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O conflito reabre o debate sobre a dependência do gás da Rússia

A União Europeia assegura que o abastecimento está garantido com as reservas e o bom clima As multinacionais espanholas estudam os cenários da crise em curto, médio e longo prazo

Javier Casqueiro
O comissário europeu de Energia, Günther Oettinger (esq), junto ao ministro austríaco da Economia, Reinhold Mitterlehner, na terça-feira em Bruxelas.
O comissário europeu de Energia, Günther Oettinger (esq), junto ao ministro austríaco da Economia, Reinhold Mitterlehner, na terça-feira em Bruxelas.G. G. (AFP)

Inquietude de um lado e sensação de tranquilidade e de certo controle do outro. Os gabinetes dos membros do Conselho Europeu, da Comissão, dos governos dos 28 países da União Europeia e, na Espanha, por exemplo, até os departamentos de análise das grandes empresas internacionais analisaram na terça-feira os estudos específicos sobre a repercussão geopolítica e também econômica e energética do conflito na Ucrânia. O temor de uma desaceleração na incipiente recuperação da zona do euro por esta intervenção russa é gritante.

Pelo menos duas das multinacionais espanholas do setor finalizaram na terça-feira seus dois relatórios sobre a crise. Com uma conclusão em comum: em curto prazo o impacto imediato será apenas um aumento aceitável de preços (gás e petróleo), mas em médio e longo prazo pode significar uma reformulação geral da política energética na Europa para outras fontes e outros canais, especialmente se o conflito se prolongar e se tornar ainda mais complicado.

Os dados são muito esclarecedores para compreender a dependência europeia, sobretudo do gás procedente da Rússia, principalmente aquele que passa pela Ucrânia. Cerca de 30% das importações de gás da UE são russos e chegam a quinze países europeus por meio de três gasodutos: são 95 bilhões de metros cúbicos por dia pelo Nord Stream (do norte até a Alemanha) e o Yamal (pela Bielorrússia) e outros 175 bilhões pelo Soyuz, via Ucrânia.

Na terça-feira, o comissário europeu de Energia, Günther Oettinger, procurou assegurar que o fornecimento está controlado. “Não há motivo para preocupação”, disse ele como um técnico de futebol sendo questionado sobre os resultados. E insistiu: “Neste momento, a situação do gás nos Estados membros é boa, tivemos um inverno ameno, a capacidade de armazenamento está mais cheia do que no ano passado, temos reservas em todos os lugares. E à medida que avançamos para a primavera e o clima fica mais quente, o perigo vai diminuir”. Até agora ninguém relatou complicações no recebimento do produto.

Os sistemas de calefação começam a funcionar em menor tempo, também na Alemanha, que compra cerca de 25% do gás russo, embora disponha do seu próprio gasoduto através do Mar Báltico. Na Alemanha, as autoridades dizem que têm garantidos até 60 dias de abastecimento. A União Europeia também citou o que aconteceu com crises anteriores semelhantes em 2006 e 2009. Desde então, as autoridades têm tentado diversificar os canais de entrada de gás, embora a maioria dos novos projetos não esteja em execução. De fato, alguns especialistas agora voltaram a enfatizar a importância de reforçar a tão esperada interconexão europeia de gás e de eletricidade. E também foi construído um depósito de reservas de gás, que agora está com cerca de 40 bilhões de metros cúbicos, 10 bilhões a mais do que o armazenado em 2013. Há dez anos, o fluxo de gás russo importado era de 45%.

No entanto, todos os porta-vozes e analistas europeus esperam que a Ucrânia e a Rússia respeitem os compromissos e contratos assinados, que são fechados sempre em longo prazo para dar mais segurança, especialmente em relação aos preços. É o que acontece no caso da Espanha. E no momento não há motivos evidentes para pensar o contrário. Porque a Rússia também está muito interessada neste negócio. O império russo Gazprom exportou no ano passado 133 bilhões de metros cúbicos de gás para a Europa e quase a metade deste volume foi entregue via Ucrânia. A empresa, que nestes dias viu suas ações perderem valor na bolsa, confirmou na terça-feira que suspendeu a relação especial de “preços amigáveis” que mantinha com a Ucrânia, de quem cobra uma dívida crescente de importações de gás russo.

Mas é que a economia russa também depende em grande parte dessas exportações e sofreria sérias desvantagens se a limitassem. Este comércio gera agora cerca de 100 milhões de dólares por dia e representa em torno de 3% de uma economia que no ano passado desacelerou seu crescimento a tão só 1,3%.

Na Espanha, o impacto direto da crise neste momento é escasso. Se algo maior prejudicar as importações de petróleo, o mercado de gás espanhol está na Argélia, de onde vem mais de 40% desse recurso, de acordo com a associação Sedigas. Mas até esse aspecto poderia ser uma oportunidade se as conexões atuais da Espanha para a França e a Alemanha não estivessem tão saturadas. Fontes do setor sugeriram que a crise revela a oportunidade de melhorar a interligação gasística do sul para oferecer uma alternativa para a Europa a partir das reservas espanholas.

O impacto no preço do combustível

Especialistas consultados de várias empresas espanholas minimizaram o impacto sobre os recursos nacionais, tanto pela baixa dependência do petróleo russo como pela incidência nula de seu gás graças aos dutos que conecta a Espanha com o norte de África e à flexibilidade que oferece a capacidade instalada de Gás Natural Liquefeito (GNL).

Mas o avanço russo na Crimeia colocou sobre a mesa a discussão da segurança energética na Europa. O diretor de pesquisa e análise da Repsol, Pedro Antonio Merino, admite: “Embora seja verdade que o corredor ucraniano para as exportações de gás russo reduziu sua importância em relação a alguns anos atrás, ainda representa uma localização estratégica para o fornecimento à Europa. Os dutos que ligam a Rússia à Europa aumentaram e, além disso, desfrutam de capacidade ociosa suficiente para desviar através deles pouco mais da metade do gás que passa pela Ucrânia”.

Sobre o impacto potencial no preço do petróleo, Merino entende que é menor “porque as exportações russas para a Europa são feitas através de barcos nos portos do Báltico e no Mar Negro”. Ele acrescentou que “as tensões na Crimeia, até agora, tiveram um impacto limitado, gerando aumentos de preços à vista [de curto prazo], tanto Brent como WTI, de pouco mais de 2 dólares o barril (R$4,68) desde o fim da semana passada, quando o conflito começou. Os preços de gás natural à vista também subiram, com o americano Henry Hub aumentando 2 dólares por milhão de BTU (unidade de energia) e a referência europeia, o National Balancing Point, cerca de 1 dólar (R$2,34)”.

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