Marina Silva: “O Brasil vive um momento dramático”
Marina critica "ineficiência" do Governo, mas nega que impeachment seja a saída
Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente e ex-senadora, continua firme como presidenciável no imaginário popular. Uma pesquisa Datafolha publicada no último sábado (28) mostra que ela mantém índices de intenções de voto semelhantes ao que recebeu nas duas vezes em que concorreu (21%), quando terminou a disputa em terceiro lugar. Numa simulação de disputa sem Aécio Neves, ela lideraria com 28%, deixando seu ex-padrinho político, Lula, em segundo. Marina recebeu o EL PAÍS no hotel onde se hospedava na última sexta-feira (dia 27), com um sorriso no rosto e um pedido de desculpas. "Estou o tempo todo viajando. Você sabe bem, a gente não pode negligenciar o trabalho", justificando-se pela demora em conseguir um tempo para o encontro, solicitado havia meses. Abaixo, alguns dos principais trechos da entrevista.
Pergunta. Como ex-ministra do Meio Ambiente e ex-senadora da bancada ambientalista, como avalia a resposta das autoridades ao desastre em Mariana?
Resposta. É o pior desastre, um dos maiores crimes ambientais da história do Brasil, sem sombra de dúvida. E deve ser tratado como um crime porque existiam laudos que mostravam que ali havia uma situação de risco. Uma série de notificações já tinham sido feitas pelas autoridades, pelo próprio Ministério Público, e providências não foram tomadas. O que aconteceu em relação a Mariana é uma verdadeira bomba relógio que nós temos no Brasil com várias outras represas de sedimentos iguais àquela. A ausência das medidas cabíveis por parte da empresa tem muito a ver com a ideia que muitos têm de que o crime compensa. Porque se acontece um desastre, e se ainda é tratado como desastre natural como ficou no decreto da presidente da República, então o que acontece? Você aplica uma multa, eles recorrerem indefinidamente e não há um prejuízo para eles com a altura e a profundidade do mal que foi causado.
Casos como o de Mariana devem ser tratados como crime hediondo
P. Mas você foi cobrada por muitos a adotar uma posição mais firme…
R. Eu fui ministra do Meio Ambiente por cinco anos e meio. Nós fizemos 25 operações da Polícia Federal. Eu sabia e acompanhava todas essas operações do Ibama e da Polícia Federal. Ninguém nunca me viu numa frente dessas operações fazendo pirotecnia. No entanto, colocamos 725 pessoas na cadeia. (…) Eram ações efetivas que sequer são conhecidas porque quando você faz as coisas por convicção, não precisa se preocupar se aquilo está sendo visto. No caso de Mariana, até algumas pessoas me perguntam porque eu não fiz uma visita. E a minha resposta para mim mesma sempre foi: eu gosto de fazer as coisas com efetividade. Jamais seria capaz de ir apenas pra tirar uma foto, falar uma frase de efeito, ganhar popularidade. Estou estudando desde o começo a ideia, e ouvindo alguns juristas, de fazer uma mudança na lei e tratar casos como esse como crime hediondo, para que sejam adotadas medidas de bloqueio dos bens da empresa, dos diretores, proibi-los de saírem do país. Isso pode ajudar para que as pessoas não contem mais com a possibilidade de impunidade, e não mantenham atitudes de negligência.
P. Nessa caso, isso incluiria a Vale também e demais acionistas?
R. Todos os responsáveis. É uma cadeia de responsabilidade. A Vale, porque tem uma prestadora de serviços [a Samarco]. É fundamental que se tenha o que se chama cadeia de origem. A questão da sustentabilidade não é só de quem está entregando o produto lá na ponta. As responsabilidades são comuns. A lei vai observar o grau de responsabilidade de cada um.
