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Filmes e videogames não provocam mais violência nas ruas

Estudo analisa o conteúdo violento dos filmes e videogames de maior sucesso da história sem encontrar correlação com a taxa de homicídios ou delinquência juvenil

Miguel Ángel Criado
Capa da versão DVD de “A Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick.
Capa da versão DVD de “A Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick.Warner Bros.

Uma revisão dos filmes de maior sucesso de público da história só encontrou correlação entre os mais violentos e o número de assassinatos nos anos seguintes às estreias. No caso dos jogos, a relação é até mesmo negativa. O aumento de seu conteúdo violento coincidiu com uma redução da violência juvenil na vida real.

Uma busca no Google Scholar, a versão acadêmica do buscador, mostra quase 250 mil referências a estudos e livros sobre a violência dos jogos ou dos filmes, e a violência na vida real. A cada um que afirma que suas cenas violentas geram atos violentos, há outro que afirma o contrário. Embora o debate não vá terminar com este, um novo trabalho usa um enfoque diferente para determinar se existe uma relação entre a violência virtual e a real.

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A maioria dos estudos sobre o impacto da violência no cinema ou nos jogos foi realizado em laboratórios. Os participantes eram expostos a cenas violentas e suas reações eram observadas. Mas o professor de psicologia da Universidade Stetson (Estados Unidos), Christopher Ferguson, procurou a conexão na vida real, comparando a evolução da violência nos meios com as cifras de crimes. E fez isso em dois estudos paralelos, um para o cinema e outro para os jogos.

No primeiro de seus trabalhos, Ferguson reuniu os filmes de maior bilheteria desde 1920 em espaços de cinco anos. Um grupo de colaboradores analisou os minutos dos 90 filmes da mostra para obter um quociente de sua violência dividindo o número de minutos violentos pela duração total. O gráfico resultante foi sobreposto sobre o da razão de homicídios nos Estados Unidos. O estudo controlou outras variáveis como o nível histórico de renda das famílias, o número de policiais em cada momento, a taxa da população juvenil e o Produto Interno Bruto.

Não existe correlação entre as cenas violentas dos filmes atuais e a taxa de homicídios

Na primeira década, os anos 20, com títulos como as primeiras versões cinematográficas de Ben Hur ou O Último dos Moicanos, os filmes eram mais violentos que a própria sociedade. Na verdade, a introdução do Código Hay pela MPAA, a associação de produtores de cinema, em 1930, reduziu a distância ao implantar um sistema de autocensura para diminuir as cenas violentas ou de sexo.

Só durante as décadas centrais do século passado, o estudo apresenta uma ligeira correlação entre a violência de Hollywood e a real. Correlação que se torna negativa desde os anos 70 e, em especial desde a década de 80, quando as cenas violentas inundam as telas enquanto cai a taxa de homicídios.

“Se observamos a tendência global entre a violência no cinema e a violência na sociedade, encontramos algumas pequenas correlações”, disse por e-mail. “Elas são acentuadas a meados do século XX, quando a violência nos filmes e os homicídios aparecem correlacionados. No entanto, esta descoberta é questionada pelas primeiras tendências anteriores a 1940 e desde 1990, quando a violência nos meios e a social experimentam uma relação inversa. É uma forma de comprovar como, embora algumas vezes existam correlações, devemos ser cuidadosos ao fazer uma leitura causal dos efeitos”, acrescenta.

Para confirmar suas dúvidas sobre a relação entre ambos tipos de violência, Ferguson repetiu a análise, mas desta vez com os jogos. Os videogames tomaram o lugar dos filmes e hoje são apontados como fatores que influem na conduta dos jovens. Até a Associação Americana de Psicologia publicou um aviso em 2005 vinculando os dois fenômenos, declaração contestada por centenas de especialistas em uma carta posterior.

O gráfico mostra a crescente popularidade dos jogos violentos (barra contínua) e a diminuição da delinquência juvenil nos Estados Unidos. C Ferguson
O gráfico mostra a crescente popularidade dos jogos violentos (barra contínua) e a diminuição da delinquência juvenil nos Estados Unidos. C Ferguson

Neste estudo, publicado no Journal of Communication, Ferguson teve mais facilidade na tarefa de catalogar os jogos. Desde 1996, ano em que inicia sua análise, a associação patronal do setor classifica cada título segundo a quantidade de violência ou sexo de seu conteúdo, recomendando seu uso por idade. O psicólogo selecionou os cinco jogos mais vendidos em cada ano até 2011. A classificação para um jogo violento vai do 1 ao 5, por isso a cifra máxima anual seria um valor de 25.

O primeiro resultado é chamativo: dos 16 anos analisados, todos, com exceção de quatro, superaram a cifra de 20 em um máximo possível de 25. A média do período é de 21,4. Quer dizer, os jogos violentos são os preferidos. Mas seu segundo resultado é ainda mais surpreendente: as duas últimas décadas são as que, segundo as estatísticas oficiais, ocorreu menor violência juvenil nos Estados Unidos. Por isso há uma correlação, mas inversa entre a violência dos jogos e a violência dos jovens.

O debate está finalizando então? “Provavelmente nunca”, opina Ferguson. Para ele, “trata-se de uma questão muito emocional, uma dialética moral que se nutre de guerras culturais e conflitos de geração. Sempre vai estar presente e quando surgirem novos meios, haverá reações extremas contra eles.”

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