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Contra-ofensiva à maioridade penal num ícone da resistência paulistana

Faculdade de Direito de SP reuniu vozes a favor da juventude e contra o conservadorismo Instituição é um tradicional palco de manifestações democráticas no Brasil

Debate sobre a redução da maioridade penal no salão nobre da Faculdade de Direito da USP.
Debate sobre a redução da maioridade penal no salão nobre da Faculdade de Direito da USP. Gabriel Garcia Soares (Brazil Photo Press/Estadão Conteúdo)

Quando um ato público lota o Salão Nobre da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, é bom que se preste atenção: algo, no palco da democracia brasileira, pede mobilização social. Nesta terça-feira, o motivo do encontro que reuniu juristas, acadêmicos, estudantes e integrantes de diversos órgãos da sociedade civil no centro da capital paulista foi uma aguardada reação ao avanço da PEC 171/93 que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos na Câmara de Deputados. Junto com esse, outros temas defendidos pela facção mais conservadora do Congresso Nacional, como o estatuto do desarmamento, também vieram à tona.

Com a presença do ex-senador e secretário municipal de Direitos Humanos, Eduardo Suplicy e do secretário nacional de Juventude, Gabriel Medina, entre outras personalidades ligadas à causa, o encontro foi coordenado pelo professor da USP Sérgio Salomão Shecaira, quem incitou o legado político da faculdade, resgatando a famosa ‘Carta aos brasileiros'. Trata-se de uma carta redigida pelo jurista Goffredo da Silva Telles Jr. em repúdio à ditadura militar e lida publicamente na São Francisco em 1977, marcando o início da redemocratização do país depois do Golpe de 64. “Chegou a hora de lermos uma nova ‘Carta aos brasileiros’ neste mesmo espaço marcado pela defesa da nossa democracia”, anunciou, antes que José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça do Governo FHC, se pudesse a ler o documento em tom de luta.

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O texto em questão é um manifesto contra a PEC, de autoria do grupo que organizou o evento – profissionais de Direito ao lado de representantes de instituições pela defesa dos Direitos Humanos e contra a violência – e que deverá ser enviado ao Congresso Nacional. Um de seus trechos brada: “Não aceitaremos o encarceramento da juventude brasileira”. E seu final propõe às vozes contrárias à redução da idade penal o compromisso de denunciar o Estado brasileiro perante a ONU, caso a emenda seja futuramente aprovada, primeiro pela Câmara e depois pelo Congresso.

A indignação marcou a fala de todos os que discursaram, inclusive a de outro ex-ministro da Justiça tucano, Miguel Reale Júnior, mostrando que atualmente são as figuras veteranas do PSDB as mais mobilizadas socialmente e, curiosamente, as menos conservadoras. “Por que esse assunto [da redução da maioridade penal] veio à tona agora, do nada? Por causa da reduzida popularidade da Câmara e do Congresso”, afirmou o ex-ministro, ex-aluno e ex-professor da casa, em alto volume e de punho em riste. Para ele, o que se vê é um “jogo de cena de Eduardo Cunha, que percebeu que era preciso criar uma ilusão penal” para resgatar a imagem da Casa que preside. “Essa PEC é uma fraude, uma mentira longe de todos os dados disponíveis sobre menores de 18 anos que praticam crimes”, concluiu. Foi aplaudido de pé.

Também de pé foi recebida na tribuna montada para os discursos da sociedade civil a fundadora do grupo Mães de Maio, Débora da Silva. “A população deveria estar discutindo os grupos de extermínio que estão matando os nossos filhos. Não é justo jogar o problema em cima da população pobre, preta e periférica”, bradou, depois de marcar a posição contrária à redução de seu movimento, criado em 2006 com o intuito de pressionar o Estado a reconhecer os crimes que cometeu. Foi despedida aos gritos de “Não acabou... Tem que acabar... Eu quero o fim da Polícia Militar!”.

Não faltaram estatísticas, assim como no debate público que aconteceu no mesmo dia no Ministério Público de São Paulo, que comprovam o que os presentes chamaram de “irracionalidade da PEC 171”.

A presidente da Fundação CASA, Berenice Giannella, destacou que São Paulo tem metade dos adolescentes internos do Brasil, que é de 20.000 no total. “São 10.000 jovens essencialmente de 15 a 17 anos distribuídos em 148 unidades de internação no Estado. A maioria se declara parda, e há mais negros proporcionalmente do que a média da população geral. 96% chegam à fundação com defasagem escolar ou fora da escola e mais de 50% vêm de famílias disfuncionais. Lá dentro, a maioria tem acesso, pela primeira vez na vida, a médico, dentista, psicólogo... É essa a juventude, já vitimizada, que agora queremos mandar para o sistema prisional”, lamentou.

Para o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini, existe uma “sede de vingança” que põe em curso “a sanha punitivista” da população. “Essa emenda serve para nublar os verdadeiros problemas que devem ser tratados por nossos políticos e por nossa sociedade, que está enferma”. Para ele e para os demais, reunidos nesse ato que pretendeu marcar a história, chegou a hora de buscar os remédios e reagir.

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