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O ser humano provoca a sexta extinção em massa do planeta

Já são 322 as espécies de vertebrados terrestres que desapareceram desde 1500

O muriqui (Brachyteles aracnoides) brasileiro corre risco de desaparecer.
O muriqui (Brachyteles aracnoides) brasileiro corre risco de desaparecer.pedro jordano (science)

A extinção em massa da fauna não é nenhuma novidade: ocorreram cinco nos 600 milhões de anos em que os animais povoam a Terra, causadas por vários tipos de catástrofes planetárias como o vulcanismo intenso, os impactos de meteoritos e outros ainda não esclarecidos. A novidade da sexta extinção da história do planeta, a que estamos vivendo agora, é que a causa somos nós, os seres humanos. Em certo sentido, somos piores que um meteorito.

Os últimos dados, apresentados em uma coletânea de ensaios na revista Science, são terríveis, com 322 espécies de vertebrados terrestres extintos desde o ano de 1500, e com o resto sofrendo uma redução média de 25% no número de indivíduos, o que, na verdade, é pior que as extinções por seu efeito nos ecossistemas. O quadro é ainda mais complicado entre os invertebrados, com declínios de 45% na população de 2/3 das espécies examinadas. Os cientistas criaram o termo defaunação (semelhante a desflorestação) para se referir a esse grave fenômeno.

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A extinção é tão conatural à evolução biológica quanto a morte é para a vida: as espécies nascem e morrem, assim como os indivíduos. Mas ocorreram cinco extinções nos 600 milhões de anos de história animal que se destacam por seu poder devastador. A pior de todas não foi a mais popular - a dos dinossauros -, mas outra que ocorreu 200 milhões de anos antes: a extinção do período Pérmico, que varreu do mapa metade não apenas das espécies, mas das famílias que abarcam milhares de espécies. Os braquiópodos e os corais se salvaram nos pênaltis, mas 70% de nossos ancestrais vertebrados não tiveram tanta sorte.

Os geólogos ainda não chegaram a coincidir sobre suas causas: pode ter sido por uma crise de temperatura, com a superfície marinha superando os 28 graus e arruinando o estilo de vida dos animais que viviam aí, e depois destroçando todo o resto em uma cascata autoalimentada e catastrófica. Mas também está documentada uma mudança brusca no ciclo global do carbono em que se baseia toda a biologia. Também entraram em erupção os vulcões da Sibéria e, sobretudo, na época foi formado o supercontinente Pangea, que abarcava todos os atuais em uma única massa de terra. Na geologia, quando as coisas começam a mudar, não param no meio do caminho.

“Claramente a defaunação é tanto um componente ubíquo da sexta extinção em massa do planeta quanto um dos principais eixos impulsionadores da mudança ecológica global”, afirma Rodolfo Dirzo, da Universidade de Stanford na Califórnia, e o primeiro autor de um dos artigos apresentados na revista Science, com o título sucinto de ‘Defaunação no antropoceno’. O antropoceno não é um período geológico convencional, mas foi adotado por especialistas em química atmosférica, como o prêmio Nobel Paul Crutzen, para denominar a época em que a atividade humana começou a gerar efeitos globais. Dirzo e seus colegas consideram que o antropoceno começou há uns 500 anos, embora existam outras opiniões.

“Nos últimos 500 anos”, dizem os cientistas da Califórnia, Rio Claro (Brasil), México, Oxfordshire e Londres, “os humanos desencadearam uma onda de extinção, ameaça e declínio das populações locais de animais que pode ser comparada, tanto em velocidade quanto em magnitude, com as cinco extinções em massa anteriores da história da Terra”. Nas escalas dos geólogos, 500 anos é realmente um piscar de olhos: nem sequer os efeitos do impacto de um meteorito têm uma duração tão curta, muito menos a formação do supercontinente Pangea.

