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Eduardo Cunha vai do céu ao inferno após seis meses ‘governando’ o Brasil

Prestes a completar seis meses à frente da Câmara, deputado se fragiliza com denúncias

Gil Alessi
Cunha atraiu bancadas conservadoras da Câmara.
Cunha atraiu bancadas conservadoras da Câmara.Alex Ferreira (Ag. Câmara)

De primeiro ministro do Brasil a acusado de ser chantagista de empresa fornecedora da Petrobras. Provavelmente não foi dessa maneira que Eduardo Cunha (PMDB-RJ) gostaria de ter comemorado o final de seu primeiro semestre na liderança da Câmara. Pouco mais de 24 horas depois do delator Júlio Camargo ter acusado o peemedebista de receber 5 milhões de dólares em propina, o todo-poderoso do Congresso resolveu se defender atacando. Desqualificou seu acusador, criticou o juiz Sergio Moro e se disse perseguido pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, e anunciou que está rompido com a presidenta Dilma Rousseff.

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O maremoto provocado por Camargo se instalou antes que o líder da Câmara vá ao ar em rede nacional de TV. Cunha fará um pronunciamento às 20h25 desta sexta-feira para falar sobre suas realizações à frente da casa. Ele poderia até mesmo usar o bordão “nunca antes na história desse país”, tão caro ao ex-presidente Lula, para falar sobre os números de sua gestão: a Câmara bateu recordes de quórum nas sessões e de votações de Projetos de Lei e Propostas de Emenda Constitucionais.

Embora tenha anunciado o rompimento com a presidenta nesta manhã, a presidência de Cunha já havia coroado o divórcio definitivo entre o PT e o PMDB – o vice-presidente Temer já anunciou que o partido terá candidato próprio em 2018 - com todas as derrotas impostas ao Governo, e marcando a posição do seu partido como antagonista do PT.

Mais do que isso, o polêmico parlamentar deixou sua marca registrada nestes seis meses, com a ascensão de uma série de pautas conservadoras na casa. A redução da maioridade penal e a constitucionalização das doações empresariais de campanha são algumas delas. A reforma política alardeada pelo Congresso como uma resposta à voz das ruas, rebatizada de minirreforma eleitoral, pouca coisa mudou.

Empreendeu um ritmo acelerado de votações, o que não foi bem visto por todos os parlamentares. O colega de legenda Jarbas Vasconcelos (PE) subiu à tribuna esta semana para criticar o modelo adotado: “Estamos trabalhando de forma precipitada e desordenada, atropelando discussões”. De acordo com ele, “a pressa e a desorganização passaram a marcar o dia a dia da Câmara”, e o resultado seriam “votações precárias, interrompidas e remendadas”. O parlamentar concluiu seu discurso dizendo que “não é correto trabalhar de forma medíocre e confusa, como foi feito neste semestre". Alguns leram nessa narrativa de Vasconcelos um prelúdio de que o partido não estaria tão confortável com seu modo de atuação.

Recorde de quórum, de votações, o primeiro shopping center da Câmara e aliança com o PSDB: o legado de Eduardo Cunha

Partidos da oposição também criticaram os métodos da presidência. “Em síntese, foi um semestre de retrocessos. Nunca se votou tanto na Câmara? É possível. Mas nunca se votou tão atropeladamente”, disse Chico Alencar (PSOL-RJ). Segundo ele, nunca “se engavetou propostas, projetos e CPIs de maneira tão célere”. O parlamentar cita ainda o “desrespeito às comissões especiais” e o descaso com sindicâncias internas da Câmara envolvendo políticos investigados pela Lava Jato – Cunha é um deles – como uma marca da gestão.

Defensor do parlamentarismo, o peemedebista é visto por muitos como o primeiro-ministro de fato do país por seu protagonismo em impor derrotas ao Governo e a emplacar seus projetos na Câmara. Ele conta com o apoio maciço de algumas bancadas suprapartidárias, como a evangélica, da bala e a ruralista, mas um dos destaques de sua presidência foi uma aliança não declarada com o PSDB, principal partido da oposição. As duas legendas têm jogado junto em várias votações e comissões chaves para impor derrotas a Dilma Rousseff e desgastar ainda mais o Governo, afundado em grave crise política e econômica.