P. Parece um pouco difícil isso passar no nosso Congresso…
O que aconteceu em Mariana é uma bomba relógio que nós temos no Brasil com várias outras represas de sedimentos
R. Eu não sei se é difícil, mas a nossa ideia é fazer por um projeto de iniciativa popular. Levantar esse debate para transformar crimes ambientais como esse em crime hediondo.
P. E o que achou da atuação da presidenta Dilma nesse caso?
R. Foi ineficiente. O Governo foi ineficiente, continua sendo ineficiente. E a ineficiência levado ao extremo pode parecer conivência. A ineficiência está nesse dramático caso, está em relação à dramática economia, à situação dramática da política, e também em relação à situação dramática da corrupção. Vi uma certa pessoa, por quem sempre nutri muito respeito, o ex-ministro de Educação [Renato Janine Ribeiro], cobrando que eu deveria me pronunciar. Me manifestei nos meios de que disponho para me manifestar, ele mesmo reconheceu depois. Obviamente que, sendo o partido dele [em referência ao PT, embora Janine não seja filiado] o partido que está há tantos anos no Governo; tendo a presidente República como ex-ministra de Minas e Energia, portanto responsável pela pasta da mineração, e como ex-chefe da Casa Civil; tendo nas mãos o Governo do Estado de Minas Gerais [em referência ao governador Fernando Pimentel, do PT]; tendo nas mãos o Ministério de Minas e Energia e a Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais, fazer a cobrança de que eu era que deveria dar a resposta pra isso? Talvez a sociedade possa fazer melhor julgamento do que significa esse tipo de cobrança.
P. Você falou em ineficiência do Governo. Acha que, diante dessa crise política, a Dilma consegue chegar ao fim do mandato?
R. A única coisa que eu sei é que nós não temos como continuar nessa crise generalizada. A presidente da República tem que tomar uma atitude. E tem que compreender que ela está muito fragilizada. É preciso criar um espaço de transição. A forma como nós vamos fazer isso é, primeiro, reconhecendo os erros. Segundo, tendo a humildade de saber que ninguém sozinho tem a resposta. Acho que a saída era caminhar em dois trilhos. O das investigações: total autonomia e apoio para que a Justiça faça o que é necessário e o país seja passado a limpo. E o do que é necessário para a nação, que tem que ser em cima de uma agenda que recupere a produtividade, que faça o país voltar a crescer, que não seja só o ajuste fiscal. É ajuste país. A primeira coisa que precisamos ajustar não são as estruturas, são as posturas. Tem sacrifícios? Tem. Nós estamos assim porque foram erros cometidos, escolhas erradas e espero que tenhamos aprendido que não se sacrifica uma nação por causa de uma eleição. Não se sacrifica um país por causa de um partido.
P. Você já se manifestou contrária ao processo de impeachment contra a presidenta. Mantém essa posição?
Eu nunca participei da bancada evangélica porque eu compreendo que quando você é eleito, você está eleito para representar os interesses de quem crê e de quem não crê
R. A ação política deveria ser toda voltada ao apoio às investigações, porque são das investigações que virão os materiais para que se possa tomar as decisões políticas. Eu tenho insistido que impeachment a gente não fabrica, ele se explicita. O pedido de afastamento do presidente da Câmara não foi algo fabricado, foi algo que se explicitou nos autos da investigação. O que aconteceu com o senador Delcídio não foi algo fabricado, se explicitou no processo de investigação. O Brasil vive um momento dramático. O presidente da Câmara está com uma representação no Conselho de Ética para ser afastado em função de graves comprovações feitas pelas autoridades de contas irregulares que ele tem fora do Brasil. Nós temos o presidente do Senado igualmente citado na Lava Jato. Temos os dois tesoureiros do partido do Governo presos, e temos agora o líder do Governo no Senado preso. Mas ao mesmo tempo temos algo promissor: que é o funcionamento das instituições, no que concerne o trabalho da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça. Então o Brasil vive uma situação difícil, mas ao mesmo tempo as instituições que estão funcionando. A coisa boa é que está chegando o tempo em que não haverá a certeza de impunidade pra quem quer que seja, de qualquer que seja a classe.