A extinção em massa que acabou com os dinossauros é a que mais captou a imaginação popular

A extinção em massa que acabou com os dinossauros - menos seus descendentes voadores, as aves - é a que mais captou a imaginação popular, com dois Steves (Jay Gould e Spielberg) entre os principais coadjuvantes. Seu nome técnico é “extinção K-T”, ou limite entre o Cretáceo (K, por kreide, giz ou calcário em alemão) e o Terciário (T). O que pouca gente se lembra é que não foram extintos apenas os dinossauros, mas também 80% das espécies animais existentes naquele momento, há quase 66 milhões de anos. Adeus aos amonóides, aos belemnites e à maioria dos corais. Dos inoceramus ninguém se lembra. A razão desta destruição em massa, terceira em importância na história do planeta, foi provavelmente um enorme meteorito que caiu perto do México nessa época, um impacto que eclipsou o sol por éones. Mas também houve um terrível período de vulcanismo, em um novo exemplo do caráter “pé-frio” dos eventos geológicos.

O termo defaunação quer enfatizar que o problema não se limita à extinção de espécies inteiras, mas que abarca também o desaparecimento de populações locais e a redução do número de indivíduos de cada população. “Embora as extinções tenham uma grande importância evolutiva”, explica Dirzo, “o declínio do número de indivíduos nas populações locais, e as mudanças na composição de espécies de uma comunidade, costumam causar um maior impacto imediato na função dos ecossistemas”. Os autores reconhecem que as extinções têm mais impacto nos meios de comunicação, mas ressaltam que “são apenas uma pequena parte da perda real de biodiversidade”.

Segundo diferentes estimativas, entre 16% e 33% de todas as espécies vivas de vertebrados estão ameaçadas ou “em perigo” de forma global, e somente nos últimos 500 anos, 322 foram extintas. Pior ainda, o número de indivíduos foi reduzido em uma média de 28%, com casos extremos como os elefantes, cuja população diminui a tal ritmo que sua extinção em breve é algo quase seguro. O elefante é um dos pouquíssimos animais com autoconsciência - se reconhecem no espelho - que nos acompanham neste vale de lágrimas evolutivo, junto com o golfinho e os grandes macacos.

“O declínio destas espécies animais afetará em cascata o funcionamento dos ecossistemas”, asseguram Dirzo e seus colegas, “e finalmente o bem-estar humano”.

Mesmo que seja só por causa disto, a defaunação deverá ganhar importância nos próximos anos.

Pescando humanos

Os problemas da superexploração dos bancos pesqueiros não são uma invenção de quatro conservacionistas pirados, vegetarianos e alérgicos ao anisakis. "O tráfico de pessoas diretamente associado ao esgotamento da indústria da pesca está aumentando em todo o planeta", documentam na Science, Justin Brashares e seus colegas da Universidade da Califórnia em Berkeley e Santa Barbara, "revelando as conexões entre o declínio da pesca, a pobreza e a exploração humana".

Os clientes das peixarias ocidentais podem lamentar a escassez de seus peixes favoritos, mas o contratempo é muito mais relevante na origem. Ali, os pescadores precisam viajar mais quilômetros, suportar condições mais duras, penetrar em maiores profundidades nos oceanos e pescar mais horas apenas para manter seus ingressos.

“Na Tailândia, por exemplo”, diz Brashares, “são vendidos cada vez mais homens cambojanos e tailandeses aos barcos pesqueiros; estes jovens ficam no mar durante vários anos sem nenhuma remuneração e são forçados a trabalhar 18 ou 20 horas diárias”.

O problema, claro, não se limita à indústria da pesca. O declínio do número de muitos animais na África levou à exploração do trabalho infantil. “As comunidades que durante milhares de anos cobriram suas necessidades caçando em sua vizinhança agora precisam viajar durante dias para obter seu alimento”, afirmam Brashares e seus colegas. A desnutrição, o abuso e o assassinato são moeda comum nessas situações. Não é preciso lembrar o mercado de marfim e dos afrodisíacos baseados no chifre do rinoceronte para termos uma ideia dessas práticas.

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