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O realismo social do argentino Pablo Trapero

Prêmio em Veneza consolido o diretor argentino de ‘O Clã’, que estreia no Brasil

Álex Vicente

Retornar ao Lido foi uma maneira de fechar o círculo. Há 16 anos, Pablo Trapero (San Justo, Argentina, 1971) apresentou seu primeiro longa-metragem, Mundo Grúa, em uma sessão paralela da Mostra de Veneza. Desde então, o cineasta construiu uma carreira sólida até alcançar a consagração com O Clã, que estreia nesta semana nos cinemas brasileiros, onde reconstrói a história real de uma família que realizou sequestros e execuções no começo dos anos 80. O líder do clã era Arquímedes Puccio, um economista e ex-diplomata dos serviços secretos que escolheu como vítimas os ricos amigos de um de seus filhos, estrela do rúgbi.

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Durante sua ascensão, Trapero contou com o apoio dos grandes festivais europeus, nos quais é presença constante há mais de uma década. O Leão de Prata de melhor diretor, entretanto, que a Mostra o concedeu em setembro por O Clã, é o primeiro prêmio de envergadura que ele conquista. O diretor interpreta esse fato como uma entrada definitiva na primeira divisão do cinema? “Os prêmios ajudam muito, mas são os filmes que devem fazer esse trabalho. Ganhar em Veneza é importante e inesquecível, mas acredito muito no poder dos filmes”, explica Trapero, com surpreendente moderação, pouco depois de levar o prêmio.

Por outro lado, o diretor considera que a premiação tem uma dimensão simbólica, ao reconhecer o bom estado de saúde do cinema latino-americano. Para Trapero, essa dupla vitória demonstra que não é um fenômeno passageiro. “Nossos filmes não são acidentes. Estamos fazendo um cinema para públicos diversos, nos festivais e nas salas, com filmes que conseguem cruzar países e até oceanos. Os prêmios conquistados em Veneza demonstram que esse cinema é uma realidade”.

O nome de Trapero começou a aparecer nos finais dos anos noventa como integrante de uma geração de jovens cineastas argentinos que fascinaram o velho continente por outra coisa que não o Corralito (retenção de depósitos bancários), como Lucrecia Martel, Martin Rejtman e Adrián Caetano. A maioria daqueles jovens e promissores diretores acabou tendo carreiras desiguais e até mesmo desapareceu do mapa. Trapero, pelo contrário, foi melhorando em cada filme, em uma trajetória ascendente que inclui títulos como Do Outro Lado da Lei, Família Rodante, Leonera, Abutres e Elefante Branco. Com cada um deles, foi aperfeiçoando uma estimulante mescla de retrato social e cinema de gênero, sempre com rigor e espírito crítico. “O cinema, por natureza, tem a capacidade de nos emocionar e até de nos modificar. É entretenimento, mas também reflexão”, afirma.

O prêmio obtido em Veneza certifica sua capacidade para a criação das cenas. Em O Clã, Trapero alterna o costumeiro retrato da família protagonista com uma coreografia de perseguições, sequestros e assassinatos, demonstrando um fascínio pelos personagens malvados que não está isento de condenação moral, e que aproxima o filme do cinema de Martin Scorsese. “Receber o prêmio de diretor é incrível, porque é um reconhecimento pessoal que me emociona e me alegra. Mas o trabalho de um diretor só é bom quando sua equipe também é”, disse Trapero, que rodou o filme com o grande ator cômico Guillermo Francella, em uma acentuada mudança de padrão. Além dele, o elenco conta com o ator e cantor Peter Lanzani, ídolo adolescente e namorado de Martina Stoessel, protagonista da telenovela Violetta.

Trapero também espera que o sucesso do cinema latino-americano coloque fim à atitude paternalista que, frequentemente, é demonstrada na Europa pelas cinematografias com menos tradição. “A melhor forma de combater esse tipo de atitude, que não interessa ao cinema e a ninguém, é realizando bons filmes e deixar que falem por si”, finaliza.

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