P. O seu partido é um dos autores da representação contra o Eduardo Cunha no Conselho de Ética. O que falta para ele sair? Você já criticou em outros momentos a postura da oposição…
R. Da oposição e do Governo. Parte da oposição e do Governo é que estavam obstruindo, e o próprio Governo continua obstruindo, a apreciação da representação feita pela Rede Sustentabilidade e pelo PSOL no Conselho de Ética. Se tem denúncias graves, se o presidente negou as denúncias, é preciso que ele comprove o que está dizendo. E se não comprova, obviamente, por tudo que está ali, não tem como não ser afastado.
Leituras de Marina Silva
Marina Silva, ao menos em público, é uma pessoa formal. Nas entrevistas que concede, mantém o script e raramente sai da personagem de política séria. Por isso, pouco se sabe sobre como ela é na intimidade. "Que livros você têm lido ultimamente"?, indago, para surpresa da ex-ministra, que reage como se tivesse sido questionada sobre algo muito particular.
Formada em história, com especializações em psicanálise e pedagogia, ela tem a literatura como principal hobby, já que assiste pouco à TV. "Me organizo para conseguir ver o noticiário".
A vida na estrada também lhe tira o tempo para ouvir as músicas de que gosta —suas favoritas são Sorte, de Gal Costa, "tem um significado especial pra mim", e Aleluia, de Handel. Sendo "extremamente alérgica", ela explica que é avessa ao uso de fones de ouvido. "Fico com as orelhas em chamas", responde entre risos ao ser questionada sobre o acessório, quebrando por alguns instantes o gelo da conversa. Assim, explica, são os livros seus grandes companheiros. Abaixo, alguns títulos recomendados por ela.
- O Ambiente na Encruzilhada, Vioriato Soromenho Marques.
- Em Busca da Política, de Zygmunt Bauman também.
- A Condição Humana, de Hannah Arendt.
- A Bíblia. "É um livro muito relevante pra mim", diz.
- Os livros do professor Henry Mintzberg, que "têm muito do que eu venho pensando nos últimos 20 anos".
P. A saída do Eduardo Cunha da presidência da Câmara é uma das maiores pautas dos recentes protestos das mulheres no Brasil. Qual a sua opinião sobre a primavera feminista e, mais especificamente, sobre o projeto de lei 5069, que é outro tema em discussão?
R. Num país em que há respeito às diversidades há que pensar em como você entende as diferentes causas sem o viés de satanizar quem quer que seja. Existe a agenda da luta das mulheres que têm uma compreensão a determinadas questões e têm o direito de se manifestar, obviamente. No que concerne à questão do aborto, todo mundo no Brasil sabe que eu tenho uma posição não favorável. Mas esse é um debate que precisa ser feito não da forma de satanização de quem quer que seja, mas do ponto de vista de quais são os elementos que podem ser trazidos para o debate em que aqueles que são a favor e aqueles que são contra não trabalhem a questão puramente da rotulagem um do outro. É por isso que eu tenho defendido, desde sempre, que a gente possa levar essa questão para um plebiscito.
P. Mas e especificamente sobre essa mudança na lei que está sendo proposta na Câmara, o PL 5069?
R. Talvez a Câmara não tenha dado o devido espaço e tempo para que a sociedade possa maturar essa questão. Eu defendo que se leve a discussão para um âmbito mais geral no seio da sociedade antes de ter uma atitude apressada de aprovação ou de não aprovação. Isso não foi debatido adequadamente.
P. Desculpe insistir, mas pra mim não ficou claro ainda. Você é a favor ou contra a mudança proposta pelo PL 5069?
R. Eu não conheço o conjunto da obra, eu não estou acompanhando o debate… Eu conversei rapidamente com o Molon [Alessandro Molon, deputado federal pela Rede-RJ] sobre isso, trocamos algumas ideias, ele está bem mais inteirado que eu. Enfim, não estou participando do dia a a dia do debate no Congresso Nacional.