Na CPI da Petrobras, por exemplo, os partidos têm se articulado para blindar Cunha – que foi, inclusive, coberto de elogios tucanos quando foi se defender voluntariamente no início dos trabalhos da comissão – e aprovar a convocação de ministros e réus cujos depoimentos são prejudiciais ao PT. A não convocação do lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, apontado por delatores como o articulador do PMDB no esquema da Lava Jato -, e que agora está no centro da crise com o depoimento de Camargo - foi motivo de críticas na CPI. “Por que não conseguimos convocar Fernando Soares? Por que estão blindando o PMDB?”, indagou Maria do Rosário (PT-RS) durante uma sessão. Parlamentares do PSOL fizeram quase uma dezena de tentativas infrutíferas de convocar o lobista.

Bancada tucana, com policiais e evangélicos, está mais conservadora e próxima de Cunha

Mas se existem as críticas, também sobraram elogios ao parlamentar: “Eu avalio a gestão do Cunha de forma positiva. Ele teve coragem de colocar em pauta matérias que outros presidentes deixaram engavetadas”, afirmou o líder interino da bancada tucana, Nilson Leitão (MT). De acordo com o parlamentar, o presidente da casa “deixou correr a pauta”, e fez o parlamento “de fato funcionar como casa legislativa, e não uma casa a serviço do Executivo”. Quanto à aliança entre os dois partidos, o líder disse que “parte do PMDB sempre nos apoiou”, e que a oposição “tem que cumprir seu papel”.

Para o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), “o PMDB fez um realinhamento tático com relação ao Governo Dilma e ao PT”. Uma consequência desta estratégia é que o partido de Cunha faz um movimento pendular: “ele conseguiu liderar um bloco de líderes e ter uma maioria independente do PT, e com alianças circunstanciais com a oposição”. Na condição de minoria, segundo Pestana, “nós temos que ter habilidade e lucidez para fazer avançar nossos objetivos, nossas estratégias”. Para ele, Cunha “tem muita energia”, e conseguiu impor essa dinâmica na Câmara, se aproveitando do difícil momento vivido pelo Governo.

Outras derrotas de Dilma que contaram com a dobradinha PSDB-PMDB foi a redução da maioridade penal - 49 dos 52 deputados tucanos presentes na sessão votaram pela aprovação, defendida por Cunha – e a reforma política. Tucanos históricos como Mário Covas (morto em 2001) e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sempre criticaram a redução.

Além do interesse tucano em fragilizar o Governo petista, um novo fenômeno toma conta da bancada do partido. Com a participação de deputados evangélicos e delegados, ela é mais conservadora e radical do que prega o programa do partido. Pestana não acredita que o PSDB está se tornando mais conservador nessa legislatura: “é natural que o PSDB atraia setores conservadores, por ter uma postura mais centrada que o PT, que namora com o bolivarianismo”. De acordo com ele, isso é uma consequência de um quadro partidário fraco, onde  as “bancadas da segurança pública, evangélica e ruralista muitas vezes têm mais força que as legendas”.

O líder do partido, Nilson Leitão, tem outra visão. “Não concordo que estamos mais conservadores. O problema é que o caos criado pelo Governo no país, é um surto”, afirma. Para ele, a bancada tucana “é ousada, viu que precisava fazer algo”.

Essa dobradinha estaria sob risco com a reviravolta política que se instalou esta semana, segundo alguns observadores. Assim como Cunha se afastou da presidenta Dilma para não colar a imagem a alguém com péssima avaliação popular, o polêmico presidente da Câmara pode provar do próprio veneno nas próximas semanas. O pedido de afastamento do parlamentar do cargo de líder, feito pelo deputado Silvio Costa (PSC-PE), é um primeiro sintoma. O anúncio do vice-presidente Michel Temer de que o rompimento de Cunha não tem respaldo do PMDB seria outro. Mas, Cunha ainda tem o poder de autorizar a tramitação do processo de impeachment contra a presidenta Dilma na Câmara. Pelo menos até o momento.

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