhes rendeu grande popularidade. E se aproveitaram disso para impulsionar um hiperpopulismo sem precedentes, tolerar inéditos níveis de corrupção, fazer sistemáticos – e às vezes brutais – esforços para impedir qualquer tentativa de limitar sua hegemonia e prolongar indefinidamente seus mandatos. Com a queda dos preços das exportações e crescentes sinais do fracasso das políticas – e dos políticos – dominantes, começa a rachar a hegemonia das oligarquias e dinastias imperantes na América Latina. Esses grupos e suas ideias não estão em perigo de extinção e seguirão tendo muita influência. Mas menos que até agora.

8. Donald Trump muda a política dos EUA. Em 2015 a grande surpresa não foi Trump e suas odiosas mensagens fazerem tanto sucesso entre os simpatizantes do Partido Republicano. A surpresa ainda maior é que esse partido, uma das máquinas políticas mais antigas e eficazes do mundo, não tenha tido o poder de parar Trump. Os líderes do establishment republicano sabem que Trump e suas mensagens estão fazendo um dano irreparável a esse partido. E em 2015 comprovaram que não conseguem pará-lo. Essa é uma tendência global: o poder político se dilui e se fragmenta e é cada vez mais difícil aos “de sempre” ser “os de agora”.

Termina na América Latina a hegemonia de governos que estiveram no poder durante todo este século

9. Primeiro ano na história sem novos casos de poliomielite na África. Esta é uma boa notícia promovida por Bill Gates. A pólio paralisava 350.000 crianças por ano em todo o mundo. Desde 1988 até hoje, o número de casos caiu 99,9%. Em 2015 serão menos de 100 (predominantemente no Paquistão e no Afeganistão) e, pela primeira vez, não há novos casos na África. Às vezes, quando a humanidade quer, consegue.

10. Os Estados Unidos iniciam um processo de normalização das relações com Irã e Cuba. A evolução desta “normalização” ainda é muito incerta. Mas neste ano foi reaberta a Embaixada de Cuba no EUA e vice-versa. E os arqui-inimigos Irã e EUA (mais cinco outras potências) se uniram em um polêmico, mas importante acordo para limitar o programa nuclear de Teerã. Ambas são boas notícias.

Feliz 2016!

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