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Um celular para salvar 450 milhões de animais

Ecologistas criam aplicativo para mapear bichos atropelados em estradas Expectativa é salvar as espécies que correm o risco de extinção

Onça que foi atropelada em São Paulo e levada para a Unesp de Bauru.
Onça que foi atropelada em São Paulo e levada para a Unesp de Bauru.divulgação zoo bauru

Todos os anos, aproximadamente 450 milhões de animais são atropelados e perdem suas vidas nas estradas brasileiras. Isso significa que, a cada segundo, 15 animais são atingidos por um veículo no país. Os dados são uma estimativa feita pelo Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE), um órgão criado em 2011 para monitorar e orientar políticas relacionadas com a mortalidade de fauna selvagem nas rodovias brasileiras e que, agora, quer a sua ajuda para salvar esses animais.

O centro criou um aplicativo chamado Urubu, uma alusão bem-humorada à ave que está sempre em busca de carcaças de animais, que deve servir como uma rede virtual de colaboradores. A ideia é que as pessoas fotografem os animais atropelados que virem pelas estradas e enviem as fotos para que os mais de 250 especialistas do grupo, espalhados por todo o Brasil, identifiquem a espécie em questão. A partir disso, se criará um mapa com os pontos de maiores incidências de atropelamento, das espécies que correm mais riscos e, com isso se sugerirá para os órgãos ambientais adaptações nas estradas do país, explica o coordenador do centro Alex Bager.

O pesquisador, de 43 anos, estuda ecologia de estradas há 19, quando começou a carreira na Estação Ecológica do Taim, uma unidade de conservação localizada no Rio Grande do Sul (sul do Brasil). Em dois anos de monitoramento dentro do local, descobriu-se que em apenas um trecho de 100 quilômetros da BR-471, que cruza a unidade, morreram 29 leopardus geoffroyi, mamífero popularmente conhecido como gato-do-mato que têm hábitos noturnos. “É uma espécie de baixa densidade, que não se recompõe muito facilmente. Se essa quantidade de atropelamento se perpetua ao longo dos anos, a espécie facilmente entra em extinção naquele pedaço”, explica ele.

A estimativa de atropelamento do CBEE, que será publicada em revistas científicas neste ano, se baseou em 14 artigos já existentes sobre o assunto em diversas partes do país. Não havia, entretanto, um dado que fosse mais abrangente, e que envolvesse todo o país. Com base nesses estudos, chegou-se a uma estimativa média de atropelamentos por quilômetro de rodovia por dia e, a partir disso, calculou-se o dado para toda a malha viária brasileira –de estradas federais até as de terra. O pesquisador, no entanto, teme que o número de atropelamentos, já assustador, possa ser ainda maior. Por isso a importância da ferramenta colaborativa, que pode auxiliar o grupo em cálculos mais precisos.

Desses 450 milhões de animais mortos atropelados nas estradas, 390 milhões são de pequeno porte, como sapos e cobras, importantes elementos da cadeia alimentar dos animais maiores e que também auxiliam no controle de pragas nas florestas. Outros 60 milhões são de médio porte, como gambás e lebres. E de cinco a dez milhões, de grande porte, como tamanduás-bandeira, cachorros-do-mato ou onças, como a que foi atropelada nesta quinta-feira por um automóvel na rodovia Marechal Rondon, no município de Agudos, interior de São Paulo. O animal, em estado grave, está sendo atendido no Hospital Veterinário da Unesp de Botucatu, também no interior paulista.

Ao mapearem os locais com maior incidência de casos, os pesquisadores pretendem propor soluções, como a adoção de telas, a construção de túneis subterrâneos nas estradas para que os animais passem por baixo da pista ou até a implementação de túneis para os próprios automóveis, com uma área verde acima, para que os animais possam se locomover de um lado para outro da via –é o que foi feito na rodovia Trans-Canada Highway, no Banff National Park.

Bager ressalta que esse tipo de medida, chamada overpass, seria especialmente útil em áreas como a BR-101, que cruza a Reserva Biológica de Poço das Antas, no norte do Rio de Janeiro, lar do mico-leão-dourado. Estudos na área mostraram que para a população da espécie se manter estável, é necessário que ao menos 2.000 indivíduos estejam conectados. Mas a estrada, com duas pistas, contribuí para dividir os animais, situação que pode piorar agora que a rodovia será duplicada, afirma o pesquisador. “Esses animais não cruzam de um lado para o outro justamente pelo medo de serem atropelados. Com as novas pistas, a reserva acabará se tornando uma ilha”, explica ele.

O aplicativo Urubu será apresentado na próxima semana na Brazil Road Expo, uma feira que reúne agentes importantes na discussão da infraestrutura rodoviária brasileira. Em seguida, será disponibilizado para o público por meio da página do CBEE.

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