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Famílias mexicanas violam a lei para conseguir maconha medicinal

Famílias de crianças com epilepsia contrabandeiam xarope de cannabis Justiça só permite o remédio a uma família, enquanto senado debate uma reforma legal

Pablo Ferri
A mãe de Graciela Elizalde dá o remédio a sua filha.
A mãe de Graciela Elizalde dá o remédio a sua filha.REUTERS

O homem atende o telefone, estamos no meio da tarde. Cumprimenta, se apresenta e diz que sabia que iam ligar para falar da maconha. Está em Chicago e conta o caso de sua filha, que vive em uma cidade em Guerrero, México. “Minha filha sofre de epilepsia, tem convulsões”, diz. “Fazia tempo que não tinha, mas quando tem são muito feias, termina muito cansada. Vivo aqui há sete ou oito anos, trabalhando como soldador. Ela tem nove. Um dia, a mãe da minha filha viu o Raúl (o pai de outra menina doente com epilepsia) na TV falando sobre o xarope de maconha. Gravou e me enviou o vídeo. Aí comecei a me informar e finalmente consegui o xarope. Vai chegar esta semana a Guerrero”.

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O México está atrás da maconha. Há duas semanas, a Suprema Corte permitiu que uma associação cultivasse suas próprias plantas para uso recreativo. Quase ao mesmo tempo, o país testemunhava como uma família de Monterrey, os Elizalde Benavides, obtinha permissão especial de um juiz para importar um xarope feito com maconha. A filha mais velha, Graciela, sofre de síndrome Lennox-Gastaut, um tipo especialmente agressivo de epilepsia. A menina tinha convulsões mais de 400 vezes por dia quando começou a tomar o xarope em outubro. De acordo com Raúl, seu pai, as crises diminuíram 15% em apenas um mês.

Quando viu o vídeo de Raúl, o homem de Chicago, que prefere esconder seu nome para evitar problemas legais, também queria o xarope, mas topou com a lei: a permissão da família Elizalde não significa que outros afetados possam usá-lo. É uma exceção à proibição de importar medicamentos elaborados com cannabis.

Em uma reunião de famílias de pacientes com epilepsia há duas semanas na Cidade do México, Raúl observou a incongruência: “aqueles que trouxerem o xarope para seus filhos sem a permissão podem estar cometendo um delito de corrupção de menores”. Para a lei, os pais que conseguem o xarope de maconha estão, na verdade, drogando seus filhos.

“É arriscado, acho”, diz o pai da menina Guerrero, “mas não me dão outra solução para a doença dela. É a única maneira: temos que cuidar de nossos filhos. Além disso, pelo que sei, o xarope não tem contraindicações. As pessoas na loja onde comprei me disseram quanto tínhamos que dar. Depende do peso, da idade...”.

De Colorado

O homem comprou um frasco do mesmo xarope que toma a menina de Monterrey. Ligou a um ambulatório no Colorado e fez o pedido. Custou 250 dólares. Mandou a Guerrero, diz, com alguns conhecidos.

Não é um caso único. Um casal vivendo na Cidade do México contava na semana passada que já tinham pensado em fazer isso, trazer o xarope de contrabando. Sua filha mais velha, de dois anos de idade, sofre da síndrome de Ohtahara, um tipo de epilepsia também bastante agressivo. Eles sabem que o Senado está estudando uma iniciativa para reformar várias leis que, na prática, permitiria que todos importassem o xarope sem problemas. Mas ignoram quanto vai demorar para ser aprovada. A equipe da senadora Cristina Díaz, do PRI, titular da iniciativa, acredita que isso não vai acontecer antes de meados de fevereiro. Enquanto isso, os pacientes e suas famílias estão desesperadas.

A família que mora na capital, que também prefere esconder sua identidade, tentou de tudo para evitar as crises de sua filha. O pai contou, por exemplo, que em sua frustração encontraram uma pessoa que tinha feito um xarope de maconha caseiro. Quando soube do caso de sua filha, entregou para que provassem. “O problema”, disse o pai, “é que não tinham tirado o THC; ou seja, continha CBD e THC... Testei primeiro para ver e viajei”.

Essa mistura de siglas corresponde aos nomes de dois canabinoides, dois componentes da maconha. O THC é o principal psicoativo da planta, praticamente ausente do xarope que todos querem. O CDB é o que precisam os doentes de epilepsia, abundante no remédio das meninas de Monterrey e Guerrero.

E há mais, pelo menos outra família na capital e duas em Monterrey têm ou encomendaram xarope sem permissão. Trazem para o México de contrabando sabendo o risco envolvido, convencidos de que estão respaldados pelo caso da menina de Monterrey.

Uma reforma descafeinada

Quando a senadora Cristina Díaz apresentou sua iniciativa, há duas semanas, insistiu muito que é importante “importar os remédios”. Sua equipe e os grupos sociais que promovem as mudanças são otimistas: mesmo que demore um pouco, será aprovada. A primeira fase da reforma passa por retocar as leis de saúde e importação e exportação, que é mais fácil. A segunda parte, montar “uma estrutura legal” que permita a produção de maconha no México para fins científicos, parece complicada. “Na iniciativa original,” disse na semana passada uma pessoa familiarizada próxima à senadora, “a produção era igualmente importante, mas o PRI disse que permitir a produção, mesmo para fins científicos, abre a porta para a autoprodução e o autoconsumo”.

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