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“As canções tristes não me deixam triste... Me deixam eufórico”

A importância da música nas histórias de Almodóvar, com artistas e canções que tocam as entranhas dele e de seus personagens

Elsa Fernández-Santos
Almodóvar em 2014, ao receber um prêmio na França.
Almodóvar em 2014, ao receber um prêmio na França.GUILLAUME HORCAJUELO (EFE)

Albert Pla sussurra Sufre como yo, Chavela Vargas sofre com El último trago, Maysa Mataraso faz uma tocante versão de Ne me quitte pas de Jacques Brel e o Dúo Dinámico lança esse hino rítmico à esperança: Resistiré. As canções dos filmes de Pedro Almodóvar clamam vingança, afogam as recordações em álcool ou proclamam que esse amor será e é o único. Fazem parte da narração, do que acontece com as entranhas e os corações de seus personagens, que cantam com eles para fazer seus lamentos, desejos e nostalgias.

“A música nos meus filmes nunca é música de fundo, é parte ativa, uma entidade dramática tão importante como o diálogo”, explica o cineasta, que na segunda-feira apresentou, em Madri, o disco BSO Almodóvar (que reúne 29 temas de seu cinema) e anunciou que na primavera filmará com Penélope Cruz, Blanca Portillo e Lluís Homar o roteiro que acabou de terminar: Los abrazos rotos.

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Almodóvar está em seu escritório de El Deseo e tem nas mãos a última Vogue norte-americana. O número especial de Natal dedica sua capa e uma extensa reportagem à Espanha de Penélope Cruz. Fotografias de Annie Leibovitz com a atriz vestida com roupas da alta costura em pleno campo da região de Segóvia.

Em uma delas, Almodóvar está trajado como peregrino enquanto ela dança, arrebatadora: “É uma dessa ideias de Penélope, uma homenagem a Ava Gardner em A condessa descalça”. O flamenco, diz, sempre está lá para ele. Em seu disco, Bernarda e Fernanda de Utrera interpretam Se nos rompió el amor e Duquende e Manzanita, El rosario de mi madre. “Esse disco é parte de minha filmografia e de minha biografia, tem a ver com meu cinema e com minha vida. As canções tristes não me deixam triste... Pelo contrário. Da mesma forma que os dramas tórridos me dão muita energia, muita euforia. A tristeza nunca é um sentimento suave”.

Almodóvar relembra seu cinema através de refrãos. Menciona Lo dudo, de Los Panchos, em A Lei do desejo: “O personagem de Antonio Banderas sabe que essa será sua última transa com Eusebio Poncela. Eles escutam a canção na cama, e Carmen Maura faz a mesma coisa na rua. A canção toca os três”. Em Matador, Mina interpreta Espérame en el cielo: “Escutei a versão de Mina enquanto filmávamos e foi uma revelação. Com a canção, o final adquiria um novo significado”.

Eu misturava Prince com Olga Guillot e Chavela com Nico"

“Eu estou sempre escutando música, meus amigos músicos me atualizam, e eu compro tudo o que posso, leio as recomendações de todas as revistas, até mesmo as não recomendáveis. Tenho pilhas e pilhas de discos, 80% acaba no armazém do escritório, serve como cenário para os filmes. Mas existem muitas coisas novas das quais eu gosto”. Como não pode escrever escutando música, seu sobrinho lhe prepara, para trabalhar, discos de “downtempo ou tecno, desses que não deixam marcas nos neurônios. Não dá para escutar um bolero e escrever. É muito figurativo”.

“A música não acaba nunca, faltam filmes para tantas canções. Tenho muitos temas pensados para o futuro: um de Cat Power, outro de Werewolf, uma bossa de Luis Bonfá e algum desses cantores e grupos herdeiros da chanson, como Feist ou Nouvelle Vague”.

É inevitável citar uma de suas musas: “Descobri Chavela quando a única coisa que me preocupava era o pop e minha vida era badalação. Ouvia todo dia New York Dolls e Velvet Underground quando apareceram Nina Simone e Billie Holiday. A música da minha casa era genial: mesclava Prince com Olga Guillot. E Chavela com Nico”.

Do cinema musical só admite uma fobia (“Sete noivas para sete irmãos! Não aguento esse filme”) e dezenas de filmes parecidos. Relembra sua própria “experiência”: Tráiler para amantes de lo prohibido, um musical que realizou para o programa La Edad de Oro, de Paloma Chamorro. “Os atores paravam de atuar e começavam a cantar, durava 20 minutos. Foi muito divertido”.

Dos cineastas que admira e que melhor utilizam a música, cita um punhado, “mas tenho certeza que depois vou me lembrar de muitos mais”: Clint Eastwood (“que delicadeza, sempre tentando não quebrar a imagem. Tem um gosto excelente”); Theo Angelopoulus (“lado a lado com Eleni Karaindrou”), Krzysztof Kieslówski (“Que diretor de dramas! O melhor dos últimos anos”), Quentin Tarantino, David Lynch... “E, lógico, as parcerias feitas por Nino Rota-Fellini, Bernard Herrmann-Hitchcock e Mancini-Blake Edwards".

Esse disco é parte de minha filmografia e de minha biografia, do meu cinema e de minha vida"

Sobre sua relação com seus próprios diretores de música, relembra sua ruptura com Bernardo Bonezzi: “Em Mulheres à beira de um ataque de nervos, ele se negou a colocar Puro teatro e Soy infeliz. E eu não cedi, durante três anos nem nos falamos. E em Ata-me!, Ennio Morricone se negou peremptoriamente que eu colocasse Resistiré”. Desde A flor do meu segredo, seu cúmplice musical é Alberto Iglesias: “Alberto não tem nenhum ego, está a serviço do filme. Se imponho uma canção, tenho sua convicção e sua aprovação. Sabe que não são decisões caprichosas”.

E entre canções, um intenso ruído espreita há alguns meses a vida de Almodóvar. Um mistério, diz, chamado Tinitus Acufeno: “Existem pessoas que chegaram a se suicidar por não suportá-lo. Eu fiz todo o tipo de testes, para ver se era um tumor ou outra coisa, mas não apareceu nada. É algo diabólico. Um apito que só existe para mim. Da forma que desde o momento em que me levanto até a hora que deito tenho música em casa. Música para todos os momentos. E tenho uma recomendação: para qualquer tarefa doméstica é preciso colocar uma trilha sonora, a música narrativa de intensidade sobre o que você está fazendo. E a rotina mais banal, andar pelo corredor, se transforma em outra coisa”.

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