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“A imprensa é oposição”

A frase do homenageado da 12 Flip, Millôr Fernandes, resume o tom das mesas que trataram da relação entre jornalismo e poder na festa literária

A mesa 'Liberdade, liberdade' na Flip.
A mesa 'Liberdade, liberdade' na Flip.Walter Craveiro

O jornalismo sempre foi uma arma poderosa, e hoje ela pode ser nuclear. A conclusão é a que emerge de importantes mesas de debate que aconteceram na 12ª FLIP - Festa Literária de Paraty e está em total sintonia com uma das frases mais célebres do homenageado desta festa, o jornalista, cartunista – e tantas coisas mais – Millôr Fernandes: “A imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.

A primeira mesa, Liberdade, liberdade, aconteceu na sexta-feira com a presença do jornalista Glenn Greenwald e do documentarista Charles Ferguson, com mediação do curador da Flip, Paulo Werneck – quem definiu os participantes como “pedras no sapato do Governo americano". Atualmente radicado no Rio de Janeiro, onde vive com o companheiro David Miranda, Greenwald é responsável pela publicação no The Guardian da série de reportagens que divulgou os documentos sobre a espionagem dos Estados Unidos a governos e também pessoas comuns – todos eles revelados por Edward Snowden, ex-funcionário da National Security Agency (NSA). Já Ferguson, o primeiro vencedor de um Oscar a participar de uma Flip, é um escritor formado em Matemática e se tornou um especialista no mercado financeiro americano, como mostra seu premiado documentário Trabalho interno, de 2010, que trata da crise financeira de 2008.

De tom absolutamente político, a conversa levantou voo com uma série de defesas da liberdade e críticas aos EUA e ao Brasil e aterrissou na conclusão de que muitos crimes cometidos por poderosos terminam impunes. Nenhum dos participantes poupou críticas a Barack Obama, quem, justamente um dia antes do encontro, declarou que seu país “torturou algumas pessoas” após o 11 de setembro. A declaração, dada à empresa de certa maneira displicente pelo presidente norte-americano, nasceu das acusações de que a CIA espionou computadores do Senado para obter informações sobre uma investigação de tortura praticada depois dos acontecimentos de 2001.

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Para Greenwald, "foi uma ameaça absurda ao Senado americano. E Obama ainda admitiu que houve tortura, mas a maneira casual com que ele fez isso fez parecer que não foi um fato grave, como se ele estivesse justificando [a tortura]”. Ferguson não aliviou: "O que aconteceu na economia não foi um acidente, não foi um erro, foi um crime de fraude. E o presidente Obama, quando perguntado sobre o assunto, disse que muitas coisas ruins acontecem e que, como não havia provas, nada podia ser feito”.

Sobre o Brasil, foi impossível escapar do tema do asilo que Snowden solicitou ao país – e que primeiro Dilma Rousseff negou que houvesse sido pedido, depois negou que fosse concedido. "Todos os países que se beneficiaram das denúncias de Snowden tinham não apenas a obrigação legal, mas a obrigação moral de dar seu apoio. O Brasil não recebe Snowden porque parece estar mais com medo de desagradar os EUA do que com medo de ser espionado”, afirmou Greenwald.

Falando de seus projetos, Ferguson comentou que teve de interromper um documentário sobre a ex-senadora, ex-primeira dama e ex-secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton para a CNN, devido às pressões que sofreu. Mas confessa que esse é o tipo de coisa que o incentiva ainda mais: "Assim que assinei o contrato, recebi uma ligação do assessor de Hillary. Eu adoro quando vejo que há pessoas querendo que eu não descubra alguma coisa sobre elas”, disse, adiantando que seu próximo filme será sobre os desafios globais frente à mudança climática.

Já a segunda mesa sobre o jornalismo, Narradores do poder, levou a discussão à dicotomia entre objetividade e ativismo, sempre sob a perspectiva da relação com o poder. Junto ao mediador João Gabriel de Lima, participaram dela o colunista do New York Times, David Carr – que lança no Brasil seu A noite da arma (Record), uma auto-reportagem sobre sua radical experiência com as drogas – e a jornalista argentina independente Graciela Mochkofsky – autora de livros-reportagem como Estação Terminal (disponível em português em e-book pela e-Galáxia), sobre o acidente de um trem que se chocou com a plataforma da estação Once, em Buenos Aires, matando 51 pessoas e deixando 795 feridas.

Carr usou o caso Snowden para ressaltar uma experiência recente de unir notícia e ativismo político que deu certo, mas desconfia que isso possa acontecer sempre. "Funcionou neste caso e o fato de que Edward Snowden decidiu entregar todo o material para Glenn é bastante significativo. No entanto, em outras oportunidades, você pode achar que está usando, mas na verdade está sendo usado”. Mochkofsky acha que na América Latina é mais difícil separar as coisas do que nos Estados Unidos, porque a existência de um jornalismo independente é muito mais recente. E usou seu país de exemplo: "A polarização é imensa: de um lado um jornalismo militante, que não critica o Governo, e do outro o jornalismo independente que o combate”.

Os dois finalizaram o papo trocando perguntas e tratando de concluir se o trabalho de um jornalista é de fato capaz de transformar o mundo ao seu redor. Ele, sem querer ser "pessimista", foi comedido e disse que "apesar de termos uma imprensa livre e democrática, não estamos conseguindo provocar nem um ventinho no mundo”. Mas conclui que “o jornalismo segue sendo uma força positiva”. Ela, com base em sua experiência pessoal, acha que o jornalismo diário está encontrando o fim de seus dias. "Eu resolvi que não era possível fazer jornalismo com os meios de comunicação que temos na Argentina. Mas acho que existem possibilidades incríveis que eu não tive. Hoje você pode criar sua própria redação apenas entrando numa rede social”, finalizou.

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