P. Essa discussão também colocou em evidência a atuação da bancada evangélica. Você, que é evangélica, considera legítimo existir no Brasil, onde o Estado é laico, uma bancada na qual os deputados recorram à fé como bandeira?
O Governo foi ineficiente, continua sendo ineficiente em relação à Mariana. E a ineficiência levado ao extremo pode parecer conivência
R. Olha, nós temos um Estado laico. E num Estado laico ele não pode ser dominado por questões de cunho religioso. Agora, há que se perceber que Estado laico não é Estado ateu. O Estado laico assegura o direito de liberdade religiosa ou de não ter nenhuma crença. O direito à liberdade de expressão de quaisquer que seja o grupo, obviamente dentro dos marcos da Constituição. Eu nunca participei da bancada evangélica. Sempre tive uma compreensão de que seja evangélico, seja católico, espírita, judeu ou ateu nós estamos ali como pessoas que, ainda que ninguém vá fazer uma assepsia do que se é, você não tem a necessidade de trabalhar de acordo com uma segmentação. Mas dentro de um Estado democrático, se não há uma proibição legal, as pessoas têm o direito de se articular do jeito que elas compreendem. Eu nunca participei porque eu compreendo que quando você é eleito, você está lá para representar os interesses de todas as pessoas, de quem crê e de quem não crê. E a melhor forma de fazer isso é não se colocando em nenhum tipo de caixinha. Mas se colocando como um parlamentar que está ali para defender os direitos da sociedade brasileira.
P. Você se considera feminista?
R. Eu não gosto de me rotular. Eu defendo os interesses do feminino. As mulheres têm uma grande contribuição a aportar na sociedade. A humanidade caminhou manca até aqui se firmando apenas na perna do masculino. Eu me considero alguém que defende os valores do feminino para que a civilização possa caminhar sobre as duas pernas. E caminhar sobre as duas pernas não significa diluir as diferenças nem tampouco homogeneizar os sonhos.
P. E sobre 2018: será novamente candidata à Presidência?
R. Acho que num momento como esse tudo o que a sociedade menos precisa é que a gente pense em 2018. Não é o momento de aprofundar isso que lamentavelmente aconteceu no Brasil nas últimas eleições, de cindir o país como se ele fosse dois brasis. É o momento de se debruçar sobre a crise para encontrar uma resposta.
A Rede é um experimento, da mesma forma como é o Podemos, o Partido do Homem Comum, o La Red. No meu entendimento, ainda não é a resposta
P. Quais os planos da Rede para as eleições de 2016?
R. Nós somos um partido pequeno, temos uma escolha programática, tanto é que temos apenas cinco deputados, porque escolhemos não inchar o partido. Da mesma forma como estão acontecendo vários experimentos no mundo, iniciativas que tentam atualizar a política na visão, nos processos e nas estruturas, como o Podemos, na Espanha, o Partido do Homem Comum, na Índia, o La Red, na Argentina, e inúmeros outros que surgiram na Itália… No Brasil, nós temos a Rede e outras iniciativas em curso, como é o caso do Raiz [articulado por dissidentes da Rede], que tem a ajuda até da deputada Luiza Erundina. Estamos saindo da era do ativismo dirigido, comandado pelos partidos e etc., para o ativismo autoral, que é o das pessoas. A Rede é um esforço em tentar dialogar com uma borda que está se descolando de um núcleo estagnado. Estamos vivendo mais que uma crise na política: estamos vivendo uma crise da política. E nós não conseguimos ainda compreender o que está em estado de latência que possa ressignificá-la. A Rede é um experimento. No meu entendimento, ainda não é a resposta. Vai ser necessariamente um processo de transição. E a questão eleitoral é apenas uma das que isso envolve.
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