“Não vou levar os venezuelanos a uma guerra de povo contra povo”
Ex-candidato à presidência da Venezuela integra o que Maduro descreve como a “trilogia do mal”
O duas vezes candidato oposicionista à Presidência da Venezuela Henrique Capriles Radonski integra o que o Governo de Nicolás Maduro descreve como a “trilogia do mal”, que também inclui Leopoldo López, hoje preso e aguardando julgamento por sua suposta responsabilidade pelos protestos violentos de fevereiro, e a deputada María Corina Machado, que o regime chavista impediu de voltar à Assembleia Nacional para exercer suas funções parlamentares.
Depois dos protestos que eles incentivaram no início do ano para forçar a renúncia do Governo mediante a pressão das ruas, surgiram diferenças entre Capriles e os outros dois líderes oposicionistas. Além dos mais de 40 mortos, o resultado dos protestos foi que o chavismo cerrou fileiras e a oposição ficou profundamente rachada.
Pergunta. Como o senhor vê a situação do país?
Resposta. Já se delineava uma crise econômica muito profunda, o que, por sua vez, conduz a uma crise social, e as duas levam a uma crise política. Se analisamos a perda de popularidade e apoio sofrida pelo Governo, a razão é fundamentalmente econômica e social. Todas as pesquisas coincidem em um ponto: que o governo hoje tem base de apoio de 30% a 35%, ou seja, já não é maioria. E acredito que esse apoio ainda pode diminuir. A situação ainda não chegou ao fundo do poço.
P. Diante da crise, parece que as lideranças opositoras saíram em debandada.
R. Não. Existem dentro da oposição visões distintas sobre como deve ser construída uma mudança. Neste país a maioria faz parte dos setores populares, que têm sido a base de apoio do Governo nos últimos anos. Há um desgaste muito claro nessa base e um desejo de mudança que se evidenciou nas eleições presidenciais de abril. Dos 7,4 milhões de votos que recebemos, quantos vieram dos setores populares do país? Cinco ou seis milhões. Isso significa, claramente, que o Governo já deixou de ser a única opção dos setores populares. Eu considero que a transformação precisa ser multiclassista. Não vejo maneira de realizar uma mudança e que este país seja governável se não for selado um novo pacto social com os pobres.
P. Quando a última eleição terminou, sua liderança na oposição era indiscutível, mas depois ela começou a se enfraquecer. Primeiro o senhor diz que ganha, mas não consegue provar. Depois convoca uma marcha até o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) para exigir a recontagem dos votos, mas em seguida pede às pessoas que não vão à marcha, para evitar a violência. As pessoas o criticam por essa marcha à ré.
R. Algumas pessoas, não todas. Não se trata aqui do meu projeto. Minha obsessão é ver uma mudança na Venezuela, e temos sido obrigados a enfrentar campanhas internas sujas de pessoas a quem não interessa construir liderança e que pensam que a liderança pode surgir a partir da destruição de Capriles ou outros líderes. Eu optei – e o faria mil vezes de novo, se fosse preciso – evitar que matassem centenas de pessoas. É muito fácil chegar fazendo exigências quando os mortos ficam por conta de outro. Além disso, naquele momento foi uma decisão unânime. Todos os partidos concordaram que era preciso evitar a marcha para o centro de Caracas e evitar uma guerra. Nunca vou negar o que sou.
P. O que o senhor é?
R. Sou pacífico, não vou conduzir os venezuelanos a uma guerra de povo contra povo. Sou um democrata que procura construir uma maioria. Continuo a acreditar que existe uma saída eleitoral para este país. Continuo a acreditar que é possível criar aqui uma maioria multiclassista, de baixo para cima e não de cima para baixo.
O Governo já deixou de ser a única opção entre os setores populares
P. Vocês na oposição assumiram a responsabilidade por tudo o que aconteceu?
R. Quantas pessoas da liderança oposicionista vocês veem percorrendo os bairros, os setores populares e organizando as pessoas? Essa é a autocrítica. Não basta simplesmente decretar a mudança – é preciso falar com o povo sobre seus problemas. Às vezes ouvimos discursos de outros líderes e, quando perguntamos às pessoas se elas se identificam com o que é dito, elas não se identificam porque sentem que é algo abstrato. Parece que são mensagens para uma elite, e essa elite ficou para trás. Não se vai substituir o que existe hoje por uma elite oposicionista.
P. A Mesa de Unidade Democrática (MUD) parece ter se enfraquecido depois dos protestos dos últimos meses.
R. Não, penso que a nomeação de Chúo Torrealba é um fator positivo para o relançamento da Unidade.
P. Para o senhor, qual deve ser o papel da MUD? Um papel de articulação eleitoral?
R. Sim, eu a vejo mais como uma plataforma eleitoral.
P. A MUD foi uma camisa de força para a oposição, já que não permitia que cada um desenvolvesse seu próprio projeto político?
R. Não, acho que ela cumpriu um objetivo muito importante. É muito fácil criticar. Quando há derrotas, ninguém assume a responsabilidade por elas, mas todo o mundo reivindica a autoria das vitórias. Agora, não há nenhum sinal de que o panorama econômico vá mudar no país; o que se vê, isso sim, é um Governo que continua a perder popularidade. Isso quer dizer que esta é uma grande oportunidade, não apenas para nos organizarmos a partir da base da insatisfação, mas também para apresentar um projeto de país que atraia as pessoas e as leve a sonhar. Esse é o desafio. A política na Venezuela não é um trabalho de escritório, de ar condicionado e redes sociais. Aqui não há nada que substitua o contato pessoal. O regime perdeu o contato com o povo. A cúpula desse partido, os chamados queridinhos do poder, esses vivem em outro planeta.
A política aqui não é um trabalho de escritório e redes sociais
P. Se eles perderam o contato com a realidade e se a saída que o senhor defende é pacífica, em algum momento terá que retomar o diálogo com um governo que o senhor qualifica de “monstro”.
R. É uma pena que líderes que eu admiro, como Mandela e Gandhi, não estejam vivos para que vocês pudessem lhes fazer essa pergunta, porque há seguidores deles na oposição que criticam tremendamente esse esforço de abrir um diálogo. Será que nunca viram a foto de Mandela com De Klerk? Até com o adversário mais ferrenho, em algum momento você terá que dialogar.
P. O senhor confia em uma mediação internacional?
R. Não existe a mesma realidade em todos os países da América Latina. Brasil e Colômbia têm instituições. É o mesmo caso do Equador, que, não obstante o presidente Correa, tem uma institucionalidade melhor que a nossa. Por que digo isso? Porque não creio que nenhum país da América Latina hoje, com a exceção da Argentina – e Cristina Kirchner está recuando – queira copiar o modelo venezuelano. Nenhum. O que está impedindo a mediação internacional, inclusive da Unasul, é o Governo venezuelano. Saiba que é o Governo quem não quer mediação.
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