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Como derrotar o Estado Islâmico

A estratégia militar sozinha não será suficiente para vencer o Estado Islâmico

Captura de um vídeo de março de 2014 no qual se veem milicianos jihadistas do Exército Islâmico do Iraque com seu armamento em um veículo na província de Anbar. / AFP
Captura de um vídeo de março de 2014 no qual se veem milicianos jihadistas do Exército Islâmico do Iraque com seu armamento em um veículo na província de Anbar. / AFPAFP

A coalizão criada para lutar contra o Estado Islâmico (EI) tem dificuldades para obter vitórias: assim que expulsam os combatentes de uma região da Síria ou do Iraque, eles se reagrupam e mudam o alvo de seus ataques. O EI está demonstrando uma mistura extraordinária de resistência e capacidade de adaptação tática que lhe permitiu consolidar sua posição em grande parte desses países, apesar dos nove meses de incursões aéreas da coalizão.

As mensagens dos aliados se apressam em destacar os aspectos positivos: desde o início da Operação Determinação Inerente, morreram cerca de 10.000 militantes do EI, suas atividades de contrabando se reduziram à metade e o território que controlam na atualidade é cerca de 40% menor do que em seu momento de apogeu, em agosto de 2014. Mas os principais centros do EI continuam intactos, ainda que as operações militares tenham diminuído a dimensão do problema.

Por mais que se fale da queda do poder dos Estados Unidos, é importante lembrar que continuam sendo uma superpotência militar hegemônica: se os EUA quisessem fazer uma demonstração de força no Iraque e na Síria, poderia expulsar rapidamente o EI de seus esconderijos.

Porém, para qualquer exército invasor, o difícil viria depois, com a provável onda de atentados e guerra assimétrica que certamente duraria anos e teria custos enormes.

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Além disso, supor que o EI constitui o mesmo tipo de ameaça que um Estado regional é não entender em absoluto por que o grupo se tornou tão poderoso. O EI está sobrevivendo e expandindo-se porque se alimenta de um potente coquetel de sentimentos antiocidentais muito arraigados, ódio aos muçulmanos xiitas e debilidade dos Estados à sua volta. Nenhum desses fatores se altera com uma intervenção militar externa.

As operações militares têm um papel importante nessa luta, que é o de apoiar os atores que estão dedicando grandes esforços para combater o EI em terra. Mas a forma de resolver o problema na Síria deve ser muito diferente da do Iraque. Enquanto neste último a presença de um governo legítimo permite aos Estados Unidos abastecer de materiais as forças que lutam contra o EI, na Síria esse mecanismo não existe.

Consequentemente, os EUA têm de buscar parceiros locais, mas estes escasseiam. Entre eles, estão as Unidades de Proteção Popular (YPG, da sigla em curdo) dos curdos da Síria, cujo avanço no norte do país fez retroceder o EI em centenas de povoados nos últimos seis meses. Mas contar exclusivamente com os curdos é uma estratégia complicada. Fora de suas bases territoriais, as YPG despertam pouca simpatia, e carecem da disposição necessária para entrar nas zonas de maioria árabe que abrigam os bastiões do EI.

O restante é uma combinação variada de grupos rebeldes. Durante os três últimos anos, nenhum deles foi capaz de entrar em acordo com qualquer agrupamento político reconhecido internacionalmente que pudesse representar seus interesses. Uma estratégia militar que depende do sucesso de grupos assim está condenada ao fracasso, e o mais provável é que, à medida que a Síria se fragmente cada vez mais, os países à sua volta busquem aliar-se com facções da mesma orientação dentro do país.

Se os EUA quisessem fazer uma demonstração de força no Iraque e na Síria, poderiam expulsar rapidamente o EI de seus esconderijos

Não faltam rumores sobre a criação de terras de ninguém: uma região jordaniana de segurança no sul, uma região turca no norte, outra iraniana e do Hezzbolah em volta de Damasco e um enclave druso de influência israelense no sudoeste. Se for verdade, o EI ficaria rodeado por potências externas, o que permitiria contê-lo na Síria e, pouco a pouco, estrangulá-lo, mas isso representaria o fim da Síria como a conhecemos.

O Iraque necessita da ajuda ocidental para apoiar as instituições de segurança do Estado, frágeis mas muito politizadas. O exército iraquiano foi incapaz de dar a reposta adequada à ameaça do EI, e foram mais as milícias xiitas, sob o controle iraniano, que se encarregaram disso. O que resta do aparato de segurança iraquiano está cada vez mais dominado pelo Irã, e é inevitável que isso faça os sunitas das regiões nas mãos do EI pensarem que têm melhores perspectivas com eles do que com Bagdá.

No norte, os curdos obtiveram vitórias, mas, como na Síria, lhes interessa, sobretudo, defender sua pátria, mais do que lutar pelo Iraque árabe. A chave é encontrar algum grupo iraquiano que esteja disposto a lutar, não por sua identidade étnica, mas por todo o país.

O EI está crescendo com um poderoso coquetel de sentimentos antiocidentais muito arraigados e ódio aos muçulmanos xiitas

Quais são, portanto, os parâmetros realistas para que uma estratégia militar contra o EI obtenha resultados? O primeiro é a paciência; o problema não pode ser resolvido da noite para o dia, e devemos aceitar que podem se passar anos até que a ideologia que apresentam demonstre suas carências e perca sua atração. O segundo é ter consciência de que os atores locais são fundamentais para derrotar o EI de forma definitiva. O terceiro é compreender que, por hora, seguramente o Ocidente pode fazer pouco mais do que oferecer seu poderio aéreo e promover a formação. Podemos nos indignar diante dos atentados cometidos em nome do Estado Islâmico na Tunísia, Egito, Kuwait e França, mas isso não deve nos impedir de reconhecer que, em longo prazo, este é um problema que não tem solução militar.

Michael Stephens é pesquisador de Estudos sobre o Oriente Médio no RUSI (Royal United Services Institute) e diretor do RUSI Qatar. Seu Twitter é @MStephensGulf

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