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Na mente de ‘El Chapo’

Guzmán Loera é uma pessoa complexada que mata sem culpa

Jorge Restrepo

Joaquín Guzmán Loera mata, mas nunca por impulso. Só aperta o gatilho se for para causar mais dano. É um animal de sangue frio e mente complexa que adora, acima de tudo, o poder. É isso o que revela um antigo relatório psicológico elaborado pela Procuradoria-Geral da República e que, depois da espetacular fuga da cadeia de segurança máxima de El Altiplano, transformou-se numa radiografia única desse legendário narcotraficante. O criminoso voltou a ser preso na sexta-feira pela terceira vez, após quase seis meses foragido.

O documento mostra que a energia de El Chapo se origina de uma profunda frustração. Nascido nas montanhas de Badiraguato (Sinaloa) em 1957, num ambiente miserável e agrícola, maltratado pelos pais, complexado por sua baixa estatura (daí o apelido chapo, baixo), o líder do cartel de Sinaloa é um vulcão de ressentimentos que, diferentemente da maioria de seus pares, calçou sua brutal agressividade com uma “alta capacidade de reação racional”. “É determinado e seu sentimento de inferioridade se reflete numa expressão de superioridade intelectual e numa desmedida ambição de poder. Tem necessidade de liderar, controlar o entorno e é obsessivo mas comedido em seus atos de vingança”, observa o relatório.

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Para El Chapo, matar faz parte do negócio. Não sente remorsos. Pelo contrário, vê a si mesmo, segundo os psicólogos da procuradoria, como um “líder com bons sentimentos”. Um padrinho solidário e protetor dos desvalidos. Características que cultivou amplamente em Sinaloa e que lhes foram atribuídas em sua terra, onde é reverenciado como um senhor feudal, como o protótipo do bom bandido. Mas esse espelho falso quebra quando ele percebe o que está em risco. “É sedutor, magnífico, provoca sentimento de lealdade e de dependência à sua pessoa. Mas não é indulgente com os adversários e não hesita em romper alianças. Cumpre os compromissos, mas também as promessas de vingança, empregando qualquer método violento quando se sente ameaçado”.

Sua vida, uma cartografia do México profundo, é configurada por uma sucessão de atos sanguinários dominados pelo calculismo. O horror desencadeado em Ciudad Juárez para conseguir o controle de fronteiras foi um exemplo. Mas também o encontro organizado em Cuernavaca em 2003 com os 25 chefões mais importantes do país e que acabou com a eclosão da violência que ainda hoje convulsiona o México.

Aquela batalha aberta, entre outros por ele mesmo, lhe conferiu uma posição hegemônica. Em meio à voragem, obteve um controle maciço do mercado internacional da droga. Sua rede, com 300 empresas, operava em 20 países e liderava o mercado da cocaína, da maconha e das metanfetaminas. Com uma fortuna avaliada em mais de 1 bilhão de dólares, seu poder se estendia do Pacífico ao Atlântico. Discreto e pouco dado à ostentação, manteve a regra, ensinada pelo mestre Miguel Ángel Félix Gallardo, de não misturar o negócio da droga com extorsão ou sequestro.

Vê a si mesmo como um “líder com bons sentimentos”, segundo um relatório psicológico oficial

À primeira vista poderia parecer um líder moderado, mas por trás da aparência se ocultava uma fera capaz de, após um atentado (12 balas na carroceria de seu Chevrolet Cutlass), enviar 50 homens com rifles de assalto e placas da polícia federal a um salão de festas popular de Puerto Vallarta e descarregar em menos de oito minutos mil projéteis para liquidar os supostos autores do ataque. Esse é El Chapo.

Embora implacável e calculista, esse criminoso, como revela o relatório psicológico de 2005, tem duas grandes fragilidades. A primeira é o medo de perder a liberdade. Suas fugas espetaculares da prisão demonstram isso. Mas às vezes a depressão o acompanha, inclusive na fuga. Isso lhe aconteceu quando, ao escapar em 2001 da prisão de Puente Grande, soube que seu irmão Arturo Guzmán, El Pollo, havia sido preso e que havia sido advertido de que o próximo poderia ser ele. Começou a cogitar a ideia de suicídio. Jurou às pessoas próximas que ia dar um tiro em si mesmo. Afinal não o fez, mas a dor o acompanhou três anos depois quando seu irmão morreu na prisão. Um preso, a quem deixaram uma arma na mão, meteu-lhe oito balas na cabeça. O crime foi perpetrado na prisão de El Altiplano, de onde El Chapo fugiu em 10 de julho de 2015.

Seu segundo flanco frágil é a família. Perde as estribeiras por ela. Homem passional, com 10 filhos e 4 esposas, possui um conceito conturbado dos parentescos e do amor. Na prisão de Puente Grande, onde permaneceu de 1993 até sua fuga num carro de roupa suja em 2001, viveu um romance apaixonado com a loira e alta Zulema Hernández. A presa, com um morcego nas costas e um unicórnio na perna direita, arrancou de El Chapo fogosas cartas de amor. “Zulema, te adoro. E pensar que duas pessoas que não se conheciam poderiam encontrar-se num lugar como este!”, chegou a escrever.

A distância acabou com a paixão por Zulema. E depois, como tudo o que se refere a El Chapo, o assunto terminou em morte. A ex-presidiária foi encontrada em 17 de dezembro de 2008 no porta-malas de um carro. Havia sido asfixiada com um saco plástico. Seus seios, suas nádegas e o abdome tinham a marca da última letra do alfabeto. O símbolo dos inimigos mortais de El Chapo: Los Zetas.

Seu último grande amor foi Emma Coronel Aispuro, miss local e sobrinha de mafiosos. Casaram-se quando ela completou 18 anos e, em 2011, tiveram duas gêmeas em Los Angeles. Por elas cometeu o erro que o levou a prisão em 2014. Quando, depois de semanas de perseguição, ia fugir para as montanhas de Sinaloa, o coração de seu império, decidiu visitá-las para despedir-se. Foi capturado sem nenhum disparo no apartamento de Mazatlán onde abraçava a mulher.

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