Denúncias contra Cunha embaralham a crise política brasileira
Presidente da Câmara divide atenções com o PT na investigação da Lava Jato Tabuleiro político se reacomoda com tática de “cada um por si”, segundo analistas
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, entrou de vez para o olho do furacão político brasileiro nesta quinta-feira, horas depois de afirmar que se o Brasil vivesse o parlamentarismo “esta crise não existiria”. A aposta de que deputados mais fortes seriam a panaceia para o curto circuito em que o país se encontra caiu por terra com as revelações do consultor Júlio Camargo ao juiz Sergio Moro. Camargo relatou a pressão de Cunha para receber 5 milhões de dólares em véspera de campanha.
As palavras contundentes do consultor revelam que Cunha deve muitas explicações. Segundo ele, o presidente da Câmara se disse “merecedor de 5 milhões de dólares” dos 10 milhões que Camargo devia a Fernando Soares, o Baiano, apontado como operador do PMDB no esquema de corrupção da Petrobras. Mais ainda, insinuou que houve intimidação da parte dele pois teria 260 parlamentares em seu nome.
O vazamento da delação de Julio Camargo vem embaralhar a crise, revelando que o peso da investigação da Lava Jato começou a ser repartido. Até então, os petistas argumentavam que o juiz Sergio Moro só mantinha a sua mira contra os petistas. Agora, um tiro de canhão acerta o centro do poder Legislativo. “O 'parlamentarismo' de Cunha acabou e ele vai desidratar”, prevê o cientista político Rudá Ricci.
Há quem questione essa tese. Cunha ainda tem poder para acender o rastilho de pólvora do processo de impeachment da presidenta Dilma no Congresso, se estiver no cargo quando o recesso parlamentar terminar em agosto. Nesta sexta, último dia trabalho, ele deu início a sua artilharia horas depois de anunciar que romperia com a mandatária. Autorizou a instauração de quatro Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), sendo que duas delas servirão para desgastar ainda mais o Governo: uma que investiga os empréstimos do BNDES, e outra sobre irregularidades de fundos de pensão estatais.
Pelo sim pelo não, o fato é que o todo poderoso do Congresso assume, mesmo que temporariamente, o protagonismo da crise política. Ele, que disse em março ao EL PAÍS que “a corrupção está no Governo, não no Parlamento”, fica sob suspeita. Sangrando ou atirando, Cunha passa a dividir o ônus da crise, que, até então, estava monotemática, com os ataques diários ao Governo Dilma e ao PT, que ajudaram a derrubar a popularidade da mandatária a 9%. Esse quadro gerou uma falsa sensação de segurança para os 47 políticos que estão na lista de investigados da Lava Jato, divulgada em março deste ano, às vésperas do primeiro panelaço contra Dilma Rousseff.
De lá para cá, ela apanhou mais do que nunca, gerando uma espécie de amnésia coletiva de que outros nomes estavam na mira de Sergio Moro. Cunha não deve ser o único exposto em praça pública pela Operação Lava Jato, lembram observadores do Planalto. Detalhes de outros nomes graúdos envolvidos em movimentações suspeitas devem vir a público, chacoalhando ainda mais a República. Independentemente do partido.
Analistas apontam que Brasília vive um clima generalizado de “cada um por si”, num rearranjo do xadrez eleitoral muito mais profundo do que aparenta. Lula e Dilma, por exemplo, já estariam definitivamente em trincheiras opostas para salvar o respectivo capital político. A mandatária estaria disposta a deixar o barco correr, e até a desembarcar do PT, se necessário, para salvar sua biografia. “O que me preocupa é o que meu neto [Gabriel] vai ler sobre mim no futuro”, teria dito ela a um assessor nos últimos dias.
Alguns personagens passaram a suavizar posições diante da mudança de cenário. É o caso do senador tucano Aloysio Nunes, que disse ver pouco em comum entre Dilma e o senador e ex-presidente Fernando Collor quando o assunto é impeachment. “Collor era um político sozinho, sem partido, e teve um comportamento pessoal chocante como presidente. Era um personagem burlesco no poder. Dilma tem respeitabilidade pessoal, tem um partido e tem o apoio de movimentos sociais”, afirmou ele à Folha de S.Paulo nesta terça. Sua posição mais amena sobre a presidenta chamou a atenção por ter sido ele um dos primeiros a defender, com veemência, que Dilma deveria “sangrar” até 2018.
Mas o estado geral de quem acompanha de perto a classe política é de enorme apreensão. “Estão todos vulneráveis”, diz Ricci. O pânico atende pelo nome “Lava Jato”. “Trata-se de uma nuvem fora do controle desses indivíduos e do Governo”, afirma o analista político Thiago de Aragão. Segundo ele, os representantes do poder tinham certeza de que o período de denúncias ocorreria em dezembro. Mas, as buscas e apreensões na casa dos senadores Fernando Collor e Fernando Bezerra nesta semana pegou Brasília de surpresa. “Quebrou o planejamento geral”, avalia Aragão.
Agora, o Brasil parece governado por instituições que estão se colocando em primeiro plano, como é o caso do Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas da União, e até o Executivo defendido não por Dilma, que fraqueja com seus 9%, mas por Michel Temer, que será testado no cargo, negociando com a presidenta e com Cunha. Ninguém pode ter certezas absolutas daqui em diante sobre o futuro político do Brasil. Apenas, que de monotonia o país não vai padecer.
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