Referendo empurra Grécia para um racha político e social
Plebiscito de domingo gerou incerteza e confusão entre a população
O referendo do próximo domingo sobre a dívida externa grega dividiu as opiniões e acirrou os ânimos no país. Ele causa incerteza e confusão, para não falar de outras reações mais viscerais, como o medo e a raiva. Com a economia em queda livre – restavam ontem entre 80 e 100 bilhões de euros nos bancos – e com muitas empresas praticamente paralisadas, a árdua batalha política travada entre as trincheiras do sim e do não é o de menos a esta altura. O que realmente aflige os gregos é a incógnita do Dia D, quando qualquer um dos dois resultados abrirá novas dúvidas, já que o não inviabiliza uma nova negociação com os credores, ao passo que o sim seria prenúncio da queda do atual Governo e da realização de novas eleições, talvez já em setembro.
As pesquisas não contribuem para antever o que acontecerá, confirmando apenas que a situação é volátil. Na quinta-feira, o levantamento do instituto GPO para um portal de notícias previa quase um empate (47% a favor do sim; 43%, pelo não), mas outro, feito quando as restrições a saques bancários já estava em vigor e publicado na véspera pelo jornal esquerdista Efimerida ton Syntakton, dava 46% para o não e 37% para o sim. Antes da decretação do feriado bancário, no entanto, o não abria 27 pontos percentuais de vantagem nas pesquisas dessa série. Muitos atribuem essa forte queda à estrondosa campanha pelo sim promovida pelos principais canais privados de televisão, peças de uma inextrincável rede de interesses econômicos e políticos. Esse comportamento da imprensa privada “pode fazer oscilar um resultado inicialmente favorável ao [partido governista] Syriza, que mantém intacta boa parte do apoio que lhe deu a vitória eleitoral em janeiro”, diz Sotiris Yassos, especialista em pesquisas de opinião. “Mas esta é uma situação excepcional, que nem sequer as pesquisas vão poder desentranhar com precisão”, acrescentou. Os indecisos na pesquisa do Efimerida são cerca de 20%.
Desde a convocação do referendo, há uma semana, a Grécia vive uma crise financeira, política e nacional inédita desde o restabelecimento da democracia, em 1974. Não é nada comparável a 2012, quando parecia iminente sua saída da zona do euro, arrastando consigo outros países membros da união monetária. Recolhida como que em um bunker diante das mensagens de Bruxelas, com as mãos atadas economicamente – os comerciantes são incapazes de arcar com seus pagamentos e receiam aceitar cartões, enquanto empresas estrangeiras preparam as malas para partir –, há outro cenário ainda mais temível, pela fúria que pode provocar: o dia que os bancos ficarem a zero. “Poderemos ficar sem dinheiro na terça-feira se as pessoas continuarem sacando 60 euros por dia”, dizia ontem um executivo bancário citado pela agência Reuters, em referência ao corralito bancário adotado no começo da semana.
Khristos Kokoras, analista-chefe da Ernst & Young em Atenas, pensa abertamente em se mudar da Grécia, depois de rejeitar duas ofertas para ir embora durante os piores anos da crise. “Aguentamos, inclusive com crianças pequenas, porque somos gregos e queremos viver aqui. Mas agora… estão rompidos todos os canais, e vai custar muito para superarmos a desconfiança do mercado em relação a Atenas e a perda de credibilidade do Governo. Trabalho com bancos estrangeiros e sei o que digo. É muito legítima a aspiração de melhorar as condições da ajuda, mas você não pode romper as regras do jogo se for a parte mais vulnerável da negociação”, diz ele, sem revelar seu voto no referendo.
Pesquisas díspares na reta final
A pesquisa do instituto GPO para um portal de notícias publicado ontem dava os seguintes percentuais para o referendo de domingo: 47% para o sim e 43% para o não.
A pesquisa do Instituto ProRata para o jornal esquerdista Efimerida ton Syntakton, publicada na quarta-feira, já sob a vigência do corralito, dava uma ligeira vantagem para o não (46% x 37%).
Antes do fechamento dos bancos anunciado no domingo, dia 28, outra sondagem do ProRata dava um apoio bem mais expressivo ao não, de 57% contra 30% do sim .
Ioanna, 28 anos, que tem dois diplomas universitários e fala dois idiomas, ganha 420 euros (1.450 reais) como balconista numa loja de departamentos e já tem seu voto definido. “Votarei no não porque as condições que os sócios nos impunham são um beco sem saída, só conduziriam a mais recessão e miséria. Não falo em sair do euro, absolutamente, embora esse referendo tenha quebrado esse tabu, aqui e [em outros países] na Europa; só defendo levantar cabeça após cinco anos de obediência.” Mas, a julgar pelo que escuta dos seus avós, “que estão muito assustados”, ela teme que o medo afinal vença e que “as pessoas acabem votando com a mão no bolso”.
No lance final desta fugaz campanha, sacudida pela rebeldia de quatro deputados do partido Gregos Independentes (ANEL, sócio do Syriza no Governo, que é a favor do não), ambos os lados apresentam suas armas, o que inclui manifestações da sociedade civil – 200 artistas a favor do não; empresários e comerciantes e meia centena de professores universitários pelo sim. O primeiro-ministro Alexis Tsipras deve discursar hoje num comício pelo não, marcado para a mesma hora (e lugar diferente) que o ato público em favor do sim. Os comunistas do partido KKE fizeram ontem uma manifestação de força no centro de Atenas, com uma mensagem contraditória: não à proposta das instituições, não à proposta do Governo. “A quadratura do círculo”, brincavam em um bar próximo os arquitetos Yanis e Kostas, dois tradicionais eleitores do KKE, que no domingo vão ignorar as ordens da direção partidária. “Desta vez será preciso tomar partido claramente, e nós tomaremos o partido do não. No domingo a esquerda – sem siglas nem sobrenomes – coloca muita coisa em jogo, e não só na Grécia, mas também na Europa.”
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