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A surpreendente ‘decepção’ do casal gay alemão que alojou 24 refugiados

Mensagem lamenta, ironicamente, que os refugiados não combinem com os estereótipos

Héctor Llanos Martínez

Dirk Voltz e seu namorado são um casal alemão que acompanhava de sua casa as notícias sobre o drama dos refugiados e um dia decidiu fazer algo a respeito. Depois de abrigar em casa, desde julho, 24 pessoas do Iraque, Afeganistão e Síria – e de conhecer suas histórias –, na terça-feira à noite Dirk decidiu compartilhar sua experiência em seu mural do Facebook. Com certa ironia, expressou sua “decepção” ao comprovar que todos seus estereótipos sobre esses cidadãos caíam por terra. Os mais de 4.000 compartilhamentos e a repercussão na mídia, primeiro na imprensa alemã, serviram para viralizar sua mensagem de tolerância.

“Convivemos com muçulmanos e em casa não se usou uma faca para nada além de cortar cebolas e carne”, diz sua mensagem. “Nenhum nos insultou por sermos dois homens compartilhando uma cama.” Voltz afirmou ao EL PAÍS estar surpreso com a “enorme e repentina atenção" que despertou sua publicação, na qual reconhece que os últimos meses mudaram a vida do casal. “Vocês podem ajudar os outros. Ou simplesmente podem continuar tendo medo. (…) Sinto pena daqueles que vivem instalados no medo”, conclui a mensagem.

Diante de mais uma dessas notícias que mostram o drama da crise dos refugiados, o alemão ficou pensando: “Se algo assim estivesse acontecendo comigo, o que eu esperaria que ocorresse?”, lembra ele ao EL PAÍS. Outro impulso foi o que o fez divulgar sua experiência no Facebook, ao sentir a necessidade de “compartilhar algo positivo em meio a todo o ressentimento e o medo indeterminado espalhado por alguns meios de comunicação”.

Gerade in schlechten Zeiten sollte man die eigene Bilanz prüfen. Meine schaut so aus: Seit Juli rund 24 Leute aus... Posted by Dirk Voltz on lunes, 2 de noviembre de 2015

O casal oferece sua casa por meio do grupo do Facebook Place4refugees, uma iniciativa privada que conecta refugiados e voluntários. Em geral, os convidados permanecem poucos dias, embora alguns fiquem por uma temporada um pouco mais longa, segundo suas necessidades, explicam Safaa e Mohammed AbuJarour, o casal palestino que organiza esse grupo de apoio. Por isso Voltz abrigou 24 pessoas nos últimos meses.

Embora a ironia não seja algo que se entenda de imediato nas redes sociais, Voltz considera que foi precisamente a forma meio ácida de abordar o tema o que chamou a atenção dos usuários. “Afinal, o exagero é um recurso muito gráfico”, diz. Atualmente, seu namorado e ele estão descansando do papel de anfitriões, mas voltarão a alojar pessoas necessitadas no fim deste mês. Nos últimos meses, o único grande problema que tiveram de enfrentar foi a escassez de sal e açúcar na despensa, diz Voltz em tom de brincadeira em seu texto original. Ele também menciona ameaças na rua e cartas desagradáveis deixadas na porta de casa por pessoas que não entendem sua forma de agir, embora nunca tenham pensado em chamar a polícia por causa desses episódios, comenta.

Desde que começou a acolher refugiados, o casal aprendeu que “ajudar não é tão complicado”. E pôde comprovar que seus convidados, embora lamentem ter deixado seus países, “estão contentes por haver escapado do inferno e porque a Alemanha, ou melhor, os cidadãos alemães, fizeram com que se sentissem bem-vindos”.

A nuance que Voltz faz sobre os cidadãos de seu país é importante. A relação do Governo alemão e de sua chanceler (primeira-ministra) Angela Merkel com todos os assuntos relacionados à imigração pode ser definida como hipersensível – qualquer coisa que se diga ou se faça a respeito pode causar polêmica. Foi o que ocorreu em 2010 com sua já célebre frase “Multikulti ist tot” (“a multiculturalidade está morta”), repetida pouco depois por Nicolas Sarkozy na França e David Cameron no Reino Unido.

Também causou polêmica a interação, em julho, com uma adolescente palestina, que terminou chorando quando a líder alemã lhe disse em público que seu sonho de ficar na Alemanha para estudar era complicado, porque muitos refugiados seriam expulsos. A torpe carícia de Merkel originou uma hashtag, #merkelstreichelt (Merkel acaricia), que se transformou em um dos assuntos mais discutidos no Twitter naquela ocasião. Horas depois da polêmica, as autoridades permitiram que a protagonista dessas imagens virais, Reem Sahwil,e sua família permanecessem na Alemanha.

Mas essa má fama se estende também a alguns cidadãos. A recente reação do fotógrafo alemão Olli Waldhauer, que pediu que o Facebook seja mais rígido com os comentários xenófobos, também se viralizou. Perguntamos a Dirk Voltz: será que esta onda de solidariedade alemã é uma resposta à má fama de seu Governo e de parte de sua população em assuntos de imigração? Ele respondeu com outra pergunta. “Por que não vemos ou por que não é notícia a solidariedade de outros países europeus em relação a esse tema? Talvez não saibamos disso, mas tenho certeza de que há mãos amigas em todos os lados”, assinalou.

O alemão voltou a publicar uma mensagem no Facebook, desta vez em inglês, para agradecer pelas reações a seu texto. “Eu simplesmente precisava transmitir um grande OBRIGADO a todos. Sempre soubemos que há muita gente muito preocupada com esta situação que estamos enfrentando neste momento. Continuo ficando emocionado ao ler uma resposta tão positiva de todas as partes do mundo (que louco). Vocês são uma prova de que há humanidade. Assim, há esperança”, diz Voltz.

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