_
_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Domingo, um dia fútil

Todos, oposição e Governo, cometeram o mesmo erro: investiram tudo na manutenção do cargo. E dispensaram a função

A essa altura você já viu tudo dos protestos de domingo. A Paulista lotada, o patriotismo padrão FIFA, as selfies com a PM, a beatificação de Sérgio Moro, a excomungação de Janot, memes de faixas em inglês capenga, outros de faixas em português capenga, o uso ad nauseum do termo coxinha, a cobertura quase carnavalesca da Globonews, a semiapocalíptica dos independentes.

O protesto teve de tudo um muito. Menos novidade. Não fosse por um aspecto, esse sim inédito, nessa modalidade de manifestação: sua recém-adquirida futilidade. E não por falta de camisas da CBF, carros de som ou respaldo demográfico. O problema é que, apesar do foco, a turma parece não enxergar muito bem. Ou não conseguir observar as entrelinhas das notícias acima de seus comentários nos portais. E surdos nas exclamações, não tiveram como perceber, assimilar ou admitir a própria vitória nas últimas semanas. As pautas estruturais da esquerda, a agenda de movimentos sociais, o poder de Dilma como eleita e do PT como partido, o próprio Zé Dirceu... tudo esfacelado. Joaquim Levy de Armínio Fraga só não tem o nome. Tomando como base a política econômica, onde os cortes estão sendo feitos, que direitos estão na bandeja, alguém diria que está sendo implantado o programa de governo do Aécio Neves.

Mais informações
As caras dos protestos anti-Dilma
PT: de mais amado a mais odiado
Movimento Brasil Livre: “Dilma deve cair até o final do ano”
Uma Dilma frágil encara outra vez a prova de fogo das manifestações
Você vai ou não vai à manifestação deste domingo contra Dilma e o PT?
Manifestantes voltam às ruas para pedir saída de Dilma de ‘qualquer jeito’
Manifestantes da Paulista confiam mais em Bolsonaro que em Marina Silva
Sem apoio da oposição, MBL pede impeachment de Dilma em Brasília
Grito de ‘impeachment’ volta a assombrar a política brasileira

Só que a turma no domingo, apesar do pique folião, não estava feliz. Pois no fundo não queria um programa. Queria mesmo é sangue, cadeia... IMPEACHMENT! E foi essa obsessão que cuidou não de derrubar, mas de deixar o Governo oco. Pois a histriônica ameaça que abarrotou ruas, editoriais e discursos de plenário contaminou não só o debate. Mas a própria base do PT e os grupos que dele dependem. E todos, oposição e Governo, cometeram o mesmo erro: investiram tudo na manutenção do cargo. E dispensaram a função.

Foi essa dinâmica, aditivada pelas espontâneas ruas anti-Dilma, que deu o impulso para uma ampla pauta conservadora avançar sobre um Governo sem ideias e sobre os militantes de uma esquerda sem libido. E assumir a função sem precisar do cargo sempre foi o lugar favorito da direita pragmática. Aquela que ama ser base. Que sempre justificou todo tipo de fisiologismo, que sempre demoliu toda integridade alheia propondo a irrecusável governabilidade. Foi assim que, gastando toda sua força para desarmar um impeachment, o Planalto abraçou contente o programa de Renan Calheiros. E acabou permitindo, sem resistência sequer retórica, o deslocamento do centro político para a direita.

Se a Pax Brasiliense for selada nessa ultraliberal Agenda Brasil, se esse pacote se tornar o novo normal, o impeachment vai se tornar – assim como seu mestre-sala Eduardo Cunha – dispensável, indesejável até para uma elite econômica, midiática e política. Eis então a trágica ironia. Essa direita sem teto vai seguir como ontem, empoderada no papel vítima do PT, cafona e tétrica, zanzando pelo Brasil em busca de alguém pra chamar de seu. E a esquerda que se ofereceu para, mais uma vez, blindar o Governo no dia 20, vai dar um jeito de cantar vitória, de bucho cheio por ter jantado coxinhas. E vai bradar que não teve golpe como se vitória fosse. Só não vai perceber, ou admitir, que foi ela que, ao defender o cargo e não a agenda, comprou a rifa do impeachment e liberou a rampa para a direita que de fato opera o país. Aquela que não faz questão do cargo. Só não dispensa o poder. E que segue nos lembrando, como por toda nossa república, que Governo estável não é Governo eleito. Mas Governo obediente.

Bruno Torturra é jornalista, editor do Estúdio Fluxo, e foi um dos principais ativistas dos protestos de junho de 2013.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_