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O espanhol que morreu no ataque no Bataclan e ressuscitou no Facebook

Alberto Pardo ligou para sua casa anunciando que continuava vivo, apesar de ter sido incluído na lista oficial de mortos nos atentados de Paris

Foto de Alberto Pardo em seu perfil da rede social.Foto: atlas | Vídeo: Facebook

No começo da tarde deste domingo, Alberto Pardo se conectou à Internet e leu a notícia de sua própria morte. Abriu o Facebook e notou que havia um número excepcional de mensagens no seu mural. “Sempre nos lembraremos de você, Alberto”, diziam alguns. “Descanse em paz”, escreviam outros.

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Cansado de não encontrar trabalho, Alberto havia saído de casa em 2012, farto da crise econômica espanhola e indignado com os políticos do país. Foi com a roupa do corpo. Saiu de Pontevedra (noroeste da Espanha) de bicicleta e só parou de pedalar quando chegou à França. Em Limoges, trabalhou numa loja de roupas; em Estrasburgo, onde vivia com sua namorada francesa, arrumou bicos como intérprete em um navio turístico.

Neste domingo, após receber as condolências pela própria morte, Alberto Pardo, de 33 anos, ficou sabendo pelo EL PAÍS que era oficialmente, com base nas informações das autoridades francesas, um dos mortos no atentado do Estado Islâmico em Paris. Durante várias horas, a imprensa espanhola noticiou a morte de Alberto Pardo e saiu à procura de dados para o seu obituário. Só que Pardo não saiu de Estrasburgo no fim de semana do ataque. No entanto, seu nome, seus dois sobrenomes e sua cidade de origem, Pontevedra, não deixavam lugar a dúvida: ele estava sendo enterrado.

O dia mais triste e mais feliz da vida dos pais de Alberto começou bem cedo, com um telefonema para a casa da mãe dele. Uma familiar havia escutado no rádio que o número de vítimas espanholas em Paris havia aumentado, e que entre elas se encontrava Alberto Pardo Touceda. Essa mulher ligou para Pilar Touceda, a mãe de Alberto, e escutou do outro lado da linha a voz habitualmente tranquila dessa mulher. Ela não sabia nada. A interlocutora levou a conversação para os atentados de Paris.

"Eu vejo a mim mesmo nestes momentos e diria que estou vivo… Mas se vocês continuarem escrevendo coisas tão bonitas sobre mim talvez eu tenha de morrer para não deixá-los mal…"

– Você sabe alguma coisa do Alberto?

– Bom, está bem. Ele está em Estrasburgo.

A mulher não disse nada mais. Poucos minutos depois, tocou o interfone, e dois agentes à paisana se apresentaram na porta do apartamento. Pediram a Pilar Touceda que se sentasse, e então comunicaram que seu filho Alberto Pardo havia falecido em Paris. Alberto estava, segundo eles, entre as vítimas da sala Bataclan. Deram-lhe os pêsames e se colocaram à disposição. Logo parentes e amigos começaram a chegar à casa de Pilar Touceda.

Em 30 de abril deste ano, Alberto Pardo escreveu no Facebook: “Não dou muitos sinais de vida, é verdade. Acho chato me conectar no Facebook, porque começo a ver fotos e tal, e a morriña [saudade, em idioma galego] se desperta (…). Além do mais, não gosto do Facebook em geral. Mas faz falta”. Sete meses depois, essa rede social serviria para Alberto Pardo anunciar que está vivo.

A primeira comunicação de Alberto após a notícia da sua morte foi via Facebook. Ele escreveu: “Sei lá... Eu vejo a mim mesmo nestes momentos e diria que estou vivo… Mas se vocês continuarem escrevendo coisas tão bonitas sobre mim talvez eu tenha de morrer para não deixá-los mal… Além do mais, se o EL PAÍS está dizendo deve ser verdade”. E seguia nos comentários: “Puxa, que pressão precisar desmentir sua própria morte, pensei em alguma brincadeira que marcasse o momento para sempre, mas acho que livrá-los dessa sensação de merda o antes possível era prioritário”. Entre os comentários apareceu o de uma prima dele, Lucía, pedindo-lhe que ligasse imediatamente para a mãe.

– Vocês acreditaram?

– Você nem sabe o que pensar. Todo mundo falou: a polícia, o Governo. O nome dele estava na lista oficial. Precisávamos falar com ele.

Lucía estava com Pilar, a mãe de Alberto. Com elas, em um domicílio no centro de Pontevedra, guardavam luto os padrinhos de Alberto e outras duas amigas da sua mãe.

Quando Lucía entrou no Facebook e encontrou a mensagem de seu primo, levantou a cabeça do celular. “Tenho algo a lhes dizer. Antes aviso que alguém pode ter pegado o telefone de Alberto e escrito na conta dele. Mas ele publicou que está vivo, e parece ele”. O que seguiu a essa última frase foram momentos de incredulidade e emoção. Pilar quis escutar seu filho para acreditar. E em três ou quatro minutos seu telefone começou a tocar.

Era Alberto. Estava bem, não tinha ido a Paris, não tinha saído de Estrasburgo. Pediu desculpas porque seu telefone estava desligado e fora da área de cobertura. Pediu que sua família ficasse tranquila. Pretendia voltar no Natal, mas anteciparia a viagem para se encontrar com eles. Logo em seguida telefonaria para o consulado avisando que não estava morto. E especulava que o erro podia ter acontecido por causa do roubo da sua carteira de identidade anos antes, algo que havia denunciado na delegacia de polícia.

Os pais de Alberto são separados. Laureano Pardo, o pai, estava em casa em companhia de familiares próximos e alguns amigos. Um desses amigos foi quem atendeu ao telefone de Laureano quando começou a tocar.

– Passe ao Nano, por favor. Alberto está vivo.

– Quem é você? Nano está descansando. Não brinque com essas coisas.

Não foi fácil convencê-lo. Finalmente, Laureano Pardo pegou o telefone. Também teve dúvidas. Na casa dos Touceda, aproximaram o telefone da mãe de Alberto, no qual ele estava na linha, e após juntar os dois aparelhos o pai conseguiu falar com ele.

Seis horas mais tarde, Alberto Pardo estava esgotado e com vontade de que tudo fosse esquecido o quanto antes. Recebeu a notícia com humor, mas compreendeu ao longo do dia que não havia nada de engraçado em um atentado terrorista e em um mal-entendido que abalou sua família e a deixou em estado de choque por várias horas. Apagou uma foto que subiu fazendo graça de sua morte e as mensagens de condolências escritas em seu mural.

Pilar, depois de falar com ele, disse: “Estou desfazendo o enterro do meu filho”.

E era verdade, literalmente. Precisou telefonar para a seguradora La Fe para cancelar a expatriação do cadáver, os anúncios fúnebres nos jornais, o caixão e o funeral como um todo. Um amigo da família se perguntava se havia um cadáver atribuído a Alberto Pardo preparado para ser enviado à Espanha. E que família poderia viver o processo inverso do que viveram os Pardo Touceda.

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