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O Brasil tenta encontrar o seu papel na crise da Venezuela

Dilma tem frustrado a expectativa de assumir uma posição de liderança diante das tensões no país vizinho. A posse de Bachelet pode ser oportunidade de falar mais abertamente sobre o assunto

Carla Jiménez
Jovem participa de protesto neste sábado em San Cristóbal contra o Governo de Maduro.
Jovem participa de protesto neste sábado em San Cristóbal contra o Governo de Maduro.JORGE CASTELLANOS (EFE)

Em meio às tentativas das organizações internacionais de interceder para apaziguar a tensão na Venezuela, surge, inevitavelmente, a pergunta sobre o papel que o Brasil pode assumir na crise que se instalou no país vizinho. Por ora, se limita a atuar por meio dos organismos internacionais, apoiando o presidente Nicolás Maduro. Na mais recente reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA),na última sexta-feira, o país votou novamente alinhado com Maduro, ao firmar a carta de solidariedade às vítimas das violências nos protestos de ruas, e reforçando a necessidade de diálogo. Repete, assim, o tom adotado pela Celac e pelo Mercosul.

Mas, a expectativa com o papel brasileiro é grande. Na condição de maior nação do continente sul-americano, e de maior economia da América Latina, o Governo brasileiro teria um papel relevante na tentativa de conciliar as distintas forças venezuelanas. Segundo o presidente do Partido dos Trabalhadores, Rui Falcão, e coordenador da campanha à reeleição de Dilma Rousseff este ano, a presidenta pode corresponder às expectativas nos próximos dias.

Seria, de fato, de bom tom, até pelas boas relações do Governo de Rousseff com a Venezuela, desde os tempos de Hugo Chávez. O assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, inclusive, retornou na quinta-feira da Venezuela, onde representou o Governo nas festividades de um ano da morte do ex-comandante. Durante a visita, reuniu-se por 40 minutos com o presidente Nicolás Maduro. “À luz das informações que ele traga, o Governo brasileiro deve se manifestar”, diz Falcão, que não descartaria um papel de intermediador da crise, caso Maduro acolhesse a ideia. O presidente venezuelano, inclusive, estaria aceitando a mediação brasileira, ainda que o assunto não esteja vindo a público. A própria entrevista de Maduro à rede de televisão americana CNN  seria uma tentativa de mostrar mais abertura para solucionar o crise.

Uma reunião da União das Nações Sulamericanas (Unasul), convocada pelo próprio Maduro, está marcada para acontecer em Santiago, no Chile, logo após a posse da presidenta eleita Michele Bachelet. O encontro reunirá os chanceleres de cada país integrante do grupo. Luís Alberto Figueiredo vai representar a diplomacia brasileira, apoiando as linhas gerais que as nações vizinhas têm assumido: a situação atual precisa ser resolvida por meio do diálogo, e atos violentos são condenáveis. Assim como ficou claro no documento firmado pela OEA, apoiado por 29 nações incluindo o Brasil, o incentivo à conciliação é visto como mais produtivo do que a condenação do status atual da Venezuela.

Uma missão do Foro São Paulo, organização que reúne partidos de esquerda latinoamericanas, incluindo o PT, deve seguir nesta semana para a Venezuela. Falcão, inclusive, pode integrar esta comitiva. Tanto o partido, como o Governo petista, sempre defenderam a soberania de cada nação. Mas, alguns integrantes do PT não escondem um certo desconforto com o caos que se instalou no país vizinho, e que já culminou na morte de 20 pessoas. O próprio presidente do partido admite que há algumas situações que preocupam. “Nada justifica a proibição de que veículos de comunicação circulem”, afirmou.

Mas, até agora, a posição brasileira tem sido considerada muito tímida. Além da assinatura da carta do Mercosul de apoio a Maduro no mês passado, e o endosso da carta da OEA nesta semana, só houve a fala da presidenta Rousseff durante a cúpula Brasil-União Europeia, quando foi questionada sobre o assunto, no último dia 21.  “Acreditamos que sempre, em qualquer situação, é muito melhor o diálogo, o consenso e a construção democrática do que qualquer tipo de ruptura institucional”, disse Rousseff.

Uma crítica feita à presidenta, neste momento, é o fato de ela te sido tão ativa na costura para incluir a Venezuela no Mercosul – e na negociação com o Paraguai, que se negava a aceitar o novo parceiro – , mas que agora apresenta uma atuação limitada nesse capítulo diplomático. Trata-se de um calcanhar de Aquiles para o Brasil, ao contrário, inclusive da postura de seu antecessor, na visão de alguns observadores. “O Lula, por exemplo, foi conversar com o Evo Morales, quando houve algumas tensões na Bolívia, durante o seu Governo”, relembra Rubens Barbosa, que foi embaixador nos Estados Unidos, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

O ex-presidente tucano, aliás, também se manifestou sobre a crise venezuelana, numa declaração conjunta assinada com outros três ex-presidentes da América do Sul, repudiando a arbitrariedade na condução do conflito que divide o país. “O ideal seria que o Brasil respondesse ao seu peso na região, procurando formar consenso para atuar na Venezuela. Mas o país não tomará nenhuma atitude pró-ativa, até porque o Governo tem muita simpatia pelo Maduro”, opina Barbosa.

A posse da presidenta Michele Bachelet, na próxima terça-feira, pode ser uma oportunidade de os líderes do continente falarem abertamente sobre a crise venezuelana, que teve mais um capítulo neste sábado, com novos protestos de opositores do Governo nas ruas. E pode ser a chance de Rousseff se pronunciar de maneira certeira, surpreendendo seus opositores. Ao fim e ao cabo, a crise venezuelana não é conveniente para o Brasil nem do ponto de visto político, nem do ponto de vista econômico. As exportações brasileiras - carne, açúcar e máquinas estão entre os principais produtos exportados para lá -, por exemplo,  têm caído nos últimos meses em função dos controles da moeda na Venezuela.

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