_
_
_
_
_

O julgamento de Pistorius revela falhas na investigação policial

O perito que analisou a porta através da qual ele disparou em sua namorada admite erros na manutenção das provas

Pistorius, durante o julgamento.
Pistorius, durante o julgamento.WERNER BEUKES (AFP)

A polícia sul-africana deu hoje um pouco de ar a Oscar Pistorius, que está sendo julgado pelo assassinato de sua noiva, Reeva Steenkamp, em seu apartamento de Pretória na madrugada do dia 14 de fevereiro de 2013. Um perito policial que foi interrogado nesta quarta revelou várias falhas na investigação, entre eles o mau armazenamento de uma prova conclusiva e a contaminação da cena do crime. Não é a primeira vez que se questiona o profissionalismo dos agentes, já que na audiência pela fiança do atleta paraolímpico já se evidenciou o mau trabalho do chefe de investigação, Hilton Botha, que admitiu ter entrado na casa na noite dos fatos sem cobrir os sapatos.

O fato foi aproveitado nesta quarta pelo advogado da defesa, Barry Roux, experiente em rebater qualquer frase das testemunhas. Sua vítima foi Gerhard Vermulen, policial forense, que foi o encarregado de analisar a porta do lavabo através da qual Pistorius disparou quatro tiros e matou Steenkamp, que estava presa ali e a quem o atleta afirmou ter confundido com um ladrão. Essa porta foi levada nesta quarta para a sala do júri, apoiada em um enquadramento branco para que se mantivesse em pé, e serviu de campo de batalha entre o especialista e o jurista.

Ao início de sua declaração, Vermulen sustentou que Pistorius -que tem as duas pernas amputadas- não levava postas suas próteses quando tentou abrir a golpes a porta do lavabo depois de disparar mas que utilizou um taco críquete, o que contradiz a versão do esportista. Roux pediu a Vermulen que se colocasse de joelhos para imitar a altura de Pistorius sem prótese (1,25 metros) e durante cerca de uma hora os dois discutiram sobre o fato de se nesta postura seria possível manter ou não o equilíbrio e a “posição natural” para atingir uma porta. O especialista considerou que alguém que "cresceu sem pernas pode rebater sem perder o equilíbrio".

Mas a seguir, Roux perguntou ao forense por que em seu relatório não assinalava a existência de “uma marca de pé ortopédico” de Pistorius sobre a madeira que, segundo o próprio atleta, se produziu quando tentou derrubar a porta, ao ter se dado conta de que tinha ferido Steenkamp.

Vermulen admitiu que não tinha se “incomodado” em ler a declaração juramentada que o atleta deixou apenas alguns dias após o crime para a decisão da fiança e assegurou que tentava elaborar seu relatório da maneira “mais objetiva possível”. Tão imparcial, recriminou-o o jurista, que Vermulen nem analisou essa marca e declarou pouco antes “que não tinha evidências de que Pistorius chutara a porta, ao contrário de sua versão”.

O agente declarou que não podia certificar se a prova esteve guardada trancada

Mas Roux ainda insistiu nesta questão ao obrigá-lo a admitir que não teve acesso à porta em questão até 8 de março, três semanas após os fatos, e que não podia certificar se ela tinha estado guardada “trancada” como manda o regulamento. Ele advertiu na sala hoje quando o advogado mostrou uma foto dessa porta na noite do crime que “alguma coisa passou” nesse lapso de tempo, porque agora sim podia apreciar as marcas da porta, a marca da prótese, bem como uma impressão de uma bota de policial em uma mancha de sangue da vítima. Em outras palavras, o relatório assinado por Vermulen se baseia em uma prova modificada e em uma cena do crime contaminada, gestos que questionam a credibilidade e profissionalismo do corpo.

Na sessão de quarta terminou com a declaração de Darren Fresco, amigo de Pistorius, que esteve presente em duas ocasiões no passado nas quais o atleta acabou imputado pelo uso temerário de arma de fogo. A testemunha reiterou que uma vez o esportista disparou para o ar sem avisar enquanto estava sentado no assento de copiloto do carro conversível de Fresco, que se feriu levemente na orelha. “Oscar riu”, ressaltou.

Em outra ocasião, um mês antes do crime de Steenkamp, Fresco e Pistorius comiam com mais dois amigos em um restaurante de Johannesburgo quando Pistorius pediu à testemunha que passasse sua pistola por debaixo da mesa. Segundo sua versão, Fresco o advertiu que “tinha uma bala”, mas Pistorius disparou e a bala parou ao lado do pé de outro freguês, ocasionando um leve dano. Fresco assumiu a responsabilidade do tiro diante dos proprietários do local, já que “um bom amigo” como o era Pistorius então tinha pedido para evitar o assédio da imprensa.

O julgamento está previsto que termine no próximo dia 20 de março, embora fontes judiciais admitam que ainda possa ser prolongado por uns dias. A Promotoria acusa Pistorius de assassinato premeditado, porte ilícito de munição e uso temerário de arma de fogo em locais públicos. De todos estes delitos, o atleta se declarou no primeiro dia “não culpado”.

A defesa e a família Pistorius mostraram-se neste oitavo dia de julgamento bem mais relaxados que em outras ocasiões. No início da sessão, uma jovem que costumava treinar com o atleta se lançou sobre ele quando saia da sala de vistas. Ambos se abraçaram e o velocista disse: "Obrigado, estou bem", com a voz trêmula e olhos marejados.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_